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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

14
Jan07

One night in Aveiro

pickwick

Ora bem, situemo-nos. Sábado de manhã, Alfa Pendular rumo a Lisboa. Duas cadeiras atrás e do lado oposto, uma moçoila de vinte e poucos anos, cabelo preto escuro, sentada de esguelha, dossier no regaço, casado aberto por cima de um top preto muito descaído à frente. Linda. Sexy! Suspiro. Já em Lisboa, a chegar à estação de Santa Apolónia, coloco-me estrategicamente dois palmos atrás dela, mesmo à porta da carruagem. Olho de soslaio. Quilos de rímel pesam-lhe nas pestanas com vinte centímetros de comprimento. Vá, vinte centímetros também não, mas aí uns dois, valia. Mais uma mulher completamente estragada pela maquilhagem. Enfim. Na gare, e para descomprimir, reparo nas mulheres que desceram do mesmo comboio. Uma delas, dois metros à frente, leva uns sapatos com uns saltos altos, daqueles assim altos. Algo vai mal com um deles, que a cada pisadela tomba todo de lado, obrigando a dona a gingar-se num movimento pouco elegante. Mas estas gajas não têm vergonha de saírem para a rua assim com sapatos destes, correndo o risco de fazerem figuras tristes destas? Francamente. Bom, passou o dia, voltei a apanhar outro Alfa Pendular, já sem gajas com decotes, e desembarquei em Coimbra, já noite. Meti-me no bólide e, como combinado de véspera, abalei até Aveiro para jantar. Espetada mista, para quem interessar saber. Nando, para a próxima, é tinto ou cerveja, está bem? Aquela porcaria cor-de-rosa sabia a detergente para o bidé, não tinha gás e estava à temperatura ambiente. Depois, e por uma questão de tradição, uma tripa com ovos moles para sobremesa. Entretanto, Aveiro vivia a folia desgarrada da Festa de São Gonçalinho. A quem não sabe, passo a descrever, em traços gerais, esta festividade. Estão a ver a capela de São Gonçalinho? Pronto, as gajas sobem lá acima com umas sacas enormes cheias de cavacas doces. As cavacas são uns doces foleiros, pintados de branco, que parecem pensos higiénicos fossilizados. Bom, lá de cima, bem de cima, que a capela é alta, onde uma varanda circunda por completo a cúpula da capela, as gajas atiram as cavacas cá para baixo. Muitas cavacas. São atiradas com suavidade e carinho, mas, por alguma razão que desconheço, de vez em quando há uma gaja que se passa e dispara umas cavacas em velocidade rapidíssima. Deve ser dos desgostos amorosos. Cá em baixo, o largo em volta da capela enche-se de gente. Uma dúzia de gajos, de todas as idades, uns com dentes e outros sem eles, erguem para os céus varas enormes, em cujas pontas amarraram sacos, tipo cesto de basquetebol. Objectivo? Pois claro, conseguir apanhar as cavacas com os sacos. Também há uns heróis que se aventuram com as mãos livres, mas só quem não levou com uma vinda lá de cima é que não sabe o quanto dói no osso. No meio disto tudo, há sempre uns caramelos a fazerem batota: em vez de sacos, ou cestos, usam um guarda-chuva todo aberto, tipo antena parabólica. Que falta de desportivismo, francamente. Na rua da capela, dezenas de bancas ocupam um lado e o outro da rua, sendo que vendem, basicamente, cavacas. Sim, um mar de cavacas a vender, chuva de cavacas pelos céus, é uma autêntica paranóia! Como se não bastasse, havia palco montado e artista convidado. Ah pois é! José Cid! Ah pois é! Era tanta gente na praça que só consegui espreitar de fugira o ecrã gigante que replicava o palco. Mas ouvia-se bem. José Cid, pois então. Percebi, após breves minutos, que o José Cid é um verdadeiro artista português. Um artista sério! E estou a falar a sério! Os cantores que andam para aí, com resmas de fãs atrás, pá, francamente, são umas fraudes. Nota-se pelas letras das canções: inventam as coisas mais disparatadas, para rimarem umas coisas com as outras, frases sem sentido, palavras inventadas na hora, parecem estórias escritas por criancinhas de sete anos. Parecem aqueles filmes franceses, armados em intelectuais e que não têm ponta por onde se pegue. É um desastre! O José Cid é que é! E está aí para as curvas. Não o vi, mas pronto, deve estar. Peruca, dentadura postiça e a abanar a cabeça como o Stevie Wonder. Mas será que só eu é que reparo nas letras pirosas que povoam as “obras” do Sardas, do Reininho mal-criado, do JPP, do Ruizinho monocórdico, do ceguinho dos abrunhos e por aí fora? É pá! Não têm jeito nenhum! Bom, provavelmente por via da idade, o espectáculo do Cid acabou pouco antes da meia-noite, pelo que, dada a debandada geral, fui-me plantar no ponto central das pontes, muito estrategicamente, a ver o mar de gente e de gajas que regressava aos seus carros, às suas casas. Muitas gajas! Novinhas, como se não tivessem pais sérios que as impedissem de andar na vadiagem com as amigas àquelas horas, ainda por cima vestidas para seduzir motoqueiros da Zundapp. Só me admirei como foi possível tanta e tanta gente trocar as fantásticas telenovelas-noite-dentro por um espectáculo do José Cid. Será que o povo começa, afinal, a perceber o que é cultura? Ou não. Quando as gajas se esgotaram, fomos ao cinema (crítica cinéfila para breve), fomos beber umas bejecas, assar uma chouriça, e ver um filme em DVD chamado “Leon, o profissional”, em que um assassino profissional com oculinhos à Barão Vermelho desmama uma fedelha a quem ainda não tinham crescido os peitos, ensinando-lhe a delicada arte de “limpar”, ou seja, abater pessoas por encomenda. Bonito! Acabou às cinco da madrugada. O sinal claro da decadência: fico com o estômago cheio até ao pêndulo das goelas, antes de conseguir sequer ficar simpaticamente alegre. Um gajo já nem consegue ir para o cinema a cambalear. Já não tem graça enfrentar, completamente sóbrio, a menina que vende os bilhetes para o cinema. Decadência! pickwick

