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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

08
Mar14

A flash of lightning…

pickwick

The word comes from French éclair 'flash of lightning', so named because it is eaten quickly (in a flash) (in Wikipédia).

 

Durante o delicioso jantar com a loirinha, sucedeu um episódio multipolar que me esquivei de relatar, tanto pela sensibilidade da questão, como pela sensibilidade da minha maquineta de batimentos cardíacos. Resumidamente, chegámos à mesa, ela tirou o casaco e eu agarrei no telemóvel para chamar o INEM por causa da imediata taquicardia… mas, a verdade é que não consegui ligar para ninguém, porque a loirinha teve a simpatia de massacrar-me violentamente com o anúncio de que tinha o fecho éclair do vestido encravado e não conseguiu desencravá-lo até cima, pelo que ficou algures… A taquicardia evaporou-se e deu lugar a uma perigosa paragem cardíaca! Por uns segundos, a minha língua descaiu-se pateticamente para fora da boca, esgueirando-se pelo lado direito das beiças entreabertas. Um gajo desligado do mundo dos vivos, ainda que por segundos, nunca consegue segurar a língua. Está comprovado.


Findos uns quantos segundos, alheado e embasbacado no mundo parolo dos semi-mortos, voltei, como que ressuscitado, mas possuído de um gravíssimo Transtorno Multipolar Simultâneo Estagnado! Quando sou possuído por um TMSE, consigo fazer parecer qualquer transtorno psiquiátrico irrecuperável com uma ida à pastelaria. Num TMSE, os Polos do transtorno acontecem todos aos mesmo tempo, mas eu não mexo uma unha. Insólito, eu sei. É um transtorno estagnado, portanto. E assim foi.

 

Polo 1
- Queres que te desencrave isso?
- Consegues?
- Claro, é um instante.
Rodeei a mesa de 2 km e acerquei-me das costas da loirinha, saltitando com a leveza de um elefante de nenúfar em nenúfar, quase me babando com a ideia de esfregar as pontas dos dedos nas costas dela. Ela manteve-se estática, como quem se auto-anestesiou com um pudim. Com jeitinho, deslizei o fecho dois centímetros para baixo. A seguir, devia puxá-lo para cima, com jeitinho, mas, algo me atraía como um buraco negro para as costas dela. Não me aguentei e puxei-lhe o fecho todo para baixo! Ela ainda guinchou que não sei o quê de badalhoco mas eu queria lá saber! Aquelas costas estavam embrulhadas num mega-corpete do século XVII, de cor violeta-claro-choque e cordame cor-de-licor-beirão!!! Quem guinchou forte e feio fui eu! No fundo das costas, uma tatuagem com a letra da canção Ó Laurindinha rematava a surpresa. Ainda passei os olhos pelos ilhós cromados e por uns pêlos estranhos que se esbatiam debaixo das barbatanas de baleia, mas não aguentei mais: atestei o copo com água, subi à cadeira e atirei-me de cabeça, afogando-me dramaticamente naquela imensidão de líquido, como escapatória para a situação tão desagradável.

 

Polo 2
- Queres que te desencrave isso?
- Não faz mal, pode ficar assim, ninguém nota.
- É um instante, conheço uma técnica porreira.
Rodeei a mesa de 2 km e acerquei-me das costas da loirinha, deslizando como que por cima de uma placa de gelo. Descalcei o sapato do pé esquerdo, rodei o tacão para a esquerda e saquei um sabonete Dove com essência de bigodes de camarão. A loirinha olhou para mim, mas, perante o meu ar de infinita sapiência, baixou os olhos para o guardanapo. Com a habilidade manual que resulta de séculos de experiência, esfreguei o sabonete no fecho éclair, para cima e para baixo, meia dúzia de vezes. Entretanto a loirinha começou a balancear a nuca, gemendo baixinho qualquer coisa. Não liguei e passei para a fase de teste do fecho. Incrível! Ficou como novo! Mais um jeitinho e, por descuido, o fecho desceu todo até baixo. A loirinha tossiu.
- Esfrega… sussurrou ela.
- Queres que te esfregue as costas com sabonete?
Grande maluca, pensei eu. Não querendo passar por desagradável, acudi ao pedido. Depois de três passagens nas omoplatas, para aquecer, molhei o sabonete no flute de champanhe com pedaços de fruta e comecei a ensaboar aqueles delicados costados. Ela gemia já com um ruído indisfarçável. A espuma da ensaboadela começava a avolumar-se, escorregando por dentro do vestido. E a loirinha passou-se! Meteu à boca uma mão-cheia de azeitonas com orégãos, mais o pires das manteigas e o guardanapo que embrulhava as fatias de pão, subiu para cima da mesa, assobiou para o fundo da sala e nisto surgiu do nada um cavalo alado branco, com malmequeres pintados nos quartos traseiros. A loirinha montou-se no cavalo (o empregado de mesa até bateu as palmas, que mulher de saia curta a montar a cavalo é sempre aquele espectáculo) e desapareceu pela janela sem partir o vidro. Até hoje, ainda não percebi como é que o vidro não partiu. Duplo, ainda por cima!

