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Pouco tempo depois de o ex-patrão ter sido nomeado sub-patrão, ou seja, assim lá para o início deste Verão, resolveu trocar de carro. Despachou o seu Land Rover Discovery, muito prático para quem vive numa zona rural nas fraldas da Serra da Estrela, à troca por um Volkswagen Passat, último modelo, em segunda mão, todo artilhado com as mariquices possíveis e inúteis que se podem arranjar. Faz um vistaço! Pronto, foi uma oportunidade única de negócio, blá, blá, blá, trinta mil euros.
Daqui a cerca de quinze dias vou tomar posse como vice-patrão da modesta instituição para a qual trabalho. Se não morrer atropelado até lá. É bonito ser-se vice-patrão. Pelo menos, parece. Vou ter um gabinete grande, o qual partilharei alegremente com duas vice-patroas e o patrão. Já agora, algumas palavrinhas sobre o patrão: chama-se Zé, o que é muito dignificante, tem um Land Rover e uma VW Passat, um casarão, uma filha podre de boa que por acaso estuda Medicina e mesmo assim continua podre de boa, outra filha que nem por isso, e, basicamente, é um poço de honestidade e bondade. E porque fica sempre bem, deixo umas palavrinhas sobre as duas vice-patroas: a M1 tem alguns cabelos brancos, um peito muito favorecido e abastado, uma simpatia transbordante, um sorriso bonito e muita serenidade; a M2 tem… bem, não me lembro de lhe ver qualquer tipo de esboço de elevação no tórax, mas, pormenores técnicos à parte, é vegetariana, faz caminhadas pelas serras, e tem o rosto um pouco deformado por algum lamentável acidente do passado. O processo para a minha pessoa se ver envolvida nestes assados foi curto e brutal, pelo que posso facilmente descrevê-lo. Ou não. Bem, tudo começou com a convocação para eleições para o patronato, resultante do final de mandato da equipa do ainda patrão e das suas três vice-patroas. Uma destas vice-patroas, devo confessar, perfuma o ambiente quando circula, graças às suas elegantes formas, mas isso agora não interessa. Acontece que o ainda patrão perfaz mais de década e meia nessa função, de onde nunca saiu, por via da ausência de listas candidatas que se lhe opusessem. Ao que consta, e segundo as histórias que circulam desde a fronteira com Espanha até à Ria de Aveiro, o patrão é patrão há tanto tempo, porque desde sempre impôs nos seus súbditos um clima de medo, terror e opressão, usando e abusando de agressividade verbal e frequentes más disposições, perseguindo opositores e discordantes, blá blá blá. A fama não é das melhores: esquizofrénico e maluco são as qualificações que lhe são atribuídas com mais frequência. Adora fazer os funcionários tremer e chorar baba e ranho como resposta aos impiedosos berros e à pouco melodiosa sonoridade do seu vozeirão. A norte da Serra da Estrela, é conhecido como o “último dinossauro”. Enfim, coisas assim. Com o advento das eleições à porta, mais histórias surgiram, cada uma pior que a outra, incendiando os ânimos por todo o lado. Quando dei por mim, estava entalado numa lista candidata – a primeira em mais de quinze anos -, para gáudio de dezenas de pessoas que uivavam perante a possibilidade do confronto eleitoral. O Zé é que não estava pelos ajustes. Na véspera do fim do prazo para a lista ser formalmente entregue, fui a casa dele mais as candidatas a vice-patroas e a mandatária da lista (que entretanto perdeu uns quilos, provavelmente para poder ir para a praia e não ferir sensibilidades), com o intuito de preparar a papelada para formalizar o acto. O Zé, esse, coitado, ora batia com a cabeça na mesa, ora batia com a cabeça na parede, ora choramingava… “mas eu não quero…”; entretanto, vieram umas cervejolas para a mesa, tomei a palavra e discursei bem e bonito, resumindo tudo a questões racionais e claras, sem “se’s” nem fraldas por lavar. Depois de mais de uma hora a debitar argumentos imbatíveis (modéstia à parte), o Zé cedeu, foi buscar o computador, e lá se fizeram os documentos. Entretanto a filha podre de boa apareceu duas ou três vezes na sala, ah e tal, o que muito ajudou a “desanuviar o ambiente”. Enfim, mas isso já foi há umas semanas atrás. O que interessa mesmo é o futuro que aí vem. Um futuro risonho, feito de iniciativas inéditas e medidas inteligentes. Para começar, e não querendo levantar completamente o véu, hoje anunciei já a instalação de uma máquina de tirar finos no bar, a qual deverá ser ladeada por um balde de cinco litros de tremoços. Houve palmas! Agradeci, comovido. No nosso gabinete, serão colocados biombos chineses, com gravuras representando momentos de erotismo oriental, atrás dos quais haverá confortáveis sofás, destinados a receber com privacidade as colegas de trabalho menores de quarenta e cinco anos que estejam necessitadas de atenção e carinho. Com o louvável intuito de fomentar a qualidade dos serviços prestados, dirigirei um pasquim semanal cuja principal função será avaliar e promover a apresentação e imagem das colegas de trabalho: para além das crónicas e das novidades do mundo da lingerie, haverá concursos de Miss Camisola Seca, Miss Saia Travada, Miss Camisa Desabotoada, Miss Abundância, Miss Decote Discreto, Miss Massagem Erótica, e muitos outros. No âmbito da avaliação profissional das colegas de trabalho, vou sugerir a inclusão de itens originais e motivadores, como sejam a qualidade na produção de arroz doce tradicional caseiro, a disponibilidade nocturna para prolongadas reuniões de trabalho, a ousadia e a originalidade no vestuário de trabalho, a força de vontade pessoal para levar a bom porto rigorosas dietas alimentares e manter bons hábitos de actividade física, a formação em fisioterapia (especialização em massagens), e mais um rol de outras ideias brilhantes que me assaltarão a mente oportunamente. Contudo, apesar de a corrupção bater a todas as portas e o momento actual ser de crise, quero deixar já por escrito que serei inflexivelmente insubornável. A menos que o mecanismo de tentativa de corrupção apele claramente a valores mais altos… e carnais… pickwick
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