30
Mai06

Dez coisas que hoje me irritaram profundamente

riverfl0w
A ouvir, na voz de João Vaz

O meu blog dava um programa de rádio - Rádio Comercial

 

06h28 - Levantar-me da cama, mesmo depois de ter feito uma maratona nocturna para acabar "A Conspiração" de Dan Brown (o livro acaba com Rachel Sexton e Michael Tolland a darem uma queca).
08h04 - 10h27 - Não ter adormecido no comboio. Acabei por assistir, impotente, a um programa do Eládio Clímaco e da Isabel Angelino durante a maior parte da viagem.
10h30 - Não existirem autocarros em Aveiro entre a estação e a Universidade das 10h25 ao às 11h54, apesar de nas restantes horas haver um de meia em meia hora.
10h31 - 10h42 - O taxista fungar e pigarrear incessantemente ao longo de toda a viagem, e não fazer o desconto de 0,05€ que todos os outros fazem aos estudantes.
15h40 - 15h42 - Achar que estava a gravar o início da entrevista com uma professora do Departamento, e ter sido ela a reparar que o maldito gravador estava desligado.
16h23 - 16h35 - Não ter conseguido arrancar mais do que vários "Não quero" e um "Cala-te!" ao tentar entrevistar um miúdo portador de Trissomia 21, apesar de ele fazer questão de andar de mão dada comigo por todo o campus universitário.
18h41 - 20h12 - Ter-me disponiblizado para ajudar uma colega a programar em ActionScript, e uma hora e meia depois não termos conseguido resolver sequer a primeira alínea do exercício.
20h23 - 21h19 - Ter gasto 1€ em Virtua Tennis 2002, apesar de só me sobrarem 8,23€ até ao fim do mês.
22h03 - Ter-me engasgado com uma rodela de chouriço do caldo verde.
22h22 - ... - Estar a arranjar desculpas mentais para não estudar para o exame de amanhã (este post está definitivamente incluído neste ponto...). riverfl0w
04
Jan05

Nostalgia, talvez

riverfl0w

Hoje era urgente vir aqui. Dei por mim a duzentos e muitos quilómetros de onde sempre vivi, fechado num quarto a ler na diagonal o que os outros escreveram sobre a arte do século XX. Reparei que mal conheço as pessoas com quem vivo há quatro meses... reparei que talvez tenha criado laços mais fortes com os dois franceses e as duas polacas que a minha família acolheu nos últimos cinco dias, mesmo falando um francês mal amanhado. Aprendi que na Polónia não há laranjeiras, que a Torre Eiffel tem 360 metros, que se vê a uma distância de sete quilómetros, e que "Doubránotz" quer dizer "Boa Noite". São trivialidades, talvez. Mas não serão estes pequenos momentos que dão sabor à vida?

