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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

19
Set07

Conversas de cágados ao crepúsculo

pickwick
Sobre a bisexualidade
Xu (nome de código) – “Repara... ser bi é que é! Se só comesses massa, até te esquecias do sabor do arroz. Não há nada como conjugar. Portanto, se experimentares vários sabores, podes saber qual é que gostas mais, ou menos... E, ainda mais, quando tiveres farto de um sabor, trocas por outro. Não ser bi, é como uma gaja tomar a pílula e depois vomitar... não faz efeito, nem é proveitoso como deveria ser”.
Querida Xu,
Ser bi, sendo do sexo feminino, é bom. É agradável, como diria o Miguel. Entre a massa e o arroz, a pílula e o vómito, há o poder de escolher, de alternar, de saciar a fome do dia. É bonito. É a liberdade no seu esplendor. Parece-me bem, desde que sobre para o nosso lado. Contudo, não sei até que ponto a facilidade com que se troca de sabor é benéfica para o equilíbrio individual. Enfim, um assunto a merecer um estudo científico aprofundado. Para um dia destes. Falta-me, como é óbvio, discutir o assunto com uma praticante da modalidade disposta a partilhar as suas convicções e motivações.
 
Sobre a memória
Xua (nome de código, da mesma menina, mas para ninguém topar que é a mesma) – “A memoria é como o queijo, os buracos são necessários. Se a memória fosse toda entrelaçada, sem espacinho... não tinha piada ver um gajo bom (falando por mim) e pensar: Oh, este já eu vi, e tinha aqueles calções, etc., etc. Prefiro morrer na ignorância, do que ver e não querer voltar a ver”.
Querida Xua,
Não tenho objecções a repetir a visualização de algo que nasceu ao mundo para ser observado. A postura não será “oh, esta eu já vi”, mas, sim, “ui, lá está esta boazuda outra vez”. Por outro lado, há situações em que, realmente, é preferível a ignorância à confrontação com algo que nos choca. Basta ver o caso daquela Teresa que apresenta e orienta programas televisivos de pirosice omnipresente, com dentes em forma de ancinho para catar folhas e cabelo pintado de burra. Prefiro não saber que ela existe, do que vê-la novamente.
 
Sobre as minhas colegas
Xue (nome de código, fazendo de conta que é uma outra) – “Então, mas, e as colegas? Fenotipicamente reprovadas? Fenotipicamente, de fenótipo = aparência. Ah pois, há um ditado que diz assim: os homens são como os parques de estacionamento, os bons estão ocupados e os que há livres são para deficientes. O mesmo se aplica às mulheres. Deixa lá, sempre podem ser boas colegas, porque colegas boas já são”.
Querida Xue,
Obrigado por este raro momento de incremento cultural. Quando li a palavra fenotipicamente pela primeira vez, veio-me logo à cabeça uma colega com substanciais problemas hormonais, com sangue de cobra e pêlos de morcego. Afinal, não. E, sim, estão aprovadas, na falta de melhor. Quanto ao ditado, é um ditado muito bonito. Ou seja, as mulheres boas estão ocupadas e as livres são para os deficientes. Será mesmo assim? E as que estão ocupadas mas andam em liberdade? Hum?
 
Sobre as maminhas
Xui (como se depreende, é um nome de código diferente) – “Ups, as minhas devem ser diferentes, não crescem nem deixam de crescer por serem ou não apalpadas”.
Querida Xui,
Não sei que te diga. Pode ser que a teoria se aplique apenas às menores de dezoito anos. Não sei. Merecia um estudo científico, não merecia? Por outro lado, pode ter que ver com a forma e a energia com que são apalpadas. Ou a técnica. Será preciso untar com óleo de coco? Influencia se está lua cheia ou quarto minguante? É um mistério.
 
Sobre a esperança
Xuo (será nome de código, ou verdadeiro?) – “A esperança é sempre a última a morrer e a primeira a matar”.
Querida Xuo,
Permite-me que corrija. A esperança é a penúltima a morrer. A barata é que é a última. E é a segunda a matar. A primeira a matar é, na realidade, a loiraça que tira o biquini na praia, provocando um colapso cardíaco no senhor de setenta e três anos que estava à espreita atrás da duna.
pickwick
14
Ago06

Lexicologia

riverfl0w

Altiloquência, borzeguim, ciclóstomo, desinência, elanguescente, feérico, grácil, hiperónimo, ignífugo, jurisconsulto, lazarento, muar, necear, obnubilar, parvajola, questiúncula, rescender, solilóquio, tataranha, undívago, vulvovaginite, xairel e zaranzar.

