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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

29
Mar12

50 anos de invulgar boa manutenção

pickwick

Bodas de Ouro, ou coisa que o valha. Chama-se Ana (nome verdadeiro, medo!) e tem cerca de 50 anos. Porquê “cerca de”? Porque, apesar de já trabalhar com ela há uns 7-8 anos, e de a idade dela e o respectivo aniversário já terem tropeçado na nossa vida profissional inúmeras vezes, há aquela nefasta influência do Alzheimer, que me impede de perpetuar no tempo certas informações mais ou menos importantes.

 

Acontece que estes 50 anos são uns 50 anos muito especiais. Naquela quarta-feira, pareciam mais uns 20 anos do que outra coisa qualquer. Era um dia como outro qualquer, exceptuando o facto de termos uma reunião conjunta logo a seguir ao almoço, daquelas coisas a que uma pessoa se sujeita como que a meter-se a jeito para apanhar uma indigestão. A Ana apareceu no trabalho com um vestido em género de lã, sendo que a saia acabava meio palmo acima do joelho. Palmo inteiro, quando sentada. Collants pretos, para disfarçar.

 

E qual era o problema? O problema, é que aquele vestido parecia ter caído em cima de uma jovem de 20 anos. Seios dimensão generosidade-radiante. Barriguinha zero. Pernas de gazela. Com um vestido justo por cima, mesmo que de lã, qualquer ser humano apreciador do género entra rapidamente em delírio!

 

Acho que passei o dia a tirar-lhe as medidas, feito comilão. Antes do almoço, ao almoço, depois do almoço, na reunião, depois da reunião. Foi uma fartura. Sempre arriscando o pescoço, claro, pois a hipótese de ser apanhado de surpresa a devorar-lhe mentalmente o corpo esteve sempre em cima da mesa. Arriscado, ou não, nunca se sabe. Depois da reunião, ainda tive que lhe aturar uns elogios profissionais à minha pessoa, pelo que havia uma ténue possibilidade de lhe arrancar um sorriso pornográfico, caso me apanhasse em flagrante a medir-lhe o comprimento da coxa e determinar as coordenadas GPS do umbigo.

 

A Ana é casada, mas isso agora realmente não interessa. É uma pena. Se fosse divorciada, havia ali muita matéria de estudo. Aliás, o meu sonho secreto é ela de repente aparecer divorciada e muito carente e muito disponível. Ou talvez não. Uma mulher carente arrasta sempre consigo uma dose imprevisível de insanidade, o que pode tornar-se bastante perigoso.

 

No entanto, e porque há sempre um “no entanto” quando o tema é “mulheres”, a Ana tem dois defeitos, na minha pouco convencional perspectiva.

O primeiro, é ser desequilibradíssima. É um defeito um bocado recorrente, nos tempos que correm, mas, ainda assim, desagrada-me imenso. De um momento para o outro, é capaz de alternar a candura de um pote de mel de abelha com o festival de meia dúzia de foguetes de fogo de artifício dentro de uma loja da Vista Alegre. Ultimamente, ora usa da maior delicadeza verbal que é possível num ser humano – em vocabulário e em tonalidade da voz -, ora dispara uns “filho da p…” em várias direcções. Bom, é um sinal dos tempos que a nossa sociedade vive.

 

O segundo defeito. Tem pele do tipo “pele de porco chamuscado antes de ser esquartejado”. Como quando se faz a matança do porco e se chamusca todo o pêlo com um maçarico. Não estou a ser mauzinho. Apenas realista. Quando lhe olho para a pele, parece exactamente isso. E falo com experiência de causa, com duas matanças no meu currículo. Coisa esbranquiçada, como se lhe tivessem chamuscado a penugem e depois passado com lixívia para desinfectar. Uma espécie de borracha branca de que ficaria bem qualquer personagem de um filme de terror. Isto é um daqueles casos em que um gajo tem que contemplar a paisagem com um filtro dimensional: apreciar a harmonia das curvas, enquanto o filtro bloqueia a qualidade física do material. Como delirar perante o formato rechonchudo de um rissol de camarão, procurando não reparar que foi queimado durante a fritura e que, ainda por cima, andou aos rebolões pelo chão de uma qualquer feira, com beatas coladas, centenas de grãos de areia agarrados e uma nojenta mancha de escarreta verde-amarelo. Que exagero! Eu sei, eu sei… pickwick

27
Mar12

A anfitriã tormentosa

pickwick

A propósito de nada, uma ex-colega de trabalho resolveu meter as beiças no chifre e tocar a recolher as tropas em sua casa, para um lanche ajantarado, para relembrar velhos tempos e trocar novidades. Para evitar confusões, a anfitriã chamar-se-á Fena (nome de código).