Reparei que mal sei os nomes dos meus colegas de curso. Uma delas competiu comigo num dos campeonatos de natação, há uns anos. Aquele nome não me era estranho, eu sabia. Cruzámo-nos algumas vezes na câmara de chamada. Veio-me à memória aquele cheio intenso a cloro, que antes das provas me dava sempre a volta ao estômago... o ajeitar frenético dos óculos, os músculos retesados à espera do sinal de partida.
Vasculhei nos motores de busca à procura desses tempos... ei-los! Míudos de catorze anos na piscina, de sorriso rasgado. Não foi há muitos anos que era eu quem estava ali... sonhava em ser campeão nacional, em ser apurado para os campeonatos da Alemanha, muito mais.

Hoje estou aqui, longe, e noto que que pouco tenho dessa época. Uma ou duas fotos, perdidas no tempo, alguns telefones que nunca mais foram marcados.
Hoje já não quero ser campeão nacional. Quero ir a São Tomé e Príncipe, a Taizé, escrever artigos para a revista, tirar a carta, ser titular da equipa de FutSal... e quem sabe ser jornalista, produtor multimédia, o tempo o dirá. E é por isso que tenho apontamentos sobre Les Fauves, Débussy, Schönberg, Bahaus, Breton, Entartete Kunst pousados na secretária.
Mas acima de tudo, quero falar mais, conhecer mais, viver mais. Cada momento como se fosse o último. Doubránotz. riverfl0w
14
Set04

Vou-me embora…

riverfl0w
No Alentejo profundo, a vários metros abaixo da linha da civilização, ouve-se um canto de lamento e de esperança.
“Vou-me embora, vou partir mas tenho esperança
de correr o mundo inteiro, quero ir
quero ver e conhecer rosa branca
e a vida do marinheiro sem dormir
E a vida do marinheiro branca flor
que anda lutando no mar com talento
adeus adeus minha mãe, meu amor
eu hei-de ir hei-de voltar com o tempo

Não vais para o mar, se calhar até nem curtes rosas brancas, nem flores brancas, nem flores, nem marinheiros. Não é preciso. Isto é só uma canção. Também não é preciso passar sem dormir. Quer-se dizer, vais fazer umas noitadas a queimar pestanas em cima dos livros e apontamentos, ou a olhar com um ar lunático para os copos vazios numa qualquer mesa de um qualquer bar nessa cidade quase à beira do mar. E, quer queiras, quer não, vais correr o mundo inteiro. Quando se sai de casa, corre-se sempre o mundo inteiro. É sempre assim. O mundo cabe sempre na palma da nossa mão. Partir requer sempre coragem. Mais daqui ou menos dali, dependendo do nosso passado. Não é caso para desesperar. É motivo para sorrir! É uma nova vida que abraçamos, bem diferente da que conhecemos até agora. Fechamos ligeiramente a torneira às amizades que fizemos, por não estarmos tão presentes, e abrimos as portas às novas que aí vêm, de braços abertos. Porque o mundo é assim, como uma bicicleta. Vais gostar da cidade, garanto-te. A viagem até ao teu lar-doce-lar de regresso até nem custa assim tanto. Tem só aquele pequenino gosto a ansiedade na ida e uma leve nostalgia no regresso. Não custa nada. No banco do comboio, aproveitas e lês um livro, escreves umas linhas sentidas ao teu amor, olhas pela janela e vês tudo a passar a correr, incluindo a tua vida. Em cada estação pensas para contigo mesmo que podia ser já ali. Quando o trabalho aperta e sexta-feira não embarcas rumo ao sul, não há que desesperar. É um fim-de-semana com sabor diferente. Vive-se de modo diferente. A saudade teima em pressionar-te para que sintas aquele apertozinho no coração que nos faz suspirar vezes sem conta. Mas, os novos amigos, todos com o mesmo sentir, mostrar-te-ão que nada custa mais do que não ter amigos. pickwick