 

Polo 3
- Ó miúda! Isso são maneiras de sair para jantar?
- Errr… quer-se dizer…
- Xiu! Mais valia teres vindo de pijama!
- Hein?!
Levantei-me de rompante, amarfanhei a vela que emprestava algum romantismo ao jantar e meti-lhe a língua no pavio. A loirinha abriu a boca de espanto com o “pfffff” da chama a extinguir-se. Rodeei a mesa de 2 km e acerquei-me das costas da loirinha, de cera em punho. Com inusitada habilidade, esfreguei a cera ainda quente no fecho. Quente demais. Alguma cera derretida entranhou-se no fecho, arrefeceu, endureceu, e nem para cima nem para baixo, o raio do fecho. Corri até a uma mesa a alguns metros de distância, onde um casal de namorados se beijava apaixonadamente (a mesa deles era mais pequenina), espetei dois bufardos no moço, rasguei a blusa à rapariga (o sutiã azul-escuro com ursinhos ficava-lhe mesmo mal) e voltei em passo acelerado com uma vela acesa roubada sem que eles percebessem. A loirinha nem se mexia, tal era a atenção e incredulidade com que acompanhava o desenrolar dos acontecimentos. Com a nova chama, derreti a cera do fecho éclair, que começou a deslizar, mas a inclinação da vela acesa deixou escapar uns grossos pingos de cera quente para o fundo das costas da loirinha, que começou a uivar e a chamar-me coisas indelicadas. Veio o empregado de mesa com o balde e a esfregona, em socorro da donzela, e despejou-lhe dez litros de água perfumada com detergente aroma a bosques e framboesas. Para mim, sobrou a esfregona, que o homem entusiasmou-se e quis-me levar os dentes com ela. Nisto apareceu o moço a cuja namorada eu tinha rasgado a blusa, e, não por causa dos bufardos nas mandíbulas que de mim recebeu, mas pelo sutiã descoberto da namorada, encheu-me o corpo de pancada com uma cadeira. Entretanto, a loirinha começou também a bater-me com a toalha da mesa (enrolada, para doer mais), e ainda veio um cão ladrar à janela e a cozinheira a atirar-me com frasquinhos de especiarias. Parecia o fim do mundo. Na falta de alternativa, saí a correr, com pedaços de pano da esfregona entalados nos dentes, um braço entalado com o pescoço entre os pés de uma cadeira e a orelha cheia de orégãos. Nem cheguei a provar o tamboril.

 

Polo 4
- Ó… faxabor! – chamei eu, a ver se o empregado de mesa aparecia.
A loirinha olhava-me, enternecida, certamente pensando que eu ia pedir uma flor bem cheirosa para lhe entalar na orelha ou uma música romântica para dançarmos e abrirmos o apetite para o jantar.
- Diga.
- Tem um lápis?
- Só um momento.
Enquanto o empregado foi buscar o lápis, olhei para a loirinha com o ar mais armado-aos-cágados do mundo, braço direito apoiado nas costas da cadeira, joelho ao nível da mesa… só me faltava mesmo um palito nos dentes, óleo de fígado de bacalhau espalhado no cabelo e um tufo de pêlos negros a espreitar pelo colarinho.
- Aqui tem.
- Obrigado.
Saquei do canivete suíço escondido na peúga, puxei a lâmina e em poucos segundos tinha o lápis mais afiado que um bisturi. Ergui-me da cadeira, como se fosse bater com a testa no tecto, rodeei a mesa de 2 km e em seis passos largos meti-me atrás das costas da loirinha. Ela, paciente, aguardava. Com jeitinho, comecei a esfregar o fecho éclair com a ponta afiada do lápis. O pó de grafite que se desprendeu do lápis, começou a entranhar-se no fecho e serviu de lubrificante natura. Em poucos segundos o fecho ficou como novo.
- Tens umas costas muito bonitas.
- Obrigado!
- Deixas-me ver melhor?
- Claro que não!
- Vá lá, faço-te um desenho artístico de graça.
- A sério?!
- Claro.
- Pronto, está bem…
Já com o passaporte na mão, passei o lápis para os dentes, puxei o fecho para baixo, agarrei-me ao sutiã e desapertei-o com mestria. As costas desnudadas gritavam por uma obra-prima.
- Ai, está frio…
- Xiu! Pede umas malaguetas que isso passa-te já.
Assim que o lápis voltou aos meus dedos, surgiu um casco de cavalo. Seguiu-se o resto do cavalo, uma amazona com molas de roupa nos mamilos, um dragão a chamuscar o rabo ao cavalo, um cachorro rafeiro chamado Crespim a morder as patas ao dragão, uma rã inchada a fumar cachimbo e a declamar a letra da canção “O Rapaz da Bilha” da Cátia Palhinha, e um peru recheado com Bolas de Berlim. Inigualável. Sublime. Coiso.
- Que tal?
- Vai ao WC e vê.
Subi-lhe o fecho até cima e fiquei a vê-la circundar as mesas e as colunas a caminho da casa-de-banho. Assim que desapareceu atrás da porta, tirei a mão detrás das costas, olhei para o sutiã carmim com cachos de bananinhas e cestas de tangerinas, e sorri. Ela não tinha dado por nada. Silenciosamente, esgueirei-me para o fresco da rua, meti-me pela escuridão do mato e, consolado com a nova aquisição, fiz os 30 km que me separavam de casa e da minha sensacional colecção de sutiãs com motivos de frutas, legumes e seres vivos. pickwick

