Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

22
Out06

Le centre du monde est partout

riverfl0w
doclisboaHoje foi noite de doclisboa. O doclisboa, para quem não conhece, é um festival internacional de cinema documental que se realiza em Portugal desde 2004, organizado (e bem!) pela apordoc. Já na edição anterior tinha por lá passado e, a bem dizer, tinha gostado muito do que vi.

Assim sendo, este ano tive então o cuidado de me credenciar antecipadamente junto da organização do evento. Até aqui tudo bem. Eis senão quando (adoro esta expressão… vocês não?), ao dirigir-me ao balcão de acolhimento para levantar o livre-trânsito, me dão não só o dito mas também – e pasmem-se – uma maleta preta de trazer a tiracolo da TV5, com a bonita inscrição que dá título a este post. “É o dossier de imprensa” – disse a menina, enquanto fitava os meus olhos transbordantes de emoção. A verdade é que em todos os eventos onde tive direito a um dossier de imprensa – e não foram tão poucos assim – este não passava de uma capinha com alguns documentos de utilidade questionável e, com sorte, uma caneta Made in Pakistan ou um mini-bloquinho de notas do Continente. Compreenderão pois o meu espanto ao receber, de mãos trémulas, uma mala em tudo semelhante à do Tintim - essa referência do jornalismo francês (ainda que se trate apenas de um personagem de BD). Obviamente, o meu próximo passo será arranjar umas calças de sarja e um terrier que saiba ganir em francês.

Voltando à realidade. Imediatamente senti que a pasta tinha um peso atípico – inviabilizando com sucesso qualquer tentativa de sprint furtivo atrás de um VIP – o que me levou a intuir que as surpresas não ficariam por aí. E não ficaram. O recheio era composto por:

- Programa do evento;
- Agenda Cultural dos próximos três meses;
- Publicação doclisboa: "Histórias mínimas: o documentário japonês contemporâneo";
- Sinopse e ficha técnica de todos os filmes plus fotos e currículo de todos os realizadores, produtores e júri - num total de 230 páginas;
- Um exemplar da docs.pt - revista de cinema documental;
- Bloco de notas muito catita, journalist style, plus duas canetas;
- Convites para o LUX, B.leza, entre outras (oh, infortúnia! a Sílvia Alberto está lá e eu não posso ir...);
- Informações sobre o alojamento de todos os intervenientes (sim, eu sei onde a nova namoradinha de Portugal está hospedada);
- Dados de todos os jornalistas acreditados - onde o meu nome surge ao lado de nomes como... muitos ilustres desconhecidos (os restantes 48 jornalistas que me perdoem a ignorância);
- e... the last but not the least... duas bisnagas de produtos da Rituals - uma de esfoliante e outra de gel de banho - que deixaram a minha mãe em estado de pré-lacrimejo.

E mais. Tomei um café servido por uma mulher como só se vê nos filmes de Hollywood sobre corridas ilegais de automóveis - if you know what I mean - que no final sussurou, com um sorriso atrevido, "Este é por conta da casa". Se a isto acrescentarmos dois excelentes documentários - "A Sunday in Pripyat", de Frédéric Cousseau e "The Fisherman and the Dancing Girl", de Valeri Solomin - rapidamente perceberão porque sou (e serei certamente) fã incondicional do doclisboa.
Amanhã, tenho já encontro marcado pela tarde, onde vou (engatar a deusa do bar/assistir a "China Blue", um documentário americano de referência sobre os efeitos secundários da globalização)(riscar o que não interessa).

Fica então o repto a quem se interesse e possa estar presente, sendo que o festival continua até 29 de Outubro, na Culturgest. Consultem o programa e não se preocupem com os preços, pois mais depressa vêem dois documentários no doclisboa do que bebem uma imperial no LUX. riverfl0w
17
Jul06

