Já em casa, cervejinhas no congelador, batatas e chouriça para o forno, sal e salsa, e o jantar a caminho de se comer. Antes, ainda começámos a ver o filme. Tivemos que interromper para o jantar. No fim deste, gerou-se à mesa uma intensa discussão a propósito das aguardentes, cachaças e bagaços que deram entrada na minha cozinha, uns para consumo directo, outros para envelhecimento segundo técnicas requintadíssimas à base de madeira, outros para elaboração de licores ilegais. Não chegasse a discussão a nenhum resultado conclusivo, tivemos que resolver a questão através de uma sessão de provas, o que é muito bom, porque ajuda a fazer a digestão. E desentope o nariz. E alivia a tosse. Embora ninguém estivesse com problemas de saúde. Depois, já com a digestão em velocidade de cruzeiro, fomos ver o resto do filme “Flyboys”. O filme é fixe: aviões, biplanos, triplanos, mortos e feridos, decepados, tiros, fumo, um leão com coleira, franceses, francesas, revólveres, soldados, uma garrafa de conhaque com cem anos, alemães mal encarados, e a Jennifer Decker. Ah, pois é! Não fosse a Jennifer e o filme seria fantástico. A Jennifer veio estragar o filme, a fazer o papel de virgem carente, que não dá duas para a caixa em inglês mas que se apaixona à primeira vista por um piloto americano que não dá duas para caixa em francês, e fazem umas cenas românticas muito pirosas, ora debaixo de um carvalho, ora com ele a levá-la a passear de avião, enfim, do piorio. A Jennifer, que é francesa, tenta fazer o papel de virgem – entenda-se jovem mulher que nunca provou do que é bom -, mas muito mal. E, muito mal, porque não consegue disfarçar o ar real que a actriz tem por natureza: a de uma francesa ninfomaníaca, magricelas e depravada, com lábios perfeitamente adaptados ao desempenho de alguns actos de índole sexual, nomeadamente o mítico “bóbó”. Perdoem-me a franqueza, mas é mesmo assim. E mais. A Jennifer, no papel que desempenha neste filme, tem um efeito perverso nas mentes masculinas: traz à memória o sonho de se engatar uma mulher que não fala a nossa língua, nem nós a dela, com a fantástica vantagem de ela poder falar, falar, falar, falar, e isso não nos afectar minimamente, porque não percebemos chavelho do que ela diz. Aparentemente, e a menos que eu tenha adormecido nalguma parte mais monótona do filme, o piloto acaba por não lhe saltar para a espinha, o que também é bom, porque poupa o espectador a mais uns momentos de fastio. Posto isto, algumas conclusões sobre o dia.
1. Não andar de bicicleta num Domingo. No dia seguinte não haverá força nas pernas para subir qualquer lanço de escadas, nem espírito crítico para apreciar as pernas das colegas de trabalho.
2. Não discutir questões vinícolas à mesa. A coisa pode facilmente descambar para uma sessão de provas e acabar com uma violenta ressaca na manhã do dia seguinte.
3. Não ver filmes de guerra ou pancadaria que incluam virgens francesas protagonizadas por francesas com ar de tudo menos de virgens, a menos que seja um filme do Quentin Tarantino, estilo “Kill Bill” – pois, aqui, qualquer virgem pega numa espada e ceifa meia dúzia de cabeças, em vez de perder tempo com conversas da treta debaixo de um carvalho.
4. Não comprar equipamento completo de windsurf da década de oitenta por apenas cem euros.
5. Não esquecer de levar uma carabina com mira telescópica quando se vai passar um dia pacato junto a um extenso lençol de água; pode ser bastante útil para eliminar de forma eficaz e discreta alguns ruídos indesejáveis provocados pela anormalidade de alguns cidadãos.
6. Não sair de casa para um dia cansativo sem deixar o frigorífico devidamente abastecido; caso contrário, o regresso tardio ao lar poderia implicar a impossibilidade de fechar o dia com umas cervejinhas fresquinhas, o que se transformaria numa infelicidade imensa.
7. Não ligar a resultados de análises sobre a qualidade da água onde se toma banho; se seguirmos esse caminho, quando dermos por isso, estamos a tomar banho com garrafas de litro e meio de água do Luso, previamente fervida e desinfectada com lixívia.
8. Não comprar bicicletas sem motor.
9. Não passar o dia numa praia sem gajas em biquini, ou simplesmente sem gajas, como aconteceu, porque priva o homem de apreciar o que o mundo tem de mais belo.
10. Não dizer mal da Jennifer Decker, que até é elegante, francesa, engraçada e nada feia, embora pareça ter maminhas que mal dão para encher – as duas juntas - meia malga de caldo verde. pickwick