04
Mar14

Second chance date

pickwick

Comecemos pela “first chance date”, algures no início de Fevereiro, poucas horas depois de regressar de uma noite passada na Serra da Estrela dentro de uma tenda, enquanto se abatia sobre Portugal a tempestade Estefânia. Foi na mesa de um cafezinho simpático, a bebericar qualquer coisa quente, a ver fotos num computador e a dar dois dedos de conversa. A loirinha não tirou o casaco-contra-tempestades, porque estava a nevar dentro do café e a queda de um pinheiro de grandes dimensões já tinha escavacado a caixa registadora. Ainda assim, entre um piscar de olhos e meia dentada numa Bola de Berlin imaginária, consegui tirar umas quantas medidas estratégicas ao vestido meio-azul-e-coiso que se escondia debaixo do casaco. Isto é como tirar medidas à unha de um elefante: não é preciso ver o elefante todo para perceber, pela unha, que não se trata de uma minhoca.


Entretanto, o tempo antena terminou, demasiado abruptamente. A loirinha saiu a correr porta fora, eu ainda fui atrás dela, mas veio a Estefânia e levou-lhe o guarda-chuva e uma saca com pão e mais a ela e dois arbustos. Eu só tive tempo de deslizar pela rampa abaixo, entrar de cabeça no carro e zarpar dali para fora, não fosse o céu desabar de uma vez só e estragar-me os piscas do carro.


Apesar da velocidade alucinante a que se passaram os anteriores acontecimentos, forçei-me a estacar corpo e mente por uns segundos, agarrado ao volante, só para que, do fundo das entranhas, saísse um “uau!...”, algo a meio caminho entre a estupefação e as beiças caídas.


Bom, passado quase um mês, surgiu inesperadamente uma nova oportunidade para estar com a loirinha. Sem tempestades com nomes de gajas santificadas, sem sacas de pão, sem correrias. Ontem, mais propriamente.


À hora marcada, e porque não se fazem esperar princesas, plantei-me à porta do prédio dela, dentro do carro, tentando ver qualquer coisa para além do metro e meio por entre as pingas de chuva que tombavam na chaparia automóvel. Fiz-me anunciar por SMS, na falta de clarins e tambores. Ao fim de quase quarenta SMS’s com troca de referências geográficas, consegui perceber que a loirinha, afinal, estava no carro dela, poucos metros mais à frente, com os mínimos ligados quase a ofuscarem-me os binóculos. Ela podia meter um pirilampo dos bombeiros no tejadilho para me chamar a atenção e poupar SMS’s? Podia, mas depois arriscava-se a ter os gatos todos da vizinhança a miarem-lhe e a fazerem-lhe xixi nas rodas. Mais quinze SMS’s e acertámos que eu me transladava para o veículo dela, deixando o meu ao abandono e sujeito a ser vandalizado pelos cães dos vizinhos que também fazem xixi nas rodas.