 

A Fena já foi alvo de, pelo menos, um post aqui neste blogue. Afinal, sempre foram dois anos de convivência profissional, remontando a uma época em que eu fazia parte do patronato. Estamos a falar de uma moça trintona recente, casada, mãe, cabelos alourados, tão elegante que até chateia, e de pulmões bem protegidos. Um luxo, portanto. O único defeito físico, é um místico olhar de carneiro mal morto, daqueles que são atropelados numa qualquer estrada alentejana e que são misteriosamente resgatados para uma dimensão desconhecida e que aí lhe trocam o corpo peludo pela carne sedosa de uma musa e que lhe tiram os chifres e lhe fazem a depilação do focinho com laser, e que, para finalizar, lhe metem uns implantes de silicone até ficar pronto a consumir por qualquer mortal. Ah! Não esquecer a mudança de sexo, claro.

 

Bom, nesse dia do lanche, a Fena usou umas calças de ganga justas. Não sei o que prefira. Se quando ela usa calças justas para se tirar todas as dúvidas. Se quando se atravessa no caminho com um vestidinho curtinho de saia rodada, daquelas que chamam pelo vento: ffffuuuuuuu… sopra-me… sopra-me…

 

Independentemente das minhas preferências, foi um lanche muito perigoso e tormentoso. O marido ligeiramente à minha esquerda. Ela, para trás e para a frente, ora a fazer de mãe, ora a fazer de empregada de mesa. Nestas ocasiões, há que dominar muitas variáveis para conseguir disfrutar todo o ambiente na sua plenitude, mais a variedade gastronómica. Não querendo ser gabarolas, confesso que tenho algum domínio. À minha esquerda, todos os homens da mesa. Dois bem que me podiam apanhar a babar-me para as nádegas da anfitriã, que saberiam ser discretos e guardar segredo. Quanto ao marido, a coisa poderia acabar à facada, no mínimo. À minha frente, uma moça de quinze anos, perspicaz e incapaz de guardar qualquer segredo. Ao lado dela, a tia solteirona e artista, muito discreta, mas não cega. Ao lado desta, uma divorciada, também discreta, e nada cega. A seguir, uma colega casada e mãe de filhos com quem simpatizo muito e cujos decotes de primavera-verão costumam fascinar-me até ao delírio – e muito, mas mesmo muito perspicaz. Para finalizar, mais uma mãe de filhos, que há pouco tempo me apalpou o braço (escandaleira, carago!). No meio da mesa, um sem fim de pratos com iguarias e umas garrafitas de coisas que fazem bem ao espírito.

 

Foi cansativo, é o que posso dizer. Cada vez que a anfitriã se levantava, era preciso aproveitar para apreciar o movimento da ganga, controlando o marido e as outras mulheres todas e respondendo em tempo útil às inúmeras solicitações para passar o pratinho do presunto ou encher mais um copo.

 

E o que é responder em tempo útil? É receber o pedido para passar o pratinho do presunto e não ficar meia dúzia de segundos de olhar fixo no movimento harmonioso das nádegas da anfitriã, de boca entreaberta da qual escorreria inevitavelmente um asqueroso fio de baba… pickwick

26
Mar12

A malta sem dois dedos de testa

pickwick

Nunca se sabe quando é feita uma nova descoberta. Aliás, a imprevisibilidade é como que um apêndice de qualquer descoberta. É isso que adoça o desafio de descobrir novos mundos, novos conceitos, nova gente.

 

Outro dia, conheci uma moça da minha idade. Elegante, simpática, a transbordar fofura. Que interessante, pensei eu. Conversa puxa conversa, e a seguir à leitura dos livros veio a escrita dos mesmos. Neste alinhamento de conversa, achei por bem partilhar a existência deste blogue, cuja leitura agrada a um núcleo muito restrito de portugueses. Partilha arriscada, eu sei, eu sei…
 
A reacção da moça foi muito franca, por isso louvável:
“Sem comentários… É com estes textos que pretendes editar um livro? Este tipo de literatura não interessa a ninguém com dois dedos de testa, mas como a maioria não os tem, vais vender milhares… tens imensos exemplos em Portugal…”

 

E nunca mais falou comigo.