Quinta-feira do azario

riverfl0w
Só agora reparei que quinta-feira foi dia 13. Devia ter desconfiado, mas pronto. Comecei a desconfiar que alguma coisa estava a correr mal quando tive que ir várias vezes ao supermercado fazer compras para a jantarada na sexta-feira. Um vai e vem desnecessário se, como toda a gente, fizesse uma lista de compras e não confiasse na ah-e-tal-a-memória. Mas não, não fiz, e tive que passar o dia a ir ao supermercado. Uma das vezes, depois de colocar os sacos no banco do pendura, descobri que a respectiva porta não fechava. Bonito serviço, pensei eu, sozinho nesta terrinha no fim do mundo, especado no meio de um parque de estacionamento com resmas de compras ansiosas por serem enfiadas num frigorífico e uma porta do carro que teimava em não fechar. O problema não era do fecho… era a porta que não passava mesmo da posição de toda aberta. Como as galdérias. Nem dava para ir para casa com um cordel a segurar a porta, porque ficaria sem ela num poste qualquer, de certeza. É nestes momentos que um gajo vê mil e um pensamentos a passar pela mente. Num deles, penso que o 847º, via-me a solucionar o problema de forma poética: grunhia que nem um javali irritado por estar a ser molestado sexualmente por um urso chamado Artur, espumava como se estivesse a lavar os dentes com cardos, pegava na porta com muita virilidade, arrancava-a e atirava-a para o meio da linha do comboio, a dez metros dali, bufando de triunfo. Uma solução eficaz, note-se, pois podia voltar descansado para casa. Ainda deitei mãos à porta e estive a pontos de perder as estribeiras e enfiar-lhe um biqueiro ou dois para ir ao sítio. Mas contive-me a tempo. Foi por pouco. Respirei fundo e, com gentileza e carinho, fui abanando suavemente a porta, assim como quem embala um bebé. Não resultou. Agarrei na dobradiça, já mais chateado do que devia, e dei uns safanões, assim como quem agarra pelas goelas um fulano que nos tentou roubar a carteira. Mais uns abanos daqui, umas carvalhadas dali, um ranger de dentes, e, milagre, a porta foi ao sítio. Olhei-a intensamente, já fechada, a perguntar-me a mim mesmo se valia a pena enfiar-lhe um chuto e meter a chapa toda a dentro para depois pagar uns cem contos ao bate-chapas. Mas a razão falou mais alto. No dia seguinte fui à oficina e paguei apenas cinquenta e cinco euros para soldarem a estúpida da dobradiça. Bom, a noite trouxe-me a continuação do dia. Seguindo os sábios conselhos da minha maior fã, optei por preparar a sobremesa de véspera. “Natas do Céu”, esse poderoso doce. Não tem nada de especial, mas cai muito bem no estômago. A receita é simples, mas nunca me lembro. Só sei que há natas para bater, idem para as claras de ovos, misturam-se as duas com açúcar, dispõem-se em camadas entremeadas com bolachas Maria desfeitas em pó, e termina-se com uma camada de uma mistela parecida com ovos moles. Bonito, não é? E muito simples. Acontece que, só passados uns cinco minutos de ter começado a desfazer as bolachas e já ter a cozinha toda invadida por nacos de bolacha, é que me lembrei que havia uma técnica para evitar aquele incómodo. Os ovos não foram muito compreensíveis comigo. Depois de décadas a partir ovos habilmente, separando gemas de claras e vice-versa, dei comigo a esborrachar os ovos na borda da tigela, a murmurar “ai ai ai o caraças” e a tentar evitar que a coisa se transformasse num mix de cascas partidas, claras e gemas, espalhados artisticamente na banca da cozinha. Mas, o artista é um bom artista, e acabei por conseguir a separação devida, apesar de ter andado a pescar pedaços de casca na tigela das claras e na tigela das gemas. Finda a aventura, e quando já estava quase a parar de resmungar com o azar desse dia, os resmungos dobraram de intensidade depois de quase meia hora de batedeira em punho em cima das claras dos ovos, as tais que deveriam ficar em castelo, como sempre fiz desde pequeno. O resultado estava a ser uma nojeira com aspecto de urina de galinha. Consternado, saí da cozinha e fui ao MSN perguntar à tal fã que me tinha dado o sábio conselho, qual seria o problema. Ela foi muito esclarecedora, informando-me que tinha colegas que não conseguiam bater as claras quando estavam com a menstruação. Fiquei sem palavras. Tentei as alternativas todas, desde a possibilidade de eu, macho e viril, ter repentinamente adquirido a espectacular e invejável capacidade de me menstruar, até ao vudu ou algum tipo de ligação telepática com uma apaixonada que estivesse naquela altura do mês. Esta última encaixava, o que representava uma explicação fantástica para um fenómeno não menos fantástico. A minha fã, graciosamente, arrancou-me a estas divagações e sugeriu-me o congelador como solução, assentando no pressuposto teórico de que natas frias proporcionavam mais castelos. Assim fiz, mas, para gáudio de alguém que me quer muito mal, as claras ficaram exactamente na mesma, ou ainda piores, depois de meia hora no congelador e mais quinze minutos de tortura na batedeira. Assim ficaram e assim foram directamente pelo cano. Fase seguinte: natas. Já precavido, trouxe-as para a tortura já muito arrefecidas. Mesmo assim, não correu nada bem. Por alguns momentos, pensei que seria do jeito que dava à batedeira, pelo que experimentei novas posições, como se a arte de bater natas fosse como o sexo. As natas continuaram na mesma, mas consegui encher metade da cozinha com salpicos de nata, desde o chão até às portas dos armários. Para algumas pessoas, isto é arte, mas eu não sou desses, felizmente. Por fim, faltava a mistela parecida com ovos moles, a qual tem um procedimento mais cuidadoso, ao qual não liguei a mínima importância. Limitei-me a atirar água, açúcar e gemas para dentro de uma panela a ferver e vir teclar para o MSN. Ficou uma nojeira. Ainda está ali no frigorífico, à espera de um destino pouco honroso. Era dia treze, mais palavras para quê?... pickwick
16
Jul06