Em câmara lentíssima, fechei a porta e cumprimentei-a com dois beijinhos nas bochechas, daqueles que se desejava demorarem uma eternidade, ao invés das milionésimas de segundo que a cruel realidade me permitiu. Apertei o cinto e, perante um painel de instrumentos aeronáuticos capaz de envergonhar um Airbus A350, temi pelo pior: a loirinha pressiona um dos milhares de botões iluminados, o motor dá duas bufas, saem asas muito aerodinâmicas debaixo das portas, as jantes das rodas transformam-se em hélices e saímos por aí, pelos céus afora, trespassando nuvens e serpenteando por entre flocos de neve… Felizmente, ou infelizmente, ela engatou a primeira e fomos directos para o restaurante, conforme combinado, deslizando muito conservadoramente pelas estradas de alcatrão.


A loirinha, que nos tempos livres poderia desempenhar papéis em filmes de cowboys italianos, escolheu uma mesa posicionada a jeito de sacar do seu Colt Peacemaker 45 e com três nacos de chumbo quente estragar a dentadura ao primeiro atrevido que entrasse e arreganhasse as beiças. Eu sentei-me do outro lado da mesa, quase a dois quilómetros.


Depois ela tirou o casaco e eu agarrei no telemóvel com as minhas mãos trémulas, prontinho para chamar o INEM assim que a minha imediata taquicardia passasse a perigosa fasquia dos 300 batimentos por minuto. Porque, entre o casaco e a pele, a loirinha tinha trazido um vestido coiso-e-meio-azul, justinho ao corpo, a terminar o tecido 3/4 de palmo acima do joelho. Pareceu-me reconhecer o vestido de há quase um mês atrás, mas, sinceramente, bem que o pode trazer novamente num próximo encontro, e nos seguintes, se Deus for grande e os houver, que eu só tenho a agradecer. O meu coração é que se queixa um bocadinho, mas dou-lhe meio bife de picanha crua para se acalmar e pronto.


Nisto, descubro-lhe um piercing em jeito de diamante, cravado nas goelas. Pensei logo: Ai! Ó mulher de Deus! Que foste fazer? Isso não te prende a comida a descer pelo esófago? E não cria ferrugem quando bebes água? É nestas ocasiões que o silêncio vale ouro. Antes de fazer estas perguntas idiotas, fiz uma pausa silenciosa, inspecionei melhor o assunto e percebi que, afinal, não era um piercing, mas um singelo colar com um brilhante. E safei-me de levar dois pares de estalos e ficar mal visto.


Bem, entretanto, veio o momento de escolher a ementa. Ela tinha-me confidenciado que gostava muito de comer, e que, efectivamente, comia muito, pelo que achei que nem valia a pena abrir a carta com as ementas e podia partir logo para o disparate, pedindo uma vitela inteira cortada às postas, um saco de 40 kg de batatas assadas e dois litros de natas para pincelar a carne. Mais uma vez, uns segundos de pausa silenciosa antes de abrir a boca, e safei-me de boa: ela anunciou que preferia peixinho. E pedimos arroz de tamboril com gambas.


As duas horas seguintes foram de pura tortura! Duas horas a arreganhar a toalha da mesa com as unhas, para chegar mais perto dela ou a trazê-la mais para perto de mim… sem sucesso! Duas horas a controlar um impulso insano de saltar por cima da mesa e enchê-la de beijos, equilibrando-me com um joelho dentro da terrina do arroz de tamboril e o outro em cima de um caroço de azeitona perdido. Duas horas a evitar uivar para o teto da sala, escondendo na linguagem do uivo todos os elogios àquele corpo que me estava a matar de deslumbramento. Duas horas a tentar adivinhar qual seria o aroma daquele pescoço fofinho que se erguia acima do vestido. Duas horas completamente nas nuvens. Enfim.


Depois chegou a hora, ela levou-me de volta ao meu carro de jantes lavadas do xixi dos cães com a água da chuva, a despedida com dois beijinhos-relâmpago naquelas bochechas de pele-rabo-de-bebé, e lá fui eu… a arfar… a tentar discernir se aquele jantar tinha mesmo acontecido, se a loirinha era mesmo aquela loirinha de há minutos atrás, que quase ainda sentia o gosto da pele dela nos meus lábios, se… coiso… Há dias em que um gajo fica mesmo desorientado de todo. Este, terminou assim. pickwick
 