 

Portanto, existe, nestes comentários, um insulto discreto aos leitores deste blogue, e outro, mais generalizado, ao povo lusitano, que já conquistou meio mundo mas que, nos tempos que correm, prefere ser conquistado e levar uns apalpões no rabo enquanto lhe metem a mão no bolso. Por outro lado, há um claro incentivo pessoal, muito esperançado, à publicação dos textos deste blogue como literatura para gente menos prendada pela Natureza.

 

Se eu escrevesse alguma coisa de jeito, estava condenado ao fracasso editorial. Escrevendo disparates, para gente sem dois dedos de testa – a maioria do povo, o sucesso é quase garantido. Gosto desta abordagem, de facto.

 

Tenho pena que a moça tenha deixado de falar comigo. O verão aproxima-se e eu estava cheio de curiosidade anatómica. Havia, ali, muita qualidade estética. Cabelos longos e escuros. Uma projecção de elegância a curto prazo, assim que ela perdesse os 10 quilinhos que tinha adquirido inadvertidamente. Até estávamos a combinar eu levar-lhe daqui um queijinho da serra, para a ajudar a perder os quilinhos a mais. Depois, só o céu seria o limite.

 

Mas, convenhamos, mesmo sem o blogue, em pouco tempo deixaríamos de ter assunto de conversa, mal ela descobrisse o meu défice intelectual a partir de uma qualquer piadinha sem jeito ou uma abordagem menos convencional ao dia-a-dia. A vida tem destas coisas, destas dificuldades, destes obstáculos.

 

O meu futuro, contudo, é que começa a desenhar-se com alguma nitidez. Será, eventualmente, num relacionamento sério (tipo Facebook) com uma moça sem dois dedos de testa, que faça parte daquela maioria dos portugueses que não têm dois dedos de testa. Ou seja, tendo por base um determinado mito urbano e a teoria das probabilidades, corro sérios riscos de ver subitamente concretizado o meu sonho de namoriscar uma loira! Nada mau! pickwick

15
Mar12

A dieta, a tareia e o rodízio – parte 3

pickwick

Em tempos idos, há duas décadas atrás, a segunda metade dos meus treinos de judo era passada com uma única ideia em mente: sair dali feito galgo, largar o saco em casa, assentar praça no Inhangá, e verter avidamente duas canecas de cerveja gelada. Mesmo quando era inverno ventoso e frio, e tinha que ficar debaixo de uma chuveirada de água gelada para acalmar o ritmo corporal. Não é que seja coisa inteligente de se fazer, mas a mente tem razões que a própria razão desconhece, como diria alguém.

 

Na mesma onda, assim que me vi livre das tareias todas e despachado da passagem pelo topo do pódio, a minha bússola virou o Norte para um generoso prato de carne suculenta, acompanhado por muita cerveja. E não haveria nádegas ou decotes neste mundo que desviassem a agulha da bússola!

 

O imparável desejo concretizou-se com a invasão de um restaurante abrasileirado, para um “rodízio à brasileira”. O vaivém de carnes, a pinça para agarrar a fatia cortada na hora, o feijão preto, a couve, uiiii… Foi a loucura! Ainda por cima, era uma menina brasileira a servir, com um sorriso de orelha a orelha, num exibicionismo bem-vindo da dentuça branquinha. Muito fofinha. Eu estava mais interessado em consumir cerveja desalmadamente e abocanhar toda a carne que passasse a menos de um metro da nossa mesa, mas, ainda assim, consegui prestar alguma atençãozinha à moça. Muito fofinha. Acho que já disse. Não faz mal. A partir de certa altura, um gajo começa a ficar familiarizado com o sotaque brasileiro em tom feminino e solta-se a língua com muita facilidade, mas isso agora não interessa. Pelo menos, até consegui arrancar uns sorrisos e umas frases filosóficas da menina, a propósito da couve, que eu confundi com salada (mania de fazerem tudo verde) e da qual pedi para repetir alarvemente. Quando se tem um buraco negro no estômago, vale tudo, desde salsichas e picanha, até um monte de quinze centímetros de couve. Ah e tal, pena a maior parte das pessoas não gostarem assim de comida saudável, disse ela. E que bem que tu ficavas de biquíni, misturada aqui nas couves do meu prato, pensei eu. Mas uma cervejola e acho que lhe perguntava se podia fazer o favor de despir-se, besuntar-se com molho de pimenta e esticar-se ao comprido na nossa mesa. E as carnes continuavam a vir, umas atrás das outras, até a última fatia ficar a boiar mesmo às portas do estômago. No limite, portanto.