Arrastão no Piódão

riverfl0w
Isto parece uma notícia do “24 horas”, mas não é. Passo a explicar. Depois de uma jantarada na sexta-feira aqui em casa, onde foi providenciado um manjar abundante à base daquelas coisas que fazem muito bem à saúde, o sábado despertou-nos para uma viagem até ao Piódão, essa bela e rústica aldeia na Serra do Açor, ali mesmo ao lado da Serra da Estrela. O plano era deixar lá o carro e fazermo-nos aos montes e vales, de mochila às costas, para flagelarmos estes corpos pecaminosos através de uma actividade na natureza. Coisa bonita, note-se. Éramos cinco jovens (embora uns mais jovens que outros) cheios de boas intenções. Acontece que a natureza não esteve com meias medidas, no dia de sexta-feira e decidiu castigar a zona do Piódão de forma implacável. Começámos a topar que alguma coisa não estava bem quando, circulando por uma das estradas de acesso à aldeia, apareciam vistosos vestígios de derrocadas. Isto é, calhaus, terra e nacos de alcatrão do tamanho da cabeça de um boi, tudo espalhado pela estrada. Ao princípio, ainda nos armámos aos cágados, como se andássemos nalguma picada em África e tal, todos fora do carro a tirar calhaus e alcatrão do meio da estrada, para o carro passar devagarinho. Muito giro. Até a coisa ser tanta que até para um jipe ficava feio. Voltámos para trás, apanhámos outra estrada de acesso e, a pouca distância da aldeia, novos vestígios do mau humor da natureza. Nas curvas da estrada alcatroada faltava, literalmente, metade da estrada, roubada à força de derrocadas por muita água e muita pedra. Passar numa curva em que se nota que só resta um bocado de alcatrão suspenso no ar, sem base de sustentação, é divertidíssimo, especialmente num carro cheio de gajos bem alimentados. Mas, pronto, o alcatrão devia de ser de uma boa colheita, do tempo em que o alcatrão era para homens, nada destas modernices que metem hoje em dia nas estradas. Chegados à bela da aldeia, agentes da GNR impediam que curiosos se aproximassem do centro nos seus automóveis pimpões. Só a pé. E a pé fomos. Bem, a coisa pode resumir-se da seguinte forma: algures em direcção à nascente da ribeira que passa na aldeia, algo não resistiu ao charme de uma potente chuvada na tarde de sexta-feira; em três tempos uma ribeira cheia e energética transformou-se num monstro de lama, calhaus enormes e muita água, lançados vertiginosamente por aí abaixo, arrastando tudo à frente. Assim de mais impressionante, foi arrastado um parque de estacionamento, os carros lá parqueados e um turista. Obviamente que, tudo o resto que houvesse, foi na onda, por aí abaixo, desde tractores a pontes. Equipas de salvamento com cães, escavadoras, bombeiros, GNR, políticos, invadiram a aldeia. Segundo relatos, apareceram pedaços de carros numa aldeia mais abaixo, onde passa a mesma ribeira, a cerca de dezasseis quilómetros! O parque de estacionamento que foi levado à frente, era o mesmo onde pretendíamos deixar o carro. O meu lindo carrinho, com ar condicionado e colete reflector e sobras de guardanapos do McDonalds. Porra! Por um dia não fiquei sem ele. Havia de ser bonito, chegarmos de uma penosa caminhada na serra, todos estoirados pelo peso das garrafas de tinto nas mochilas e os pés mordidos pelos afiados calhaus dos trilhos de pé posto, e vermo-nos apeados a paletes de quilómetros de casa! Eu acho que tinha um colapso logo ali. O meu carrinho, tão lindo, que até tem um guarda-chuva na bagageira e faz “nhinhi” quando meto o pé no travão. Carago! pickwick
10
Jul06