21
Abr13

Deslumbramentos

pickwick

Era sábado e a Honda estava com uma campanha de coiso e tal e portas abertas, check-up à borlix. Aproveitei, marquei audiência com o mecânico, e lá fui. Seria uma ida pacífica, não fosse ser atendido pela menina do stand, uma trintona que, por ocasião da compra da mota, já me tinha deixado extraordinariamente bem impressionado, com as suas calças pretas justas e um corpo muito bem conservado para a idade, tendo em conta já ser mãe. Desta feita, mesmo conversando do outro lado do balcão, deu para perceber de relance que havia perdido uns estratégicos quilinhos deste Setembro do ano passado. Nada como umas boas calças de ganga para tirar medidas. Estava simplesmente deslumbrante! Podia ter-se ficado por ali, atrás do balcão, permitindo apenas um fugaz olhar inspectivo. Mas, não. Saiu de trás do balcão e foi buscar a minha mota. Fui atrás dela, como que robotizado. Pegou na mota e empurrou-a os metros que faltavam até à oficina, comigo atrás, muito totó, só me faltava mesmo andar como um robô a babar óleo lubrificante pelas juntas das beiças. Que figurinha triste. Depois adeus e até qualquer dia.

Isto foi de manhã.

À tarde, apanhei boleia do Carlos e fomos à Guarda, supostamente para almoçar com a Liliana, conforme combinado. Ela tratava dos sólidos e nós dos líquidos. Depois de trepar pelas escadas a um quinto andar com uma arca cheia de gelo, água, Lambrusco e cervejas, tive uma folga de minuto e meio até a Liliana abrir a porta do apartamento. Foi a porta abrir e o oxigénio a varrer-se dali para fora em tons de salmão. Aquele sorriso bem disposto, os caracóis arruivados, um vestido curtinho cor de salmão e uma meia preta fantasiada a subir por umas pernas esculpidas em pura fibra.  Mais uma cinturinha onde apetece meter as mãos e uma inflamação pulmonar na medida adequada. Acho que me descuidei e houve um lapso de tempo em que não consegui reagir como uma pessoa normal. Lá está: falta de oxigénio.

Nos minutos seguintes, enquanto a Liliana acabava de preparar o almoço, metendo no forno um petisco manhoso (mas delicioso) com pão e legumes salteados e fazendo uma saladinha, virada de costas para nós, eu debatia-me com um dilema sério: se devia, ou não, ir ao pé dela e susurrar-lhe ao ouvido “oh mulher de Deus, mas eu fiz mal a alguém para estar aqui neste sofrimento, com a vista quase inutilizada de tanto te tirar as medidas?!”

Optei pelo silêncio e por um sorriso amarelado de quem já está no limite do sofrimento mas não quer dar parte fraca da coisa. Foi assim, até depois da meia-noite, quando nos despedimos e viemos embora, finalmente. Foram demasiadas horas a ferir a vista. Se ela tivesse engordado uns 20 kg, tudo seria mais fácil. Mas não, continuava com aquele corpinho de fazer engolir em seco. Podia ter vestido umas calças largas? Podia, mas acho que não tem.

Quase no final da tarde, a Liliana achou que eu ainda não estava a sofrer o suficiente. Sei lá, ainda não tinha caído para o lado com um colapso cardíaco ou coisa que o valha. E, vai daí, do outro lado da SportZone, chama-nos para avaliarmos as calças de licra que queria comprar para usar no ginásio. Completamente coladas ao corpo, como que uma segunda pele. Deviam ter um nome técnico, mas o cérebro parou-se-me. Primeiro o modelo em roxo-choque. Depois o modelo em preto. Então, que tal? 360º para podermos tirar as medidas. Eu queria bater palmas como os leões-marinhos no zoo, mas estava com uma electrocussão sanguínea entre a unha do dedo grande do pé direito e um dos dentes caninos que teimava em abanar sozinho. Nem uivar conseguia.

Comecei a ficar chateado. Não sei explicar porquê. Qualquer coisa como estar em jejum forçado quase há três anos numa ilha deserta e aparecer um chef abrigado no interior de uma versão anfíbia do papamóvel, acenando-me com uma torrente de petiscos e sobremesas para que eu fizesse um comentário imparcial e cientificamente bem fundamentado sobre o seu repertório gastronómico.

Quem é que se lembra de fazer uma coisa destas? Só alguém com muita maldade na mente. Minutos mais tarde disse isso mesmo à Liliana, para ver se ela caía em si, mas respondeu-me com um daqueles seus sorrisos bem dispostos e indestrutíveis. Era para continuar a sofrer, sim. Até ao fim. pickwick

24
Mai12

Peito de franga

pickwick

A Nélia (nome de código) hoje apareceu completamente deslumbrante, nos seus 170 cm de altura, vestido preto até um palmo acima dos joelhos, com aqueles magníficos olhos azuis e a juba nitidamente viking. Os bafos de calor proporcionam momentos assim.

 

No entanto, as coisas dentro de casa ainda “soam” a um início de primavera.

