Nossa Senhora do Assobio
Bom, para ser franco, esta nossa senhora não é do assobio nem da bufa, mas, para manter o anonimato, há que não identificar locais. Seja do assobio e ponto final. Adiante. O frio já se foi, o calor está a ver se fica, há mais sol que sombra e enfim, apetece sair à rua, depois um Inverno cinzento e gelado. Por sair à rua, entenda-se um bocadinho de exercício físico para descongestionar as células que passaram meses a banquetearem-se com gorduras acumuladas pela ingestão de entremeadas, cervejolas, mais entremeadas, chouriças, queijos e outros requintados petiscos nacionais. Pronto, estou a exagerar, que até nem abusei muito, mas sabeis como é: verão, praia, sexo, etc. Outro dia, já lá vai quase um mês e ainda fazia frio, resolvi subir a escadaria da Nossa Senhora do Assobio, com aquelas capelinhas espalhadas entre os lanços. Aproveitei a estadia na cidade e, com as botifarras de galgar paredes, fui por ali acima, até à igreja, lá bem no alto. Cheguei com os bofes de fora. Completamente de fora. Se tivesse comido um iogurte, tê-lo-ia vomitado logo ali, pela boca e pelas orelhas e pelo nariz. Nem me conseguia baixar, porque as pernas não aguentavam e caía logo no chão, feito pardal. Pensei para comigo: oh caraças, estás mesmo em baixo de forma! Desci a escadaria toda até ao carro e rumei a casa, começando assim um penoso processo de incremento de uma dor irritante nos músculos das pernas, que só desapareceu passados muitos dias. Hoje, chateado por estar em baixo de forma, alegre por estar um belo dia de sol, fui até à escadaria da Nossa Senhora do Assobio. Larguei o carro ao cimo das escadas, numa jogada brilhante, e fui por ali abaixo, até ao fim da escadaria. Meia e volta, e aí vai ele, todo manganão, machão e muito viril, em passo ligeiro, degraus acima, o segundo lanço de escadas entusiasma-se, corre, corre, ao terceiro lanço vai a passo para regularizar a respiração, ao quarto lanço corre outra vez, upa, upa, eia, eia, bofes de fora, e é melhor não correr mais que isso cansa. Cheguei ao cimo de tal forma que nem podia com um rato pelo rabo. Pernas a tremerem mais que as canas num canavial em dia de tempestade. Inspira, expira, inspira, expira, meio segundo para cada. Tive que sentar no granito do degrau mais próximo, porque a vida não estava fácil. Sorte que não havia ninguém por perto, Especialmente gajas. É foleiro um gajo ser apanhado por uma gaja com os bofes de fora. Ponderei o estado físico, até porque a escadaria era mais comprida do que parecia, e achei que estava pronto para repetir a proeza mais meia dúzia de vezes. Gajo que é gajo, não se fica por menos. Retomado o ritmo da respiração, toca a descer. Ao terceiro lanço de escadas, cruzei-me com uma senhora de idade, de mochila às costas, a trepar os degraus como quem vai de patins, e já quase a chegar ao cimo das escadas, portanto. Ora, isto não abona nada em meu favor. Olhei em redor, não vi ninguém, e deduzi que mais ninguém topou que, tecnicamente, tinha sido batido aos pontos por uma velhota. Enfim. Atirei para trás das costas. Um gajo não pode atrofiar com estas coisas. Fica mal e não dá saúde. Chegado ao fim das escadas, meia volta, e aí vai ele, escadaria acima, todo macho, upa, upa, desta feita mais devagar, a arfar, a bufar, a revirar os olhos, quase a cambalear. Vergonhoso, eu sei, mas não estava lá ninguém para ver. Nem me atrevi a correr, não fosse tropeçar logo no primeiro degrau, como se este tivesse