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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

16
Jul06

Arrastão no Piódão

riverfl0w
Isto parece uma notícia do “24 horas”, mas não é. Passo a explicar. Depois de uma jantarada na sexta-feira aqui em casa, onde foi providenciado um manjar abundante à base daquelas coisas que fazem muito bem à saúde, o sábado despertou-nos para uma viagem até ao Piódão, essa bela e rústica aldeia na Serra do Açor, ali mesmo ao lado da Serra da Estrela. O plano era deixar lá o carro e fazermo-nos aos montes e vales, de mochila às costas, para flagelarmos estes corpos pecaminosos através de uma actividade na natureza. Coisa bonita, note-se. Éramos cinco jovens (embora uns mais jovens que outros) cheios de boas intenções. Acontece que a natureza não esteve com meias medidas, no dia de sexta-feira e decidiu castigar a zona do Piódão de forma implacável. Começámos a topar que alguma coisa não estava bem quando, circulando por uma das estradas de acesso à aldeia, apareciam vistosos vestígios de derrocadas. Isto é, calhaus, terra e nacos de alcatrão do tamanho da cabeça de um boi, tudo espalhado pela estrada. Ao princípio, ainda nos armámos aos cágados, como se andássemos nalguma picada em África e tal, todos fora do carro a tirar calhaus e alcatrão do meio da estrada, para o carro passar devagarinho. Muito giro. Até a coisa ser tanta que até para um jipe ficava feio. Voltámos para trás, apanhámos outra estrada de acesso e, a pouca distância da aldeia, novos vestígios do mau humor da natureza. Nas curvas da estrada alcatroada faltava, literalmente, metade da estrada, roubada à força de derrocadas por muita água e muita pedra. Passar numa curva em que se nota que só resta um bocado de alcatrão suspenso no ar, sem base de sustentação, é divertidíssimo, especialmente num carro cheio de gajos bem alimentados. Mas, pronto, o alcatrão devia de ser de uma boa colheita, do tempo em que o alcatrão era para homens, nada destas modernices que metem hoje em dia nas estradas. Chegados à bela da aldeia, agentes da GNR impediam que curiosos se aproximassem do centro nos seus automóveis pimpões. Só a pé. E a pé fomos. Bem, a coisa pode resumir-se da seguinte forma: algures em direcção à nascente da ribeira que passa na aldeia, algo não resistiu ao charme de uma potente chuvada na tarde de sexta-feira; em três tempos uma ribeira cheia e energética transformou-se num monstro de lama, calhaus enormes e muita água, lançados vertiginosamente por aí abaixo, arrastando tudo à frente. Assim de mais impressionante, foi arrastado um parque de estacionamento, os carros lá parqueados e um turista. Obviamente que, tudo o resto que houvesse, foi na onda, por aí abaixo, desde tractores a pontes. Equipas de salvamento com cães, escavadoras, bombeiros, GNR, políticos, invadiram a aldeia. Segundo relatos, apareceram pedaços de carros numa aldeia mais abaixo, onde passa a mesma ribeira, a cerca de dezasseis quilómetros! O parque de estacionamento que foi levado à frente, era o mesmo onde pretendíamos deixar o carro. O meu lindo carrinho, com ar condicionado e colete reflector e sobras de guardanapos do McDonalds. Porra! Por um dia não fiquei sem ele. Havia de ser bonito, chegarmos de uma penosa caminhada na serra, todos estoirados pelo peso das garrafas de tinto nas mochilas e os pés mordidos pelos afiados calhaus dos trilhos de pé posto, e vermo-nos apeados a paletes de quilómetros de casa! Eu acho que tinha um colapso logo ali. O meu carrinho, tão lindo, que até tem um guarda-chuva na bagageira e faz “nhinhi” quando meto o pé no travão. Carago! pickwick
10
Out04

