A cor do primeiro encontro
Ao fim de longos meses de espera, de anseio, de lábios mordidos, de talvezes, de qualquer-dias, a Liliana viu-se a braços com o facto de ter três dias para escolher a roupa para o seu primeiro encontro com o Mateus. Naturalmente, recorreu ao meu aconselhamento técnico, dadas as minhas excepcionais capacidades para debitar baboseiras sobre vestuário feminino.
A primeira coisa que me veio ao pensamento, foi o meu primeiro encontro com uma mocinha, lá para o ano de 1985. Era uma rapariga engraçadinha, que me enchia as medidas, com uns lábios imprevisivelmente carnudos naquelas feições orientais. Uma mulher, é sempre uma mulher, seja chinesa, como ela, ou nem por isso, com as mesmas expectativas, preocupações e anseios. Acontece que a rapariga deve ter procurado aconselhamento técnico para aquele primeiro encontro. E tal foi a intensidade do aconselhamento, que eu quase não a reconhecida, tal era a transformação. O longo cabelo negro, que eu tanto desejava afagar e sentir, estava todinho apanhado no cimo da nuca, num enrodilhado artístico que mais parecia um cocó de São Bernardo. Desilusão completa! Semanas a fio, a imaginar-me pendurado nos fios do cabelo dela, qual Tarzan romântico, deitadas pela sanita abaixo com aquela amarração escusada. O corpinho, que eu venerava, e que conhecia ora debaixo de um uniforme escolar branco e imaculado, ora debaixo de um vestuário sóbrio, estava escondido debaixo de um exercício de alfaiate muito mal conseguido. Um vestido armado ao chiquérrimo, a atirar para o balão, que tira a qualquer homem a vontade de abraçar a cintura feminina. Uma desgraça. Para completar, uma mistura impressionante de bodegas a cobrir-lhe o rosto, que hoje compreendo, mas que na altura me deu a volta ao estômago. Para mim, que aprecio a sobriedade e a naturalidade, foi uma tacada de basebol no queixo. A coisa começou logo a correr mal, muito mal, e terminou pessimamente. Nunca mais ela falou comigo, nem eu com ela, e muitas pragas me deve ter rogado. Eventualmente, poderá ter ido para freira, à semelhança da… coiso… bom… adiante…
Portanto, tentei orientar o meu aconselhamento técnico no sentido do desaconselhamento. Isto é, nestas coisas, mais vale uma mulher ficar “quieta”, do que meter-se com invenções e acabar num estado desagradável à vista. Apesar disso, a Liliana insistiu em ir de vestidinho. Tem corpinho para isso, obra das longas horas quase diárias que tem passado no ginásio desde há muitos meses. Só faltava escolher a cor. Preto, vermelho, branco e preto, salmão.
Branco e preto, não, porque baralha. Não se pode deixar um homem baralhado, quando o objectivo é não o deixar fugir. É uma espécie de gelado “Perna de Pau”: não se sabe se começar pelo chocolate, pelo branco, ou pelo vermelho, ou mudar para uma sandes de presunto.
Vermelho, também não. Fere a vista e atinge o cérebro masculino, podendo provocar lesões atitudinais indesejáveis. Parece um fogo que não queima, como uma roseira que não pica, pelo que o homem, seja bombeiro, pirómano, ou maricas, não terá receio algum em se atirar de cabeça para as chamas.
Salmão, só a partir do segundo encontro. Salmão transmite uma ideia de fragilidade. Um homem a olhar para uma mulher vestida cor de salmão, é como um urso no Alasca a olhar para as águas baixas de um ribeiro, onde um salmão de aspecto delicioso aguarda pacientemente pelo seu fim, entalado entre dois calhaus.
Preto, é que é. Primeiro, ninguém desconfia. Depois, impõe respeito. Não baralha. E tem a vantagem de concentrar o olhar masculino, que fica hipnotizado como que à procura do fundo num buraco negro. E, como diria o poeta, homem concentrado, é homem garantido.
E nem penses em levar aquela mini-saia rodada e arejada! Senão, acabas o encontro romântico no hospital, com o pobre Mateus em estado grave de encravanço cardíaco, de língua de fora, espasmos na perna esquerda, olhos revirados, súbito crescimento capilar, e um prolongado uivo disfarçado de suspiro… pickwick