 

Bom, tivemos que dizer adeus à menina e rumar ao Dolce Vita para lavar melhor as vistas durante uma horita e comprar umas câmaras de ar para bicicletas. O centro comercial estava em crise, ao que acrescia alguma inércia ocular da minha parte, devido ao excesso de couve e cerveja. Enfim, são coisas da vida.

 

Pouco depois, e contrariando os planos iniciais, decidi meter-me ao caminho e regressar ao lar-doce-lar. De repente, sentia-me como se tivesse jantado uma saladinha de atum magro, acompanhada com um sumo light. O estômago começou a encolher misteriosamente e o efeito da cerveja estava completamente dissipado. De facto, ao fim de meia hora de viagem, tive que parar para meter mais qualquer coisa no estômago, que já não aguentava a dimensão do buraco!

 

Não sei o que raio se passou, mas andei uns quatro dias com um problema de alimentação. Uma fome insaciável. Ok, fiz uma dietazinha ligeira. Ok, borrei-me todo nos quatro combates, ao ponto de ficar com dores no corpo todo até sexta-feira. Mas, nada disso me parece explicar uma fome permanente, como se tivesse passado um mês a água e casca de árvore numa qualquer selva tropical. Presumo que tenha havido para aqui uma revolução no organismo, das grandes, para ficar naquele estado. Não é normal, quando um gajo acorda de manhã cedo a sonhar com lasanha, come lasanha, imagina lasanha, visualiza lasanha no velocímetro do carro com fios de molho de tomate a fazerem de ponteiro, e adormece a pensar que a lasanha podia levar picante por cima para ficar ainda mais gostosa... pickwick

13
Mar12

A dieta, a tareia e o rodízio – parte 2

pickwick

Quanto eu era jovem e ter cabelos brancos era ainda uma miragem, lembro-me muito bem da adrenalina que antecedia uns animados combates de judo. Era homem para urinar 200 ml em tranches de 10 ml, tantas eram as idas ao WC. Aliás, o número de vezes que urinava era diretamente proporcional ao tamanho das tareias que levava, como que uma forma de o meu subconsciente adivinhar a desgraça.

 

Passados cerca de duas décadas, a coisa está mais calminha. Muito mais. Uma única e discreta visita ao urinol. Fiquei impressionadíssimo comigo mesmo, devo dizer.

 

Esperavam-me quatro combates. Claro que, bem vistas as coisas, podia só fazer o primeiro e ir logo de maca para o hospital, mas, a esperança é a penúltima a morrer. (a última é a barata)

 

Do primeiro combate, pouco me lembro. Por um motivo qualquer, apaga-se-me da memória todos os movimentos e acontecimentos dos meus próprios combates. O Miguel deve ter-se entusiasmado com o início das hostilidades e falhou-lhe a filmagem da coisa, pelo que fiquei sem registo em vídeo. O adversário tinha mais um palmo do que eu e já o tinha defrontado em Outubro, em Lisboa. Continuava assanhado e bruto, o moço. Parece-me que, depois de ter-me tratado como um boneco de trapos nas mãos de um carniceiro, aconteceu-lhe o mesmo que em Lisboa: ficou com os bofes de fora ao fim de dois minutos. E, tal como em Lisboa, aproveitei a exaustão alheia para lhe “fazer a folha” e pumba!