A verdade e a mentira

riverfl0w
Parece o nome de um filme com actores musculados e encardidos e actrizes de cabelo oxigenado e lábio inchado à pressão, mas não é. A verdade e a mentira aconteceu hoje, já perto da hora do almoço, quando fui a um dos supermercados cá da terra abastecer-me devidamente para proporcionar um almoço romântico a dois na estranha cozinha do meu apartamento. Depois de alguns passos vigorosos entre o carro e a entrada, esbarrei-me com uma mãe de filhos e respectivo marido. Eu temo insistir muito nisto, mas, francamente, há gente que não devia casar-se, ter filhos e, muito menos sair de casa. Esta senhora tinha uma aparência aparentemente normal, para quem é mãe, assim do tipo bola de Berlim, vestido à sopeira e cambalear pesado. Olha uma mãe, pensei eu, a poucos metros de me cruzar com ela, que, por sua vez, estava a três passos do resto da família e do respectivo carro. Tudo corria bem, até ao momento em que a mãe abriu a boca para falar para a família e sorrir. Valha-me Deus! Eu já tinha visto umas coisas parecidas na net, mas nunca ao vivo, e nunca tão medonho! A senhora, coitada, tinha um pavão dentário dentro da boca! Uma coisa descomunal e horripilante! De ambas as mandíbulas saltavam dentes com cerca de 8 cm, cada um disparado em sua direcção, quase como a cauda de um pavão, só que com as penas desorientadas. Tipo filme de terror! Quase como o “Eduardo Mãos de Tesoura”, mas adaptado para as mandíbulas, com as tesouras transformadas em dentes. Não é humano! Nestes momentos, que acabam por ser demasiado frequentes, não consigo evitar perguntar-me a mim mesmo que raio de homem é que se casa com um par de mandíbulas tão medonhas?! Deve aproveitar os sacos do InterMarché para qualquer coisinha, lá naqueles momentos mais íntimos, quase que aposto. Um verdadeiro camafeu, aquela mulher! Entrei no supermercado meio atordoado pelo choque estético e fui encher o cesto. Nisto, surge no supermercado uma jovem mulher, dos seus vinte e poucos anos, alta, esbelta, formas exemplares, vestido clássico todo preto, saia solta, sapato alto a condizer, óculos, cabelo claro, costas direitas, caminhar firme e hirto, sorriso a cumprimentar as funcionárias, cesto em riste, enfim. Ia eu para pensar comigo como esta terra está a mudar, que já não tem só camafeus com tesouras a sair das mandíbulas e feiosas com bigode enrolado, e tal, quando reparo mesmo na moçoila. Ora, afinal, era a miúda (com o devido respeito, que já deve ser licenciada) que atura as criancinhas mais parvinhas ali no centro de explicações. Olhei com mais atenção, especialmente do pescoço para baixo. Aquilo… era uma fraude! Assim, de preto, vestida daquela maneira, é compreensível que faça virar todas as cabeças masculinas nos arredores, mas eu sei que é uma fraude, uma mentira. Ela tem andado a fazer dieta, de certeza, só pode, porque é rechonchuda e abonada da bunda por natureza, a atirar para o disforme, até, retirando-lhe qualquer atributo perto da elegância. Além da possibilidade da dieta, podia estar a usar um colete-de-forças, estilo corpete medieval, com aquelas cuecas cor bege que fazem gangrenas nas nádegas de tanto apertarem a bunda. Enquanto passeava o meu cesto em busca de petiscos para o tal almoço, lá me fui entretendo com os meus botões, divagando sobre o triste que acabar por ser caçado por aquela mulher, fascinado pelo vestido preto e o aspecto intelectual, e que só mais tarde dará conta que, afinal, a gordura abunda naquelas partes do corpo onde mais gostamos de assentar as manápulas. Viverá momentos felizes enquanto continuar a ser enganado por aquela mentira. Coitado. Com um sentimento de pena, regressei a casa para preparar o tal almoço romântico. Pousei os olhos na deusa de lingerie azul sentada na minha sala, sorrindo com a minha chegada. Devorei, com os olhos, a elegância debaixo da lingerie e o que sobrava a descoberto. Sorri, deliciando-me com um pensamento: esta é verdadeira e não engana! Sou um gajo com sorte, carago! pickwick
30
Mai06

Dez coisas que hoje me irritaram profundamente

riverfl0w
A ouvir, na voz de João Vaz

O meu blog dava um programa de rádio - Rádio Comercial

 

06h28 - Levantar-me da cama, mesmo depois de ter feito uma maratona nocturna para acabar "A Conspiração" de Dan Brown (o livro acaba com Rachel Sexton e Michael Tolland a darem uma queca).
08h04 - 10h27 - Não ter adormecido no comboio. Acabei por assistir, impotente, a um programa do Eládio Clímaco e da Isabel Angelino durante a maior parte da viagem.
10h30 - Não existirem autocarros em Aveiro entre a estação e a Universidade das 10h25 ao às 11h54, apesar de nas restantes horas haver um de meia em meia hora.
10h31 - 10h42 - O taxista fungar e pigarrear incessantemente ao longo de toda a viagem, e não fazer o desconto de 0,05€ que todos os outros fazem aos estudantes.
15h40 - 15h42 - Achar que estava a gravar o início da entrevista com uma professora do Departamento, e ter sido ela a reparar que o maldito gravador estava desligado.
16h23 - 16h35 - Não ter conseguido arrancar mais do que vários "Não quero" e um "Cala-te!" ao tentar entrevistar um miúdo portador de Trissomia 21, apesar de ele fazer questão de andar de mão dada comigo por todo o campus universitário.
18h41 - 20h12 - Ter-me disponiblizado para ajudar uma colega a programar em ActionScript, e uma hora e meia depois não termos conseguido resolver sequer a primeira alínea do exercício.
20h23 - 21h19 - Ter gasto 1€ em Virtua Tennis 2002, apesar de só me sobrarem 8,23€ até ao fim do mês.
22h03 - Ter-me engasgado com uma rodela de chouriço do caldo verde.
22h22 - ... - Estar a arranjar desculpas mentais para não estudar para o exame de amanhã (este post está definitivamente incluído neste ponto...). riverfl0w
17
Mai06

Contadores de Anedotas

riverfl0w
A ouvir, na voz de João Vaz

O meu blog dava um programa de rádio - Rádio Comercial

 

