Camarões de faca e garfo
Assim como que em jeito de encerramento dos trabalhos antes do verão, a Marília (nome de código) convidou a malta do mesmo departamento para uma almoçarada lá em casa. Prometeram-se umas cervejas, umas carnes, camarão e piscina. Como era tudo boa companhia e não havia mete-nojos, aceitei o convite. Costumo ser muito esquisito e recusar convites destes sem pensar muito, mas, de facto, a companhia agradava-me, após um ano de trabalho.
Mal chegámos, fomos conduzidos para um local com uma piscina real, de fundo azul, cheia de água, com umas sombras e umas cadeiras. Obviamente, começaram a chover reclamações, porque a malta é trabalhadora e não aguenta muito bem ambientes destes que incentivam o ócio. Em resposta às reclamações, a Marília – com aquela boa disposição e descontracção que não sei onde as vai buscar – disse que já vinha e, no breve regresso, apresentou-se com uma bandeja cheia de salgadinhos que ninguém gosta. Pousou a bandeja junto à água, a malta saltou, que nem lobos esfaimados que só comem erva desde Janeiro, para cima da bandeja, abocanhando chamuças, rissóis e empadas.
Ainda eu estava a mordiscar o primeiro rissol de camarão, quando a Marília reaparece com umas minis muito fresquinhas, pousando-as também junto à água. Eu já estava a sentir-me mal por estar a comer um rissol dentro da piscina, com água até ao pescoço, mas as minis foram a gota de água que me fez transbordar a compostura! Ah e tal, oh Marília, a gente assim não aguenta, isto é muito difícil, e coiso e tal, queixávamo-nos nós, de boca cheia e garrafa na mão, batendo os pés como se fossem barbatanas, nadando à vez até junto da bandeja. A Marília não ficou chateada, olhou-nos com um ar condescendente e foi buscar mais umas minis…
Já à mesa, aquilo que se podia prever como um almoço saudável em ambiente campestre, transformou-se dramaticamente num banquete alarve. Já não havia espaço para tanto petisco! Pela parte que me tocou, fiquei imediatamente seduzido pelo balde de camarão cozido. Eu gosto de camarão cozido. No Pingo Doce vende-se já pronto a consumir, o que facilita os momentos de desejo súbito. Toda a gente atacou no camarão. Toda a gente se sentiu como em casa, entre amigos, e comeu o camarão à mão. Menos eu. Logo eu, que sou um gajo cheio de boas maneiras, não arroto à mesa, não bebo cerveja pela garrafa, etc. Camarão, foi mesmo de faca e garfo.
Claro, a malta é jovem a animada e começou logo a gozar com o meu desempenho, como se eu fosse de Lisboa e achasse que os ovos são feitos numa fábrica. Olhei-os de soslaio, com um profundo desprezo técnico pelos comentários, dei meio sorriso amarelo e continuei a tirar a casca com garfo e faca.
Para quem não é adepto de comer camarão com garfo e faca, tenho a informar que é possível fazê-lo ao mesmo ritmo que com as mãos, poupando-se o emporcalhar das manápulas. Aliás, foi mesmo por causa disto que o fiz: não gosto de estar em casa de outra pessoa e ser apanhado numa emergência com as mãos sujas de fezes de camarão. Tal como durmo sempre com umas cuecas vestidas, no mínimo, para não ser apanhado numa emergência todo nu (imagine-se que a casa pega fogo, ou o ex-namorado dela chega de repente, ou…).
Não me recordo de ter comido outra coisa além de camarão. Foi uma coisa tal, que fiquei receoso de andar a defecar camarão durante dois meses! Quando é a próxima? pickwick