 

No segundo combate, outro calmeirão, cheio de sangue na guelra. A coisa esteve a correr mesmo mal. A determinada altura, fiquei por cima dele e comecei a estrangulá-lo. Eu sei que parece coisa feia, dito assim, a frio, mas o judo tem destas trocas de carinhos. Infelizmente, o homem tinha os braços bem mais compridos do que eu, pelo que conseguiu deitar-me as mãos e começar também a estrangular-me. É como um caçador estar a encher um coelho com chumbo e este responder à pedrada. Não é bom, pronto. Como ninguém morria estrangulado, o árbitro fartou-se e interrompeu. Entretanto, faltava uma meia dúzia de segundos para o combate terminar e eu ia jurar eu estava a perder por uma cagagésima. Em desespero (isto parece um desporto para desesperados), consegui espetar com ele no chão e o árbitro encerrou logo ali o caso. O adversário não gostou da piadinha, bateu com a mão no tapete e guinchou um “que estúpido!”, como quem saltou do avião com a mochila cheia de chocolates em vez de um para-quedas. Pumba!

 

Ao terceiro combate, saiu-me um baixinho, com ar de perigoso. Já tinha as pernas meio a vacilar de fraqueza e provavelmente já nem podia com uma gata pelo rabo. Foi uma estafadeira. Eu bem que tentava atirá-lo ao chão, mas ele estava com um mau feitio tramado, não alinhava no jogo, fazia-se difícil, e, ainda por cima, tentou estrangular-me no chão, o mauzão! Entretanto, à n-ésima tentativa, consegui levá-lo ao chão assim meio de lado e o árbitro pontuou uma lasca de ponto a meu favor. Antes de recomeçar, olhei o cronómetro do painel: 20 segundos para acabar. Se não tivesse nenhum azar até ao fim, ganhava a coisa. Eh pá! Contra os meus princípios, decidi fazer ronha. Para trás e para a frente, tipo jogador de futebol manhoso, como se fosse fazer alguma coisa, mas sem me atrever a tal, e movimentando-me de tal maneira que nem o adversário conseguia fazer nada de jeito. E soou o “gongo”. Pumba!

 

Último combate, com um Filipe, um amigo que treinava comigo há 20 anos atrás, e de quem eu levava porrada todos os treinos. Adivinha-se aqui um factor psicológico muito pesado, certo? O meu treinador ainda veio com uma conversa comigo, ah e tal, tu fala lá com o teu adversário, ele perdeu todos os combates, se perder também contigo, tu ficas imediatamente campeão nacional e coiso e tal. Eh lá, pensei eu, suborno?! Mas ele tem que dar o litro, respondi feito ingénuo. Oh pá, nestas coisas, a gente tem de falar, e ah e tal, voltou o treinador à carga. Entretanto, apareceu o Filipe, com um grande sorriso, coiso, vamos lá? E o treinador, cof cof cof. Havia necessidade destas cenas? Claro que não havia. Como se não bastasse isto tudo, saiu-me uma árbitra na rifa. Gira, gira, gira, com uma vozinha tão sexy, mas tão fofinha, que um gajo fica logo sem condições para andar à porrada. “Hajimé”, disse ela, para dar início ao combate, como quem pede para afastar os lençóis porque está muito calor… (há aqui muita interpretação artística, eu sei, eu sei) Bom, é certo que foi porradinha da feia, com a voz da árbitra a dar música romântica de fundo. O Filipe não parecia nada cansado e eu bufava que nem um touro a cada dois segundos. Tentei aplicar uma técnica manhosa, mas saiu asneira da grossa e ia perdendo logo ali. A seguir, o Filipe também aplicou uma cena manhosa, eu cai-lhe em cima e a menina deu-me uma amostra de meio pontinho. Eu acho que foi muito generosa. Demasiado até. Depois veio o “gongo” e pumba! Ao vermos o vídeo, os meus amigos do peito insistiram na teoria de que a árbitra estava fascinada com as minhas nádegas, ocultas pelo grosso fato de judo. Tenho que concordar, pelo vídeo, que o olhar dela parecia eternamente fixado no volume dos meus glúteos. Cena estranha, realmente. Por falar em nádegas, o único defeito da árbitra era, precisamente, o excesso de nádegas, assim mais para os presuntos do que para as nádegas. Mas aquela vozinha e aquela carinha larocas, deixaram-me a suspirar. Sim, porque, entre cada bufadela, havia sempre espaço para um suspiro.

