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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

26
Jun06

Golos e outras baboseiras

riverfl0w
Ontem, Domingo, foi dia de jogo. Em dias destes, algumas pessoas aproveitam para ir a sítios públicos onde não andará a grande massa humana que vagueia fora de casa naquela busca incessante pelo mítico calhau que lhes preencha a existência. Não tive essa sorte, porque missões mais nobres e entusiasmantes me preencheram o Domingo, mas, depois de actividades na natureza, piqueniques, sestas à sombra, fugas estratégicas e viagens de comboio, cheguei finalmente a casa quase à hora em que uma percentagem estupidamente grande da população portuguesa estaria a preparar-se para, impacientemente, assistir a mais um joguinho daquela coisa a que chamam a Selecção Portuguesa. Pessoalmente, prefiro gajas. E, se tiver que ser uma Selecção, ao menos que seja uma Selecção Rochery do Pingo Doce. Portanto, gajas ou gelados, mas gajos peludos e ordinários é que não, por favor. Claro que, aqui neste prédio da 2ª Guerra Mundial (como o meu irmão tão bem descreveu o edifício à minha mãezinha), estas preferências não são partilhadas. Aqui, como no prédio em frente, e nos outros todos aqui nesta grande aldeia, o povo sentou-se colado na TV. Eu, sentei-me calmamente em frente do computador, com acesso à Internet, para me cultivar um bocadinho com as notícias do fim-de-semana. Ia a leitura a meio, quando explodiu uma saraivada de “GOLO” por todo o lado. Não era difícil de perceber que um dos cromos da equipa portuguesa tinha conseguido, com mais um golpe de sorte, enfiar a bola dentro da baliza adversária. E fiquei cá a pensar para comigo, por que raio é que esta gente grita “golo”. Toda a gente (os que têm TV) vê que foi golo. As gralhas dos comentadores “desportivos” gritam desalmadamente que foi golo, certamente num gesto de simpática atenção para com os invisuais. Há necessidade de as pessoas em casa gritarem também que foi golo? Eu acho que não. Então, gritam porquê? Bem, eu vejo aqui algumas semelhanças com o sector dos indivíduos infelizmente portadores de deficiências mentais. Onde trabalho, há lá um, o Cristóvão, a quem eu veria com bons olhos que gritasse “golo” a olhar para a TV. O pobre coitado, que tem Trissomia 21, repete facilmente e com alguma alegria qualquer coisa, descontando as alterações que a sua situação física provoca nos sons. Com sorte, talvez até consiga dizer qualquer coisinha sem se babar, o que é muito bom. Esses, como o Cristóvão, eu compreendo. Agora, pessoas teoricamente normais, a terem essas atitudes, é que eu já não entendo. Será alegria? Mas alegria de quê? Devem gostar de ganhar o que ganham e aplaudir uma equipa de macacos peludos cujos vencimentos mensais ultrapassam a soma dos vencimentos de toda uma vida de trabalho de um cidadão normal. Devem gostar, devem. Devem gostar de aplaudir uma coisa que não traz benefício nenhum para a condição de vida do normal cidadão, pois se a selecção portuguesa marcar vinte golos contra o Brasil, nenhum de nós irá ganhar mais uns euros ao final do mês, nenhum de nós pagará menos por um litro de gasolina, nenhum de nós verá perdoada a sua dívida dos empréstimos aos bancos, e nenhum de nós verá reduzido o seu horário de trabalho. Ainda assim, a malta teima em gritar “golo” e esticar uma versão chinesa da bandeira portuguesa na varanda. Mas para que é que a malta mete uma bandeira portuguesa a arejar? É por sermos muito patrióticos? Claro que não somos patrióticos. Por vontade do comum cidadão, Portugal até podia ir para o caraças, juntamente com o resto dos seus habitantes, desde que não faltasse dinheiro no bolso para gastar estupidamente em coisas inúteis. É que, como é sabido, o português está sempre a arranjar maneira de chular o Estado que somos, afinal, todos nós, e isto, a bem dizer, não se pode chamar de patriotismo. Mas, enfim, é como os portadores de Trissomia 21: se lhes dermos uma bandeira portuguesa para as mãos, eles também a vão meter numa varanda, apesar de não compreenderem porque o que estão a fazer. pickwick
08
Jul04

Frigorífico

riverfl0w

Reparei hoje, três dias depois. Três dias depois já se consegue levar uma vida dentro do razoável, sem ser perseguido por bandeiras azuis e brancas. Três dias depois já quase conseguia voltar a ler Platão e usar um garfo sem pensar que estava a comer com o tridente de Poseidon.
Mas o mundo voltou a ruir quando reparei na porta do frigorífico. Estava ali, preso por um íman, firme. Quadrado, 9x9 cm. Cores alegres, motivos primaveris.

