Frango morto nas natas
Antes que esqueça, e porque isto se torna perigoso, começo por introduzir os personagens: Mary, Charlie (é gaja, atenção), Philip e eu mesmo. Nomes de código, claro, por precaução. Outro dia, coiso e tal, a Mary manda SMS: ah e tal, a Charlie esqueceu-se de te convidar para vires cá comer um frango com natas. Um convite? Para comer? Hum… que simpáticas que são estas gajas. Ah e tal, é preciso levar alguma coisa? Gelado? Chouriça? Não, temos tudo! E bebidas? Ah, temos cá cervejas! Pronto, então. E lá fui eu, ontem à noite, com a sirene e os piscas e o fogo de artifício do Rover da Charlie a abrir caminho pelas ruelas de uma aldeia beirã cheia de casas de granito. Estacionamento numa aldeia onde as ruas foram feitas à medida para as carroças? Fácil: é mesmo no recinto da Igreja! Muito bem! Muitos carros beatos tem aquela aldeia. Bom, a casa das meninas era de granito, muito bonita, com vista para a Serra da Estrela. Lá dentro, o Philip aquecia-se numa lareira com recuperador de calor com a respectiva porta aberta, enquanto a Mary chafurdava no forno, feita dona de casa. Não fui de modas e saltitei alegremente até perto do forno, espreitando, curioso. Um frango morto repousava num leito de natas a borbulhas. Olha, não era melhor deitares as natas mais no fim? Calou!, respondeu a Mary, sempre tão querida. Então e umas entradas, não há? Porra!, ‘tás aqui ‘tás lá fora, vociferava a moça, já arreliada com a inconveniência das perguntas. Estas foram as primeiras perguntas, mas muitas mais houve. Pois, porque um gajo aceita um convite para ir comer a casa de duas gajas trintonas (que não são lésbicas, note-se), pensando que seria presenteado com um banquete para alarves, com petiscos para a entrada, farto repasto para o meio e deliciosas sobremesas para rematar. Afinal, fui enganado! A Charlie não cozinha. O acordo é que a Mary cozinha e a Charlie lava a loiça. As entradas foram dois pães que resgatei heroicamente de um saco abafado. As bebidas foram uma Super Bock Abadia (exemplar único), uma Super Bock normal em lata que não abri com receio de apanhar uma infecção no estômago por causa da ferrugem da lata, e dois pacotes de sumos esquisitos. O frango morto vinha afogado numa mistela esturricada que em tempos foi um banho de natas. Ao que parece, havia também cogumelos à mistura, mas não dei por nada e a Mary também não encontrou nenhum. Para acompanhar, havia arroz branco, que, por minha insistência e sugestão, ainda passou pelo forno para tentar ganhar uma cor mais saudável que o branco-pálido-morto. A Mary ainda meteu mais arroz a fazer, porque o tacho inicial tinha arroz que dava para alimentar uma criança de quatro anos durante três minutos. Ninguém comeu alarvemente. Bom, eu ainda fiquei mais uns quinze minutos à mesa a enfardar arroz, mas isso agora não interessa. Para a sobremesa, apareceu um gelado Vianeta com ar raquítico e enfezado, do qual sobrou cerca de três quartos, não sei bem porquê. Para acabar em beleza, um cafezinho feito pela Mary. O Philip ia desmaiando de agonia, a Charlie engasgou-se e a Mary acho que se babou um bocado. Sabia mal que se fartava, desculparam-se. Eu não dei por nada e bebi da caneca maior. Não houve digestivo! Mas que m**** de jantar foi este? Hum?! Já não há gajas como antigamente? E estas duas ainda são solteironas, mas eu já estou a ver porquê! Não sabem preparar um jantarzinho agradável para os colegas! Não sabem! Ponto final! Ainda desafiei o Philip, ah e tal, temos que ensinar a estas gajas como se prepara um jantar porreiro, com entradas, um bom assado no forno, bom gelado, etc., mas ah e tal, não contes comigo na cozinha, pá, adiantou o Philip. Sou eu que vivo num mundo à parte? Sou eu?! Bom, ficámos combinados que, depois da Páscoa, juntamo-nos novamente para outro jantar. Desta feita, eu arranjo as entradas, eu faço o jantar, eu trago as sobremesas! Esta malta ainda está a tempo de aprender a cozinhar e a receber os amigos com alguma decência! Mesmo depois dos 30! Carago, oh Mary, nem uma porcaria de uma azeitona?!... pickwick