 

Ainda agora, passada uma semana, o Nando continua a não saber como é que ganhei os combates todos. Ele só me via a apanhar tareias atrás de tareias, sempre a ficar por baixo, em desvantagem. Eu também não sei. Não me lembro. Mas podia procurar a árbitra no Facebook e adicioná-la, assim só para tirar as teimas. Ou, se calhar, não. Podia estar fascinada com a marca do meu fato, cuja etiqueta aparece pouco abaixo do cinto. Sei lá. pickwick

12
Mar12

A dieta, a tareia e o rodízio – parte 1

pickwick

Assim que se acabaram as orgias gastronómicas portuguesas associadas às chamadas “boas festas”, comecei a debruçar-me seriamente sobre a necessidade - eventualmente desnecessária, dependendo da perspectiva – de começar a fazer uma dieta rigorosíssima, a par de um treino físico intenso e metódico, aspectos essenciais para, no início de Março, participar num torneio de judo exclusivo para fulanos com cabelos brancos que julgam que ainda têm vinte anos.

 

Sempre fui uma pessoa meditativa e nunca recuso dedicar o tempo que achar necessário à meditação, pelo que o “debruçar-me seriamente” rendeu muitas semanas. Em especial a questão da dieta. Para alguém que ainda tinha arroz doce e bolo-rei misturado no sangue, havia que perder uns sete quilos, mais coisa, menos coisa, para poder competir na categoria de menos de 90 kg. Com o passar das semanas, a meditação sobre o assunto tornou-se cada vez mais séria, embora limitando-se a isso. Sem balança em casa, pesei-me umas duas semanas antes e não me espantei com os 94 kg. Lindo serviço!

 

Ainda assim, deixei prolongar a fase da meditação, porque é bom pensar seriamente sobre qualquer assunto de relevo. Só na semana que antecedeu o torneio, é que comecei a tentar transformar a meditação em ações concretas, embora muito pouco convincentes, tenho que reconhecer. À mesa, deixei de comer o pão todo logo nas entradas. Com torneio num domingo, só na quinta-feira é que me decidi comprar uma balança cá para casa, por causa das coisas. Na quarta-feira, finalmente, fui fazer uma corridinha desesperada pelos pinhais, trajado com uma combinação sofisticada de indumentárias: calções, calças de fato treino, t-shirt, camisola de algodão, casaco impermeável e camisola de malha polar. Deu para ensopar a vestimenta como se tivesse chovido desalmadamente. Na sexta-feira, apesar de haver oportunidade para ir correr novamente, fiquei na sorna, pois mal podia com as pernas, o que é uma coisa muito inteligente para alguém que está a preparar-se para ir levar umas tareias.


No sábado, lá me achei com forças e meti-me aos pinhais, com a indumentária sofisticada. Ao chegar a casa, depois de um banho, já estava nos 88,4 kg. Maravilha. Ligou o Miguel, eh pá, tens que comer massas e carne porque ah e tal. Fui na conversa dele, mas acordei no domingo com 89,9 kg.

Num acto de soberba inteligência, vesti a combinação mortal e fui correr novamente para os pinhais, desesperadíssimo. Nestas alturas, um gajo dá graças por escolher um percurso sem concorrência, onde é muito improvável cruzar-se com mocinhas a fazer um saudável jogging, o que, a acontecer, seria uma machadada no meu ego, tal era a minha figurinha. Mas, adiante.


Chegado a casa, banho, balança e 88,2 kg. Uffffff!...

 

Com pesagens oficiais às 14h15, foi correr para o carro, passar no supermercado para comprar umas bombas calóricas e rumar a Coimbra, apenas com uma barrinha de cereais e um copo de água no estômago. Eu sei que isto parece coisa de gaja, mas um homem desesperado deixa vir ao de cima a sua mais profunda faceta feminina.

 

As pesagens decorreram num balneário. Coisa de homens, portanto. O problema, é que os quase oitenta atletas participantes tiveram que se pesar na mesma balança, pelo que a confusão era mais que muita. E, nestas ocasiões, os desesperados não usam cueca, não vá uma graminha de algodão a mais catapultá-los para o escalão de peso acima. Não foi o meu caso, confiante que estava na balança de casa, e que bateu certinho com a balança oficial.


A seguir, e até ao início dos combates, lá para as 16h30, desforrei-me em chocolates, barras de cereais e néctares de fruta, para tentar arranjar alguma forcinha de última hora e compensar o desgaste da inteligente corridinha matinal. E fartei-me de rogar pragas a mim próprio por ter deixado para a última da hora esta coisa do peso.

 

Já agora, qual seria o problema de competir no escalão de peso acima? Bom… é que os gajos desse escalão são… como direi… muito pesados, vá… pickwick