A Beatriz, uma pirralha de 11-12 anos, obrigou-me a fazer uma pausa para contar uma anedota nova. Entre enormes sorrisos e uns pulos histéricos, lá foi contando a anedota, que eram mais um enigma do que uma anedota, mas ela ria-se por todos os cantos e insistia que era uma anedota. Pronto. Então, eu estava dentro de uma casa com quatro paredes e uma janela em cada parede. Do lado de fora de cada janela havia animais ferozes: numa, eram 50 leões, noutra 30 “trigues”, outra 100 crocodilos e finalmente mais 10 jibóias na última. Por qual das 4 portas eu sairia? É que não ia querer ser comido, pois não? Portas?, perguntei eu. As minhas propostas de escavar um buraco no chão ou sair ejectado pelo telhado levaram a miúda a refazer a estória toda, sendo os “trigues” sido promovidos a tigres, por via da redução do seu número para 20. As jibóias passaram a ser 100 e os crocodilos transformaram-se em 20 tubarões num rio. Bom. Por fim, pensei qual dos animais poderia ser mais lento e optei pelas jibóias. E acertei! Fantástico. A Beatriz ficou frustrada por eu ter acertado, mas, ainda assim, fez questão de explicar a anedota: é que a melhor opção eram as jibóias porque eram 100… mas não 100 de cem, mas sim 100 de sem, ou seja, sem jibóias e tal… eu fiquei a olhar para ela a pensar se havia de me rir para ela ficar contente, ou continuar com cara de quem comeu arroz de grelos. A Beatriz, caso não saibam, é fã louca dos D’Zrt, dos Morangos com Açúcar e de outro lixo cultural do mesmo calibre. E quer começar desde já uma carreira de modelo. Bom, há gente que devia ser proibida de contar anedotas. Outros, deviam ser proibidos de escutá-las. Destes, lembro-me perfeitamente do Eduardo, já lá vão quase vinte anos. O Eduardo, estudante do 1º ano do curso de professor primário, era um fulano ali da zona da Bairrada, extremamente limitado intelectualmente, mas asseadinho. Tão asseadinho, que ficou famosa a baldada que atirou pela janela do sótão onde vivia comigo e com o Jorge. Baldada de água que usou previamente para lavar os pés fungosos e fedorentos, e que aterrou tragicamente em cima de um transeunte que circulava pacificamente naquela descida que existe junto ao Fórum Aveiro. O Eduardo era um tipo muito concentrado. Em época de estudo intenso, o mínimo ruído era pior que pratos partidos. O Eduardo estudava matemática pelos livros do 9º ano e nós devorávamos manuais de análise matemática de autores russos. Quando o Jorge virava a folha de um livro, o Eduardo quase saltava da cadeira, muitíssimo incomodado. Música no ar, então, nem pensar. E logo connosco, que tanto gostávamos de ter a música ambiente para um estudo mais rentável. Certa noite, após uma intensa sessão de estudo e de umas imperiais no Inhangá (esse mítico bar), o Jorge resolveu contar umas anedotas. Aqui está um rapaz que é um exímio contador de anedotas. Ora, nessa noite, optou por contar “apenas” anedotas do elefante e da formiga. Resmas delas. Não me lembro de quase nenhuma. Só daquela da savana. Eu conto. Num belo dia, na savana, apareceu ao longe um elefante e tal, aos saltinhos ligeiros como se andasse a saltitar num lago de nenúfar em nenúfar. Pelo caminho, atropelou uma multidão de formigas, junto à entrada do formigueiro. No dia seguinte, e nos demais, o elefante repetiu o passeio, ficando-lhe novamente o formigueiro no meio do caminho, produzindo grandes matanças diárias. A tal ponto, que as formigas resolveram revoltar-se e traçaram um plano maquiavélico para eliminar o elefante. Assim, um belo dia, puseram-se todas à espera do elefante, em formação de ataque. O “tum-tum” das saltitadelas do bicho eram impressionantes, mas elas não desarmaram. Quando o elefante ficou ao alcance, uma delas gritou “Agora!” e todas as formigas saltaram para cima do elefante. Este, pressentindo qualquer coisinha em cima da espessa pele, parou e sacudiu-se, atirando para longe as formigas que tinham acabado de saltar-lhe para cima. Todas, menos uma, que resistiu e ficou em cima dele. A esta, todas as outras bradaram lá do chão, em coro: “Esmaga! Esmaga! Esmaga!”... Pronto, contado por ele era de morrer a rir. E quando ele decidiu parar, já me doía tanto a barriga que não aguentava mais nenhuma anedota do elefante e da formiga. Eu ainda não tinha reparado, mas as únicas gargalhadas que se ouviam no sótão eram as minhas e as do Jorge. Os segundos que se seguiram à acalmia, foram cortados pelo comentário do Eduardo, muito sério: “eu não sei que piada acham a essas anedotas… ainda se fossem de alentejanos…“ O próprio Eduardo passou a ser uma anedota, em si próprio, daí em diante. Mudou-se para outra casa ao fim de um ou dois meses, mas ficou-nos para sempre na memória, pelas anedotas, pelas folhas dos livros, pela água de lavar os pés, etc. Cada vez que havia ajuntamento para sessões de anedotas, a figura do Eduardo acabava sempre por aparecer pelo meio, para grande risota geral dos que nunca o conheceram. Mas há mais. A Isabel, por exemplo, não entendia as piadas acima das básicas sobre alentejanos. Qualquer coisinha mais subtil, mas negra, passava ao lado, e a mocinha acabava por se rir sozinha, minutos depois, pela piada que achava de não perceber a piada acabada de contar… E, note-se, a Isabel era uma aluna com notas de 18 valores! Enfim, é como digo: se há gajos que deviam ser proibidos de contar anedotas, outros deviam ser proibidos de as ouvir. É como dar música clássica a um carroceiro! pickwick
10
Mai06