 

Quando a vi, ainda pensei, ah e tal, vamos lá ver se não me chama para nada. As gajas, onde eu trabalho, passam a vida a chamar-me para resolver problemas técnicos com maquinaria sofisticada, incluindo a caça aos bichos virulentos. Com a proximidade do verão, um gajo tem que se mentalizar que vai apenas resolver problemas técnicos, e não vai aproveitar-se das oportunidades para deitar o olho onde não é chamado.

 

E, pronto, a Nélia lá fez o favor de me chamar. Um gajo aproxima-se, com aquele ar altamente profissional, a transpirar preocupação e generosidade, faz um esforço hercúleo para concentrar a linha de vista no objecto do problema técnico, mas, infelizmente, em poucos segundos sucumbe vergonhosamente à tentação, qual fracote a agachar-se perante o feroz rugir de uma meia-leca de gato vadio.

 

Nestes momentos, devia fazer-se uma pausa breve para agradecer o facto de termos os olhos presos ao crânio e o dom de nos equilibrarmos instintivamente. Porque, caso contrário, os meus olhitos hoje teriam saltado para lá das bochechas e caído milimetricamente no meio do decote da Nélia, escorregando por ali abaixo e escondendo-se no umbigo, grunhindo de prazer: uiii!... qu’é tão bom!... Caso contrário, teria simplesmente tombado para cima dela, partindo-lhe os ossos do tórax com o peso farto do meu corpo. Obrigado! Obrigado!

 

Descobri o quão sexy é a “pele de galinha” numa mulher. Fica-lhes bem, sei lá. E assim estava o peito da Nélia. Uma perfeitinha e deliciosa “pele de galinha”. O decote, atenção, não era muito. Não era daqueles decotes do tipo ui-onde-é-que-foram-parar-os-mamilos, em que a área descoberta é tanta que se estranha a invisibilidade dos ditos. Nada disso. O decote da Nélia era sensual, mas discreto. Todinho feito de uma “pele de galinha” que apelava ao conforto de um toque masculino. Um gajo não pode chegar a “vias de facto”, nem pode deixar cair o queixo a escorrer um fio de baba. Um gajo tem que ser forte. E a melhor forma de um gajo ser forte, é fugir. Ah, pois é! Quem diria?... pickwick

05
Abr12

Do Japão para as Docas

pickwick

Num belo domingo, fui até uma capital de distrito para jantar com a Liliana. Já andávamos a tentar combinar este jantar desde mil novecentos e tal, e, finalmente, chegou o momento. Tirei a roupa empoeirada com terra solta e algum estrume, banhei-me, barbeei-me, vesti uma roupa desapropriada para quem está acampado, e meti-me ao caminho. Assim, de repente, ninguém diria que o dia tinha sido de trabalho rural.

 

À hora combinada, lá me encontrei com a Liliana, no sítio do costume (só houve uma única vez prévia, mas fica sempre bem dizer isto assim). A coisa começou a correr mal logo ali. Ela podia ter aparecido de calças de ganga? Podia, claro. Mas, não. Eu acho que ela tem um “quê” daqueles torturadores medievais dentro de si. Em vez da ganga, apresentou-se de vestido preto, curto, meias fantasiadas e sei lá mais o quê que não consegui reparar porque só estava preocupado em tentar convencer-me a mim próprio de que começar a uivar ali mesmo não seria uma ideia muito feliz. Nem que fosse entredentes. Aproximamo-nos, beijinho, ui que cheira tão bem, vestido curto e salto alto. Isto do salto alto é que… enfim… com um bocadinho de laca no cabelo e ultrapassava-me em altura. Medo!

 

Por esta altura, eu já começava a dizer mal da vida. Embora a minha roupagem passasse despercebida em qualquer cidade, o mesmo não se poderia dizer do meu bólide, todo porcalhão, manchado de terra misturada com pingos de uma chuvada recente, com meio quilo de poeira a dormir a sesta no limpa-vidros traseiro. Vergonhoso, eu sei, mas já era tarde. Eu podia deixar a Liliana ali um bocadinho à espera e ir a correr lavar o carro numa estação de serviço. Podia. Ou podia pedir encarecidamente à Liliana para ir a correr trocar o vestido por umas calças rotas que melhor condissessem com o aspecto rural do meu carro. Podia. Mas, por vezes, mais vale ficar quieto.

 

Ela pareceu não se importar muito com o contraste e entrou para o carro. O ambiente ficou pesado. O habitáculo encheu-se com o perfume dela e, por momentos, pensei para comigo que já poderia começar a uivar, uma vez que ninguém me ouviria, à excepção dela. Poderia, mas não comecei. Se começasse, é provável que acabasse a jantar sozinho. Mas, isso agora não interessa.

