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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

19
Dez07

A solha nojenta

pickwick
Há umas noites atrás, fui convidado para jantar em casa da minha fã número um. Eu até não desgosto de lá ir comer. Há sempre qualquer coisa de esquisito na mesa, no seu conjunto, mas, a mim, o esquisito não afugenta. Ao subir as escadas, pensei para comigo: ui, ‘tou com uma fome tal que ‘tou capaz de comer duas vacas inteiras e ainda sobra espaço para a sobremesa! Eu gosto de ir jantar com esta perspectiva de vida. Dá aquela sensação de vida boa, de abundância, de felicidade, de muita saúde. Há que aproveitar o colesterol andar ocupado com outrem. Subi, toquei, ela veio abrir a porta, e, repentinamente, entraram-me pelas narinas aquelas partículas microscópicas que trazem consigo o odor ao jantar. E as partículas que trazem o odor a um jantar, também trazem o odor a qualquer porcaria imunda que esteja presente. Neste caso, e para grande desespero meu, o odor era: a solha – esse animal nojento, fedorento e pré-histórico! Essa aberração da natureza! Esse excremento dos oceanos! Um nojo! O mundo perfeito de um manjar de carne desmoronou-se ali mesmo à minha frente, enquanto a minha anfitriã se mentalizava para, pacientemente, me aturar o resto da noite. Aturar-me a mim e ao meu repúdio pelos animais com espinhas. Exclamei vozes de ordem contra a opção gastronómica, apesar de não me ficar nada bem reclamar dentro das paredes da casa que me acolhe. Fiquei desvairado, sim! Como louco! Que nojo, solha! – gritei! Não é solha, é douradinha, respondeu calma e condescendentemente a minha anfitriã. Douradinha? Não se chama “douradinha” a um peixe, carago! Quando muito, “dourado”, ou “exterco-aquático”, mas “douradinha” é que não. Douradinha é o que se chama a uma loiraça podre de boa a desfilar com um biquini dourado. Ou sem biquini, mas com cabelo comprido. Agoniadíssimo com o fedor, enchi-me de coragem e penetrei na penumbra de mau cheiro em que se tinha transformado a cozinha. Impressionante! Numa travessa, ladeados por quatro rodelas de limão, repousavam os dois defundos. Peixes, claro. Ela insistia que eram douradinhas. Eu, que sou vidente nas horas vagas, vi logo que se tratava de solhas nojentas. Há cinco grandes classes de peixes: os carapaus, as sardinhas, os bacalhaus, as solhas e as lulas. As solhas – que abarcam uma grande variedade de peixes vendidos habitualmente no mercado – destacam-se pelo nojo que provocam em seres humanos com bom gosto, como a minha ilustre pessoa. Arrepiantes. Grelhadas! A minha anfitriã que tire o cavalinho da chuva, porque nunca mais vou comer bifanas grelhadas naquela chapa! Jamais! Pasma-me a alma como há gente – entre a qual a minha anfitriã – que exclama coisas bonitas e solta gemidos de prazer enquanto mastiga e engole nacos de solha. Não compreendo, a sério. Será por ser gaja? Eu sempre imaginei que um bando de mulheres nuas numa praça de peixe entraria facilmente numa histeria colectiva, numa loucura sexual em massa, a esfregarem-se todas com solhas e carapaus, gemendo e guinchando de imensos prazeres, com escamas perdidas nos cabelos molhados, rabos de peixe a sair das bocas badalhocas, enfim. Uma orgia em jeito de semi-fábula-erótica. Deve ser por isso que as mulheres têm uma predilecção natural para os pratos de peixe. Pronto, a muito custo, entre mil caretas, meia dúzia de arrotos e uma agonia profunda, enfiei goela abaixo a maldita solha, sem espinhas, sem restos de tripas, sem escamas, sem aqueles nacos de gordura sebosa dos oceanos acumulada à passagem pelas descargas de não sei quantos petroleiros. Devo ter levado uma boa meia hora para o fazer. Ela ria-se. Não sei de quê. A agonia alheia não deve ser motivo de riso. E muito menos a minha agonia! Blerk! Que solha nojenta, pá! No dia seguinte, andei de caganeira (perdoem-me a expressão, mas é o termo que melhor enquadra as revoluções intestinais que me assaltaram), como se a solha ingerida estivesse prenha e houvesse parido dentro das minhas tripas, dando à luz milhares de solhas nojentas, de tamanho minúsculo, grelhadas, assim ao bom estilo dos filmes tipo “Aliens”. Felizmente, o corpo humano vem dotado de capacidades fantásticas e conseguiu expelir naturalmente o cardume de solhas. Isso deu-me margem de manobra para enfrentar, de forma séria e consciente, dias mais tarde, a Ceia de Natal da minha instituição. Ui! Que até doeu! pickwick

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