Memory Stick Failure

riverfl0w
Ou a doença de Alzheimer. Que eu ainda não tenho. Espero. O certo é que desde há já largos anos que venho a ser atacado por momentos de profundas falhas no sistema de memória deste emaranhado de teias de aranha e cacos de porcelana reles que formam o meu cérebro. O mais chocante de que me lembro foi em 1997. Na véspera do meu aniversário, cuja data não vem ao caso, disse para comigo: amanhã fazes anos, que giro, estás mesmo a ficar velho. No dia seguinte, dia do meu aniversário, fui trabalhar, como todos os dias, e nunca mais me lembrei de que fazia anos. Como tinha o privilégio de trabalhar num gabinete e de ninguém num raio de 400 km saber o dia do meu aniversário, nunca fui chamado à atenção para o facto. Nunca, até que tocou o telefone. Era o Rui, 700 km mais a norte, a dar-me os parabéns. Espantado, exclamei: Parabéns?! E enquanto metíamos a conversa em dia tentava puxar pela cabeça para perceber a que propósito ele me tinha dado os parabéns. Teria ganho algum concurso, algum prémio? Teria feito alguma proeza fantástica, sem saber? Teria salvo algum gato enfezado do cimo de uma árvore? Bom, a conversa durou longos minutos, muito longos, porque o Rui trabalhava na empresa da rede 91 e podia telefonar à vontade que no final o saldo bancário nem mexia. Quando nos despedíamos, o Rui voltou a reiterar os parabéns e foi aí que, finalmente, se fez luz! Grunhi um “aiiii” e bati com força na testa e ainda ia para lhe explicar que só agora tinha percebido que os parabéns ela pelo meu aniversário, mas, felizmente, desligou o telefone e a minha reputação não desceu ainda mais. Não tão fortes, outras falhas de memória têm ocorrido durante os anos. As mais comuns, ora com mais, ora com menos intensidade, são as portas para fechar, especialmente as que foram fechadas mas que fico na dúvida e volto atrás para verificar e passados uns minutos esqueço-me se já verifiquei se me tinha esquecido e volto novamente atrás para confirmar e se for preciso ainda volto a parar para pensar novamente no assunto. A coisa tem corrido ligeiramente melhor desde que comprei um Nokia reles, o mais barato da loja, equipado com um fantástico gestor de lembretes. Um gajo não tem uma secretária loira de mini-saia mas tem um telemóvel com lembretes, que é quase a mesma coisa e pode apalpar-se sem levar dois pares de estalos ou ser-se arrastado selvaticamente para debaixo de um vão de escada. A mais recente crónica sobre as minhas falhas de memória decorre dos regulares acidentes naquela divisão da casa cheia de azulejos, frigoríficos e pratos. O saltinho à cozinha para meter água ao lume para fazer chá ou cozer arroz tem levado ao esquecimento crónico de que ficou qualquer coisa ao lume. Qualquer coisa que se evapora e que, ao fim de vários minutos, se transformará numa peça de metal seca a ser esturricada em cima de uma chama viva, sobreaquecida, perdendo irreversivelmente qualidades. Já aconteceu com um púcaro de alumínio, deixado ao lume várias horas, o qual, desde então até agora, se amolga à mínima pressão de uns dedos sensíveis (como os meus, por exemplo) ou a passagem mais viril de um pano da loiça. A seguir, veio um tacho, daqueles de fundo não-sei-quê todos sofisticados e inox e ah e tal, deixado ao lume durante várias horas, muitas horas porque tinha muita água, e que acabou todo negro por dentro e com uma cor suspeita por fora. Posteriormente, veio outro púcaro, maior, mais jeitoso, mais caro, abandonado só e sozinho… este teve melhor sorte, porque só deve ter ficado ao lume durante umas dezenas de minutos, safando-se só com umas cores pirosas e umas manchas denunciadoras. Não querendo acabar com o resto do trem de cozinha aqui de casa, desenvolvi uma sofisticadíssima técnica para evitar a continuidade destes percalços, técnica essa que está em aplicação neste preciso momento, enquanto digito estas linhas e tenho água ao lume para um cházinho. A técnica consiste em sair da cozinha com uma pega nos dentes. A pega, como os mais entendidos sabem, é aquele objecto de pano ou renda que se usa para pegar num tacho ou púcaro a escaldar. Assim, venho sentar-me em frente do computador, ou ali na mesa, com a pega nos dentes, para garantir que ao fim de alguns minutos irei questionar-me por que raio estarei com uma coisa daquelas nos dentes e, aí, chegarei à conclusão de que tenho algo ao lume. Brilhante, não é? pickwick
08
Mai06