Crónicas de uma viagem

riverfl0w

Na gare, há bagagens. A abarrotar, apenas cheias, ou com aspecto mais leve. Mochilas, sacos, caixotes selados, malas e maletas. Um estranho interrompe-me a observação. Roupa andrajosa, saco roto:
"Falta-me 1,80€ para apanhar o comboio de Coimbra... será que me pode ajudar?"
Meneio a cabeça. Percebo depois que o preço varia conforme a pessoa abordada. A senhora dos altifalantes fala ininterruptamente:
"O comboio rápido Intercidades com destino a Beja circula com 9 minutos de atraso... Vai dar entrada na linha número 5 o comboio suburbano com destino a Braço de Prata..."
A senhora de botas de cano alto, sentada à minha esquerda, continua a mastigar batatas ruidosamente. Aqui e ali, os beijos apaixonados multiplicam-se, sente-se o ambiente saudosista.
A minha partida, hoje, não passa de rotina. Talvez por isso tenha um aspecto menos ansioso que os demais. O comboio chega sem pressa, a contrastar com a multidão que se atafulha na plataforma. A entrada desordenada anuncia que nada está diferente: as pessoas continuam a querer sentar-se primeiro. O corropio de pessoas e bagagens mantem-se durante alguns minutos, e há sempre alguém que procura o seu lugar já com o comboio em movimento. Desta feita, foi a menina que tinha bilhete para o lugar ao lado do meu, que com um ar ainda um pouco perdido (embora amistoso), afirmou que se iria sentar no banco de trás, para viajarmos "mais à vontade". Cheia de boas intenções, a moça.
As distracções são variadas, no decorrer da viagem: jogam-se cartas, lêem-se magazines, ouve-se música, ou simplesmente assobia-se. Eu escrevo enquanto vagueio o olhar pela carruagem.
A menina do banco de trás faz-se notar com um leve toque no meu ombro esquerdo. "Vou ter mesmo de me sentar ao seu lado...". Respondo com um sorriso, enquanto me levanto.
Já novamente sentados, pondero se deva continuar a escrever... os olhos curiosos da menina passeiam-se de quando em vez pelas minhas letras. Talvez fique por aqui.

A menina foi buscar um livro à mochila. Está de calças verdes, de bombazine. Estou com fome, estamos quase a chegar. riverfl0w

14
Set04

Vou-me embora…

riverfl0w
No Alentejo profundo, a vários metros abaixo da linha da civilização, ouve-se um canto de lamento e de esperança.
“Vou-me embora, vou partir mas tenho esperança
de correr o mundo inteiro, quero ir
quero ver e conhecer rosa branca
e a vida do marinheiro sem dormir
E a vida do marinheiro branca flor
que anda lutando no mar com talento
adeus adeus minha mãe, meu amor
eu hei-de ir hei-de voltar com o tempo

Não vais para o mar, se calhar até nem curtes rosas brancas, nem flores brancas, nem flores, nem marinheiros. Não é preciso. Isto é só uma canção. Também não é preciso passar sem dormir. Quer-se dizer, vais fazer umas noitadas a queimar pestanas em cima dos livros e apontamentos, ou a olhar com um ar lunático para os copos vazios numa qualquer mesa de um qualquer bar nessa cidade quase à beira do mar. E, quer queiras, quer não, vais correr o mundo inteiro. Quando se sai de casa, corre-se sempre o mundo inteiro. É sempre assim. O mundo cabe sempre na palma da nossa mão. Partir requer sempre coragem. Mais daqui ou menos dali, dependendo do nosso passado. Não é caso para desesperar. É motivo para sorrir! É uma nova vida que abraçamos, bem diferente da que conhecemos até agora. Fechamos ligeiramente a torneira às amizades que fizemos, por não estarmos tão presentes, e abrimos as portas às novas que aí vêm, de braços abertos. Porque o mundo é assim, como uma bicicleta. Vais gostar da cidade, garanto-te. A viagem até ao teu lar-doce-lar de regresso até nem custa assim tanto. Tem só aquele pequenino gosto a ansiedade na ida e uma leve nostalgia no regresso. Não custa nada. No banco do comboio, aproveitas e lês um livro, escreves umas linhas sentidas ao teu amor, olhas pela janela e vês tudo a passar a correr, incluindo a tua vida. Em cada estação pensas para contigo mesmo que podia ser já ali. Quando o trabalho aperta e sexta-feira não embarcas rumo ao sul, não há que desesperar. É um fim-de-semana com sabor diferente. Vive-se de modo diferente. A saudade teima em pressionar-te para que sintas aquele apertozinho no coração que nos faz suspirar vezes sem conta. Mas, os novos amigos, todos com o mesmo sentir, mostrar-te-ão que nada custa mais do que não ter amigos. pickwick
10
Set04

(In)cerrado

riverfl0w

Caros leitores, comentadores e voyeurs do Arautos do Estendal:

Serve o presente ofício para comunicar que os autores deste blog partirão em viagem até ao Bahrein, onde vão participar na conferência pan-internacional sobre “Os efeitos do aquecimento global nos nematelmintes semi-tropicais”. O motivo desta jornada prende-se com o facto de os referidos autores terem sido convidados para a apresentar a sua teoria: “Os sapos também comem nozes”. Podem, portanto, deixar mensagem no voicemail, ou simplesmente… esperar.

Saudações cordiais,
pickwick & riverfl0w