Catalpa x cataplana
Quando um gajo normal começa a lidar com uma área científica nova qualquer, abraça obrigatoriamente um leque de conhecimentos e de vocabulário técnico. Ora, eu nunca tive sensibilidade para a biologia, apesar de gostar de estar na natureza. Provavelmente, tal deve-se ao facto de só ter tido dois professores de Ciências da Natureza durante toda a minha vida: um oficial do exército que tinha o triplo da minha altura e uma senhora moderadamente humorada que me dava sempre 49% nos testes. Além do mais, nunca tive queda para a memorização de nomes, apesar de sempre ter cumprido os mínimos, isto é, jamais esquecer (ou trocar) o nome da namorada.
Obviamente, há limites. Um gajo mete-se a ler tratados científicos sobre propagação de plantas e fica logo chateado nas primeiras linhas, quando não percebe nem metade das palavras. Por exemplo, havia necessidade de usar a palavra “ritidoma”? Claro que não, bastava usar “casca” e o leitor percebia logo, mas há gente que gosta de se armar aos cágados, sempre a puxar de palavras de setecentos e cinquenta cêntimos… E amanhã de manhã já não me lembrarei do que quer dizer “ritidoma”.
A cena dos nomes em latim dá muito jeito, em especial para espécies que têm vários nomes na cultura portuguesa, e muiiiiito em especial para as espécies a que os portugueses trocam os nomes, baralhando tudo. Começando a falar em latim, o povo entende-se logo e deixa de haver problemas de comunicação. Depois, há as espécies não autóctones, a que a cultura portuguesa não deu nenhum nome. Aí, o mais frequente é adoptar-se o primeiro nome em latim.
Uma das árvores mais comuns nos arruamentos de cidades e vilas é a “catalpa bignonioides”, originária do sul dos Estados Unidos. É fácil pronunciar “catalpa”, mas nem completamente sóbrio consigo pronunciar “bignonioides” antes da décima tentativa.
Apesar da aparente facilidade na pronúncia, parece que um outro colaborador do viveiro tem algumas reticências misteriosas quando o assunto é esta árvore. Misteriosamente, porque se trata, de facto, de um mistério, ele insiste em tratá-la carinhosamente por “cataplana”. Já o alertei para a confusão linguística, vai para cima de vinte vezes, mas ele não desarma e insiste na “cataplana”. Começo a pensar seriamente se não quererá transmitir-me uma mensagem subliminar qualquer, relacionada com o âmbito gastronómico dos momentos de pausa nos trabalhos rurais. Eventualmente, trocar a carne grelhada por uma mariscada, a manteiga do pequeno-almoço por um paté de delícias do mar, o pudim por gambas, e o tinto por um verde gelado… pickwick