A tripa cagueira

riverfl0w
Eu sei, eu sei... estamos na Primavera, está um tempo tão lindo e há tantas coisas bonitas sobre que escrever... Mas a verdade é que a minha tripa está revoltada com qualquer coisa e então resolvi dedicar-lhe umas linhas. É como aqueles gajos incas que iam para cima duns penedos abanar não sei o quê e cantar umas coisas e chamar pelo Sol e ah e tal e as culturas de arroz e as lamas e as escadas e não sei mais quê. Pois, não sou muito letrado em cultura inca, mas o que interessa mesmo é a intenção. A deles e a minha. A deles era não sei o quê, ah e tal, mas a minha é interceder junto dos meus intestinos para que parem de fazer birra e arreganhar a dentola. Rapidamente. A tripa cagueira sempre foi uma coisa que me fascinou. As gajas jeitosas também, mas há algo de misterioso na tripa que me espevita a imaginação. Isto resolvia-se bem se eu fosse um Homem de grandes "Lycopersicon esculentum", tirava dali da gaveta da cozinha o facalhão de cortar fatias de chouriça assada em álcool (é uma faca normal, mas foi só uma desculpa para falar nesse belo petisco português) e abria aqui a zona do umbigo, só para ver como era. Só por curiosidade, nada daquelas mariquices japonesas com gritos histéricos e paninhos brancos. A bem dizer, até dava jeito, porque uma coisa que sempre desejei foi pegar na tripa com as mãos, desde o princípio, e começar a espremê-la para sair todinho, como se fazem às tripas dos porcos para depois se lavar e fazer chouriças (sim, esses belos petiscos). Esta técnica, digo eu, bateria aos pontos aquela cena muito gay de enfiar um tubo entre as nádegas e não sei o quê do clister. Clister, como todos sabem, era uma ordem militar portuguesa da altura dos descobrimentos, em que a malta andava de espada à cintura e túnicas cor de azeitona a gritar não sei o quê que já não me lembro. Uns parvalhões, mas enfim, coisas da época. Bem, depois, convenhamos, pegar na tripa também pode servir para a massajar. Toda a gente sabe o bem que faz massajar o corpo. Eu bem que tento deitar-me de barriga em cima do encosto da cadeira, mas a coisa não se adapta muito. Os fabricantes nunca pensaram muito nesta utilidade da cadeira e por isso nunca desenvolveram encostos a condizer com a zona do umbigo. Uns tansos, é o que é! Não percebem nada de negócio. Ora bem, depois de esvaziar a tripa, massajá-la, eventualmente untá-la com massa de mecânico (para deslizar bem), seria necessário fechar a abertura. Agora a medicina está muito evoluída e tal, agrafos e não sei mais o quê, mas continuo a achar que o método do João Rabão (o célebre herói gadelhudo que grunhia mais do que falava e batia em tudo e em todos e gastava resmas de munições e andava sempre com os braços abertos a fazer de asas de pato) ainda é o melhor método. Portanto, passando a descrever: deita-se pólvora na abertura, chega-se-lhe o fogo, faz “sssshhhhhh”, luz, grita-se (ou não, já não me lembro, mas pode gemer-se, em alternativa, que também fica bem), depois tira-se uma agulha de dentro do cabo do facalhão de matar javalis, uma linha não sei de onde que não me lembro, e costura-se tudo. Pronto, fica a coisa prontinha como nova, imaculada, até à próxima necessidade. A questão da pólvora é muito importante, porque ajuda a colar mais depressa as bordas da abertura na barriga. Ok, agora, o problema, é que eu, sinceramente, não tenho coragem para fazer isto. Eu sou uma pessoa sensível e tenho a noção que meter as tripas cá de fora dará origem a um cheiro nauseabundo, insuportável, que me provocaria rapidamente enjoos e vómitos compulsivos. Por isso, porque não me apetece vomitar, não o faço. Mas estejam à vontade, quem for menos sensível ao cheiro, para fazer este tratamento à tripa da próxima vez que tiverem problemas, está bem? Depois digam qualquer coisinha, que até somos capazes de fazer um filme. pickwick
13
Abr05