André

Do grego andréas. Pessoa fiel e dedicada. Temperamento de artista e sensível.

Confesso que nunca pensei que uma final de um Campeonato Europeu de Futebol levantasse problemas existenciais. riverfl0w

22
Jun04

O belo do esférico

riverfl0w
Não sei se alguma vez já tinha dito isto, mas... aqui vai: detesto futebol!!! Ó pá... é como as moscas no verão, tal e qual. E agora, fomos invadidos por um enxame gigantesco. Ainda assim, dou agora comigo a pensar que assisti a dois dos jogos da selecção portuguesa. Como foi possível? Bom, reconheço que a motivação para assistir aos dois jogos não foram estes propriamente ditos, mas sim o banquete que coincidiu temporalmente com o acontecimento. Coincidir também não é o termo mais adequado. Foi mais fazer bater certo. Ou assim. É daquelas desculpas “vamos jantar e ver o jogo?” Yá, bute lá, vocês vêem o jogo e eu como o jantar. Por acaso falhou a táctica e acabámos todos por ver os jogos e esvaziar as travessas e as garrafas. Não me lembro muito bem do que aconteceu durante os jogos. No primeiro jogo só descobriram que a malta tinha as pilhas gastas já quase no final, e quando foram mudar para Duracell já era demasiado tarde, embora se tenha notado a diferença: pareciam tipicamente os coelhinhos dos anúncios da Duracell, a marchar sem parar para trás e para a frente meio tontinhos meio grogues. No segundo jogo que vi, mais recente, não me lembro muito bem mas acho que ganharam. Reparei lá num tipo qualquer que passou o jogo a rematar contra os adversários. Ainda por cima, a poucos metros da baliza. Não percebi qual era a ideia dele, mas quando eu era jovem a malta costumava rematar para a baliza. A baliza é aquela cena com a rede. O belo do esférico é que me partiu todo. No meu tempo, as bolas eram assim com aquelas cenas da geometria, com cores diferentes e um pipo. Notei que já se evoluiu: a bola continua redonda, embora completamente diferente, prateada (deve ser para ofuscar os adversários) e com umas linhas esquisitas aos zigue-zagues. Não vi se tinha pipo ou não, embora o senhora da câmara se tenha aproximado muito da bola. Se calhar nem tem, já vem de fábrica assim cheia e nunca se esvazia. Um dos meus companheiros da assistência e dos jantares disse, das profundezas dos seus vastos conhecimentos sobre o assunto, que Portugal passa à frente. Gritou “golo” no domingo à noite. Estávamos à mesa e é feio gritar-se à mesa. Dantes era. Eu não sei porque é que Portugal passa à frente. Deve ser de algum esquema maluco de pontos e tal, porque ele estava à mesa a fazer cálculos de cabeça em função dos golos e de sei lá mais o quê. Eu trincava um gelado de morango e caramelo. Mas formei a minha opinião depois de ver dois jogos: passou à frente, mas com muita, mas muita sorte. Haja dó! Eu não gosto nada de futebol, mas aquilo saltava demasiado à vista que aqueles senhores com nomes que só se dão aos cachorros nunca jogaram juntos. Enfim. Acho que perdi um jogo qualquer, no qual, segundo dizem, Portugal ganhou. Parabéns. Tive pena de não ver. Pena, porque perdi um jantar e uma noitada de copos. Sim, porque isso é mesmo o que interessa. Futebol, a sério, é quando a gente vai para o campo e anda a correr de um lado para o outro a tentar enfaixar a bola na baliza. Não há cá esféricos nem caneleiras-para-meninas. Ah... Saudade!... pickwick