Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.
Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.
Hoje, o meu patrão deixou abismado mais um dos seus súbditos. Neste caso uma súbdita. Uma senhora muito senhora do seu nariz, muito bem conservada para as quase certas cinquenta primaveras que já terá passado, e a qual tenho em mais alta consideração. Ainda conserva a sua beleza própria, é dotada de uma energia fabulosa e tresanda a cultura. E domina na quase perfeição a nossa língua materna. Quase! Hoje descobri que o nosso patrão a bate aos pontos. Fui apanhá-la às voltas com o dicionário de português-português, a tentar traduzir regime de comodato de português para português. Eu tentei logo fazer a tradução: regime em que fazemos o que achamos mais cómodo; regime do comodismo, do que dá menos trabalho; regime da cómoda, em que arrumamos as peúgas e as cuecas lavadas em gavetas; regime do como dás tu, em que tu dás mas eu quero saber como. Enfim, correu mal. O dicionário diz que é um empréstimo em que o favorecido pelo dito fica de devolver o seu a seu dono. Mais ou menos. Neste caso era um aspirador. Eu fiquei a olhar para a senhora. Que se chama Teresa e está muito bem conservada. E pensei: está aqui esta diva fora-de-prazo preocupada com uma nota do patrão a dizer que empresta um aspirador ao departamento dela mas que teria de o devolver um dia destes... coitada... foi para isto que trabalhou durante quase três décadas? Foi para isto que nasceu tão bonita e tão abonada de linhas? Ó meu Deus... que andas tu a fazer?... E porque é que deixas os patrões escreverem palavras de sete e quinhentos a mulheres destas? Fico cheio de pena de as ver assim: tão sorridentes, a consultarem dicionários. pickwick
Grilinha, permite-me discordar quanto à omnipresença de "tantas Teresas" na nossa praça. Esta, garanto-te, não tem muitos clones. É algo raro, algo louvável, mui requintado, qual louça fina trazida em tempos idos por uma qualquer caravela desde além mar... Enfim, só me ocorre soltar um longo suspiro...
A expressão "regime do como dás tu, em que tu dás mas eu quero saber como" é rebuscadíssima! Parabéns, não se alguém chegaria a saber a etimologia fonética da expressão se não fosse a proclamação deste post. Mais um serviço público dos Arautos do Estendal.