Sonhos

riverfl0w
Eu outro dia tive um sonho: sonhei que tinha sonhado! Acordado! Sonhei acordado que tinha sonhado a dormir. Ora aqui está uma parvoíce completa. Ainda pior que dizer que se come comida. E, porque o mundo é feito de parvoíces e caroços de azeitona, sonhar que se sonha também é uma realidade. Talvez um sinal tímido de que a corda bamba começa a abanar mais do que a conta, que o suave deslizar das águas no ribeiro já se transformou num perigoso turbilhão de espuma, que tem de haver, algures, um botão de stop para carregar que nos devolva ao estado natural das coisas: em que não é preciso sonhar que se tem um sonho, em que o sonho faz parte de nós, como o ovo estrelado faz parte do ovo-a-cavalo. Já perdi a conta aos meses que passaram desde o último sonho a dormir. Sonhar acordado com o regresso dos sonhos a dormir, começa a tornar-se demasiado habitual para ser um estado normal de um ser humano. Ou seja, não é normal. Nós não costumamos ser normais, eu sei, mas façamos de conta que há uma fasquia mínima de requisitos para um certificado de normalidade, acima da qual sonhar é um “must”. Se não se sonha, está-se abaixo da fasquia, logo não se está normal. Não necessariamente anormal, mas certamente não normal. Tipo as mulheres, quando não estão necessariamente estragadas, mas já estão um bocadinho fora do prazo. As coisas pioram quando, para cúmulo, e além de não se ter sonhos a dormir, os sonhos que se têm acordado são em versão do avesso. Como é que um sonho tem uma versão do avesso? Não sei, lembrei-me disto agora mesmo, mas posso tentar traduzir. Assim, um sonho normal pode ter duas formas: a forma boa-fábula, em que o lobo mau come o capuchinho vermelho, ou o João come a Sónia no areal da praia da Ericeira; a forma cabo-das-tormentas, em que o capuchinho vermelho é comido pelo lobo mau, ou o Artur é atropelado por um rinoceronte ao passar em frente de um bar gay. Quando um sonho deixa de ser normal, sonha-se do avesso. Sonhar do avesso, como o próprio nome indica, é como vestir uma camisola do avesso e ficar-se numa embrulhada de gestos ineficientes e patéticos a tentar vesti-la correctamente, mas sem a tirar. Inexplicável, entenda-se. A púcara bate no fundo do poço quando estes sonhos do avesso nem sequer acontecem a dormir. São tidos de olhos bem abertos, esbulhados, a transpirar desespero. A luz ao fundo do túnel já nem faz parte do sonho, já que o túnel não passa de um buraco feito na terra, com o diâmetro mesmo à medida do nosso crânio. Anseio pelo dia em que os sonhos normais e de boas-fábulas regressem aqui, a esta praça. Em que possa sonhar, a dormir ou acordado, com coisas que sei que vão acontecer, mais dia menos semana, pois, para quem não saiba, o maior prazer da vida é sonhar por encomenda: sonhar com alguma coisa que sabemos que vai acontecer, para que o sonho se concretize. É que o mundo já está cheio de gente a sonhar com coisas que nunca vão acontecer, embriagados com revistas pirosas e programas de TV intragáveis. Os infelizes, portanto. Demarquemo-nos! Sonhemos sonhos que se venham a concretizar. É o verdadeiro orgasmo da mente: concretizar um sonho! Entretanto, enquanto sonho com o dia ou a noite em que volte a sonhar a sério, vou sonhando com a dramática tarefa de virar a camisola sem a tirar. Na ingénua esperança de que este seja mais um sonho que se venha a concretizar. pickwick
04
Jan05

Nostalgia, talvez

riverfl0w

Hoje era urgente vir aqui. Dei por mim a duzentos e muitos quilómetros de onde sempre vivi, fechado num quarto a ler na diagonal o que os outros escreveram sobre a arte do século XX. Reparei que mal conheço as pessoas com quem vivo há quatro meses... reparei que talvez tenha criado laços mais fortes com os dois franceses e as duas polacas que a minha família acolheu nos últimos cinco dias, mesmo falando um francês mal amanhado. Aprendi que na Polónia não há laranjeiras, que a Torre Eiffel tem 360 metros, que se vê a uma distância de sete quilómetros, e que "Doubránotz" quer dizer "Boa Noite". São trivialidades, talvez. Mas não serão estes pequenos momentos que dão sabor à vida?

Reparei que mal sei os nomes dos meus colegas de curso. Uma delas competiu comigo num dos campeonatos de natação, há uns anos. Aquele nome não me era estranho, eu sabia. Cruzámo-nos algumas vezes na câmara de chamada. Veio-me à memória aquele cheio intenso a cloro, que antes das provas me dava sempre a volta ao estômago... o ajeitar frenético dos óculos, os músculos retesados à espera do sinal de partida.
Vasculhei nos motores de busca à procura desses tempos... ei-los! Míudos de catorze anos na piscina, de sorriso rasgado. Não foi há muitos anos que era eu quem estava ali... sonhava em ser campeão nacional, em ser apurado para os campeonatos da Alemanha, muito mais.

Hoje estou aqui, longe, e noto que que pouco tenho dessa época. Uma ou duas fotos, perdidas no tempo, alguns telefones que nunca mais foram marcados.
Hoje já não quero ser campeão nacional. Quero ir a São Tomé e Príncipe, a Taizé, escrever artigos para a revista, tirar a carta, ser titular da equipa de FutSal... e quem sabe ser jornalista, produtor multimédia, o tempo o dirá. E é por isso que tenho apontamentos sobre Les Fauves, Débussy, Schönberg, Bahaus, Breton, Entartete Kunst pousados na secretária.
Mas acima de tudo, quero falar mais, conhecer mais, viver mais. Cada momento como se fosse o último. Doubránotz. riverfl0w