 

Por sugestão da Liliana, fomos até ao Japão. Foi a primeira vez que entrei num restaurante japonês. Sempre me esquivei aos restaurantes japoneses, para não ter que me sujeitar a comer “sushi”, uma espécie de carapau gigante, totalmente cru e com os olhos ainda a revirarem-se de sofrimento pela falta de água. Eu já não sou apreciador de peixe, mas, peixe cru, só se estivesse um mês inteiro à deriva num qualquer oceano, em cima de uma frágil jangada, naufragado sabe-se lá de quê. E, mesmo assim, seria apenas uma petingazinha, sem rabo. Bom, adiante.

 

Sentámo-nos e a Liliana começou a tirar o casaco. Apoderou-se de mim um pânico tridimensional! Ambiente pesado, novamente. Como qualquer cidadão sabe, quando uma mulher tira o casaco que veste por cima de um vestido, está lançada a confusão! De um impulso, estive prestes a saltar para a Liliana e gritar-lhe “não! não dispas o casaco, por favor, poupa-me!!!”, mas, numa fracção de uma cagagésima de segundo, pude constatar que o vestido não tinha decote. Foi um grande alívio, tenho que confessar. Um “obrigado, Deus meu” escapou-se-me debaixo da língua, muito baixinho. Comer “sushi” de frente para um decote, daria asneira pela certa: de certezinha que, em alguma altura, me engasgaria inadvertidamente e ficaria com meia posta de carapau cru entalada numa das narinas.

 

Não sabia que nos restaurantes japoneses se podia fazer batota com os pauzinhos! Nunca tinha visto tal coisa. Um pedaço de cartão e um elástico a segurar os pauzinhos? Francamente! Assim, até com Parkinson avançado eu conseguiria levar à boca uma bola de gelatina untada com manteiga dos Açores. E logo à primeira!

 

Entretanto, vieram duas cervejas chinesas, “Tsingtao”, marca bem conhecida da minha juventude. Portanto, um gajo vai a um restaurante japonês, e tem que beber cerveja da concorrência. Acho que sim, que assim vão longe. Dois dedos de conversa e apercebi-me de um factor de desassossego que podia comprometer todo o jantar. Não havia decote, mas o vestido da Liliana deixava-lhe os braços nus. Uns espectaculares braços, de musculatura na medida certa, sem qualquer vislumbre de flacidez, simplesmente dignos de uma apreciação prolongada. Mas onde é que ela foi buscar aqueles braços? Ah, pois é, o ginásio… Já tinha com que me entreter durante o jantar, pensei para comigo, desde que não me começasse a babar e não perdesse o fio à meada da conversa.

 

O repasto foi outra novidade: rodízio à japonesa. Isto é, a senhora ia levando travessas para a mesa e a gente ia comendo. Nada a opor. Por fim, chegou o famoso e temido “sushi”. Afinal, não era carapau. À primeira vista, pareciam postas de arroz (?!), embrulhadas em pele de peixe-espada preto (?!), com umas coisas suspeitas no centro (definitivamente suspeitas). Perfeitamente comestível. Ainda existo para contar esta história, por isso, não há que recear.

 

A determinada altura, acabou-se a rodada de comida. A senhora veio à mesa para saber se queríamos mais qualquer coisinha para comer. Ainda me passou pela cabeça um suculento naco de picanha a ser fatiado à facada ali mesmo. A Liliana não se deixou intimidar. Pegou no menu e toca a encomendar mais uns petiscos. Eu acho que ela tem um buraco no estômago por onde se escapa metade da comida que ingere. Só pode. Pela minha parte, que sou homem dado a sacrifícios e causas, acedi prontamente ao seu desejo incontrolável de repetir alguns dos petiscos, concordando com todas as suas escolhas. Temos que lá voltar. Eu era gajo para me habituar à comida japonesa. Desde que na companhia certa.