Desculpem, mas isto algum dia tinha de ser feito. É preciso memorizar tanta coisa nesta vida e eu ainda me dou ao luxo de ter na cabeça palavrões destes. Como se algum dia viesse a dizer "Atentastes na altiloquência daquele solilóquio sobre a vulvovaginite? Até me sinto a zaranzar de tão obnubilado que estou.". Se alguém as quiser levar para posterior uso, está à vontade. Título incluído. E não, não ando a ler dicionários. riverfl0w

10
Mai06

Memory Stick Failure

riverfl0w
Ou a doença de Alzheimer. Que eu ainda não tenho. Espero. O certo é que desde há já largos anos que venho a ser atacado por momentos de profundas falhas no sistema de memória deste emaranhado de teias de aranha e cacos de porcelana reles que formam o meu cérebro. O mais chocante de que me lembro foi em 1997. Na véspera do meu aniversário, cuja data não vem ao caso, disse para comigo: amanhã fazes anos, que giro, estás mesmo a ficar velho. No dia seguinte, dia do meu aniversário, fui trabalhar, como todos os dias, e nunca mais me lembrei de que fazia anos. Como tinha o privilégio de trabalhar num gabinete e de ninguém num raio de 400 km saber o dia do meu aniversário, nunca fui chamado à atenção para o facto. Nunca, até que tocou o telefone. Era o Rui, 700 km mais a norte, a dar-me os parabéns. Espantado, exclamei: Parabéns?! E enquanto metíamos a conversa em dia tentava puxar pela cabeça para perceber a que propósito ele me tinha dado os parabéns. Teria ganho algum concurso, algum prémio? Teria feito alguma proeza fantástica, sem saber? Teria salvo algum gato enfezado do cimo de uma árvore? Bom, a conversa durou longos minutos, muito longos, porque o Rui trabalhava na empresa da rede 91 e podia telefonar à vontade que no final o saldo bancário nem mexia. Quando nos despedíamos, o Rui voltou a reiterar os parabéns e foi aí que, finalmente, se fez luz! Grunhi um “aiiii” e bati com força na testa e ainda ia para lhe explicar que só agora tinha percebido que os parabéns ela pelo meu aniversário, mas, felizmente, desligou o telefone e a minha reputação não desceu ainda mais. Não tão fortes, outras falhas de memória têm ocorrido durante os anos. As mais comuns, ora com mais, ora com menos intensidade, são as portas para fechar, especialmente as que foram fechadas mas que fico na dúvida e volto atrás para verificar e passados uns minutos esqueço-me se já verifiquei se me tinha esquecido e volto novamente atrás para confirmar e se for preciso ainda volto a parar para pensar novamente no assunto. A coisa tem corrido ligeiramente melhor desde que comprei um Nokia reles, o mais barato da loja, equipado com um fantástico gestor de lembretes. Um gajo não tem uma secretária loira de mini-saia mas tem um telemóvel com lembretes, que é quase a mesma coisa e pode apalpar-se sem levar dois pares de estalos ou ser-se arrastado selvaticamente para debaixo de um vão de escada. A mais recente crónica sobre as minhas falhas de memória decorre dos regulares acidentes naquela divisão da casa cheia de azulejos, frigoríficos e pratos. O saltinho à cozinha para meter água ao lume para fazer chá ou cozer arroz tem levado ao esquecimento crónico de que ficou qualquer coisa ao lume. Qualquer coisa que se evapora e que, ao fim de vários minutos, se transformará numa peça de metal seca a ser esturricada em cima de uma chama viva, sobreaquecida, perdendo irreversivelmente qualidades. Já aconteceu com um púcaro de alumínio, deixado ao lume várias horas, o qual, desde então até agora, se amolga à mínima pressão de uns dedos sensíveis (como os meus, por exemplo) ou a passagem mais viril de um pano da loiça. A seguir, veio um tacho, daqueles de fundo não-sei-quê todos sofisticados e inox e ah e tal, deixado ao lume durante várias horas, muitas horas porque tinha muita água, e que acabou todo negro por dentro e com uma cor suspeita por fora. Posteriormente, veio outro púcaro, maior, mais jeitoso, mais caro, abandonado só e sozinho… este teve melhor sorte, porque só deve ter ficado ao lume durante umas dezenas de minutos, safando-se só com umas cores pirosas e umas manchas denunciadoras. Não querendo acabar com o resto do trem de cozinha aqui de casa, desenvolvi uma sofisticadíssima técnica para evitar a continuidade destes percalços, técnica essa que está em aplicação neste preciso momento, enquanto digito estas linhas e tenho água ao lume para um cházinho. A técnica consiste em sair da cozinha com uma pega nos dentes. A pega, como os mais entendidos sabem, é aquele objecto de pano ou renda que se usa para pegar num tacho ou púcaro a escaldar. Assim, venho sentar-me em frente do computador, ou ali na mesa, com a pega nos dentes, para garantir que ao fim de alguns minutos irei questionar-me por que raio estarei com uma coisa daquelas nos dentes e, aí, chegarei à conclusão de que tenho algo ao lume. Brilhante, não é? pickwick