 

Quando tudo parecia estar a correr bem - conversa agradável, companhia interessantíssima, comida engraçada e sem carapaus crus -, a Liliana lembrou-se de ir ao WC. Levantou-se e foi. Costuma ser assim, eu sei. E quase que tive que untar a testa com um restinho da sobremesa de gelado de chá verde, para arrefecer a imaginação. Aquele vestido preto e curto, a deslizar por ali fora… aquelas pernas perfeitinhas e exclusivamente feitas de fibra… aquela figura… eu nem queria reparar nos glúteos, mas acho que fui traído pela sinalização fluorescente das ancas. Credo! Que desorientação! Um gajo morde os lábios, geme um bocado, franze o sobrolho num solitário sofrimento e suspira…

 

Do Japão, a Liliana quis levar-me para as “docas”. Sem estivadores e sem o pivete a pescada e sardinhas. Um barzinho simpático, com umas cadeiras em jeito de sofás, coloridas. As mesinhas davam pelo joelho, a Liliana estava com o seu vestidinho curto e meias fantasiadas e eu juro que só olhei umas três ou quatro vezes! As torturas medievais foram coisas de meninos, quando comparadas com o que eu sofri, ali, durante mais de duas horas, ora pernas para a esquerda, ora pernas para a direita, ora cruza, ora descruza. Um gajo tenta manter o pensamento numa rota, orientado pelo desenrolar da conversa, mas é constantemente atropelado pela imaginação fértil, qual manada de búfalos completamente descontrolada. Às tantas, desligaram as luzes e demos conta que nos estavam a meter na rua. Pudera, duas da madrugada! Um gajo, quando é para sofrer, ao menos que seja “à homem”, durante horas a fio, sem tréguas.

 

E, só por causa disso, ainda prolongámos a conversa, já no carro, até lá para as três da manhã. Com a agravante do perfume. Uma tortura desmedida, é o que eu digo. Depois de a Liliana se ir embora, num singelo adeus, ainda tive que me submeter a três vergonhosas tentativas para sair da cidade pela saída correcta para o meu destino, uma mão no volante e outra a trocar SMS com a Liliana (mas a malta não tinha terminado a conversa? às tantas, nem por isso…). Quase que fui parar a Marrocos, tal foi o nível das tentativas. Por fim, lá para as quatro da madrugada, cheguei à tenda. A suspirar. Oh, vida! pickwick

 

10
Mai10

Quase como na Califórnia

pickwick

Já não tenho a certeza se a cena padrão se passa na Califórnia, ou noutro qualquer pedaço de terra americano à beira-mar, mas, o que interessa mesmo, mesmo, mesmo, é a jovem senhora em trajes mais ou menos provocantes, passeando o seu cãozinho. A parte do “mais” provocante, é aquela em que o calçãozinho, em virtude das suas dimensões, se confunde com uma cuequinha tanga. A parte do “menos”, é aquela em que o calçãozinho ah e tal, que linda bochecha. Se, em vez do cãozinho, fosse uma fatia de pizza a ser arrastada pelo chão, o efeito era o mesmo, apenas com o inconveniente de a fatia de pizza não parar estrategicamente junto às palmeiras, o que impediria os mirones de apreciar e ajuizar o aspecto estático das nádegas.

 

Na versão que me traz aqui hoje, a menina de 25 anos saiu de um automóvel de cerca de 18000 euros, no parque de estacionamento do Pingo Doce, de trela na mão. Alguém mais também saiu do automóvel e foi às compras. Na ponta da trela, uma bola de pêlo. E eu também fui às compras.

 

Embora a descrição do parágrafo atrás pareça nu de assunto, tenho a dizer que, na realidade, a saída da menina do automóvel e a sua apropriação da trela e do cão, teve muito assunto. A menina, vestia um vestido de pano fresco e leve, de cor branco-sujo polvilhado de flores, a terminar meio palmo acima do joelho. Acontece que, na empenhada tentativa de retirar o cão pela porta de trás, a menina teve que se inclinar para a frente. E acontece que, com este singular gesto, deixou a descoberto o fim de um par de meias transparentes, identificado por umas ligas de cor suspeita (algo entre o bordeaux e o castanho), aparentemente sem suspensórios, localizadas dez centímetros abaixo da linha da cueca (por estimativa).

 

Entrei pelo supermercado dentro com aquela boa disposição que se pode imaginar, fascinado pelo mau gosto que originou a combinação foleira de um vestido pindérico, tipicamente usado pelas donas-de-casa quando vão à horta colher cenouras e couves, com umas meias suspensas por vistosas ligas. É como usar uma tanga igual à do Tarzan dos anos 30, feita de um pano de limpar loiça, com umas botas de cano alto cravejadas de diamantes e safiras.

 

Ao regressar ao carro, de saco na mão, reparei que a menina andava a circundar o parque de estacionamento, de trela na mão, com o vento a agitar atrevidamente a parte inferior do vestido.

 

Depois disto, passei um fim-de-semana a tentar explicar a dois amigos que só existem dois tipos de mulheres: as que não regulam bem da cabeça, e as que regulam bem. pickwick