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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

29
Jan11

A decadência do império

pickwick

À semelhança de anos anteriores e mantendo uma tradição com mais de uma década, a passagem de ano 2010-2011 foi protagonizada na Serra da Estrela. Isto dito assim, até parece que costumo alugar uma cabana encravada numa encosta serrana, com todas as condições conseguidas pela civilização: frigorífico para o champanhe, banho quente com hidromassagem, sofás, TV plasma com acesso via satélite, cozinha equipada, aquecimento central, lareira (para a fotografia), isolamento térmico, janelas com vidros duplos, alpendre para apreciar o pôr-do-sol, cagadeira da Roca, micro-ondas, forno típico a lenha, lava-loiças com água quente, e por aí fora. Ou não.

 

Bom, a verdade é que, por uma questão de tradição, a cabana foi apenas um toldo de plástico. A 1700 metros de altitude.

 

Há pequenos sinais que indicam a proximidade da “decadência do império”. Nesta passagem de ano, em particular, abundaram os sinais!

 

1. Começou logo com uma travessia atribulada de um ribeiro de água fresca e furiosa, acabadinha de brotar das profundidades da montanha. Parecia que tudo escorregava. Lá vai o tempo em que a malta não se quedava a sondar os calhaus e fazia-se ao leito sem se incomodar em molhar o pezinho. Infelizmente, já vamos na fase em que tentamos atirar a mochila para a outra margem e damos a mãozinha a alguém com menos idade que nos ajude a saltitar delicadamente de calhau em calhau.

 

2. De seguida, sofri um profundo ataque de Alzheimer, quando quis reencontrar um trilho que nos levaria ao destino. Apesar de já ter feito o dito duas vezes em 2010, aparentemente como que desapareceu do terreno. Após mais de duas décadas a calcorrear a Serra da Estrela no inverno, de mochila às costas, um gajo simplesmente tem um varrimento de memória e não encontra um caminho. É triste.

 

3. A montagem do abrigo para passar a noite sempre foi aquela aventura bem sucedida, seja a chover, a nevar, de noite, com ventania, com gelo, com frio, com tudo. E sempre – mas sempre! – o abrigo ficou um luxo, com paredes, impermeável, aguentando tudo e mais alguma coisa e proporcionando um conforto impensável. Desta vez, era só mesmo o terno pôr-do-sol, sem qualquer agrura da natureza. Ainda assim, o abrigo ficou uma coisa esperta, desengonçado para um lado, sem portinhola à maneira, sem fio para pendurar as cuecas e as lanternas. Ficou tão mal feitinho, que acordei às 4h da madrugada com as costas todas ensopadas (idem para o saco-cama), e nem sequer chovia.

 

4. Durante alguns anos, protagonizámos uma excepcionalmente bem conseguida técnica de proporcionar calor e luz dentro do abrigo, recorrendo a um prato metálico, cera de velas e um grande saco de amendoins. É algo tecnicamente muito à frente, pelo que me escuso de entrar em pormenores. Desta vez, quisemos ir um bocadinho mais à frente, e acabámos todos intoxicados com a fumarada, sem vermos um boi à frente do nariz, tendo que abrir as fraldas do abrigo para sair o fumo e entrar o gelo da noite.

 

5. Para animar a malta, decidimos evoluir no que diz respeito ao conceito e métodos para refrescar as bebidas para o jantar. Habitualmente, as garrafas ou ficam a refrescar naturalmente ao ar gélido da noite, ou metemo-las na neve ou num ribeiro. A tentativa de evolução passou por colocar as garrafas no ribeiro, presas com um longo fio de sisal cuja outra extremidade ficava à entrada da tenda. Testámos a técnica, inclusivamente filmámos o teste, em jeito de Bear Grylls, com a garrafa a deslizar suavemente desde o ribeiro até à entrada do abrigo. Pena que, na altura devida, em pleno jantar, a garrafa encalhasse no primeiro tufo de vegetação, sendo necessário sair do abrigo descalço para dar uma corridinha e desencalhar a dita cuja, resmungando com o fracasso da técnica.

 

6. Todos os anos, a vida em campo acaba mais cedo. Assim que anoitece profundamente, metemo-nos no abrigo, assamos as chouriças, esvaziamos os tintos e as cervejas, petiscamos mais qualquer coisinha e, eventualmente, jogamos qualquer coisa. Na falta de jogo, batemos uma sestinha até tocarem os despertadores a poucos minutos da meia-noite. Ora, desta vez, não houve despertadores. Não sei porquê. Pode ter sido do fumo que nos deixou atordoados. O resultado, contudo, resume-se em poucas palavras: às 10h da manhã do dia 1 de Janeiro, quando finalmente acordámos todos, abrimos o champanhe, fumámos os charutos e festejámos o novo ano de 2011, como se fosse a coisa mais natural deste mundo.

 

Estes sinais são, sem dúvida, o indício de que se aproxima velozmente o fim do “império”. Foram situações que revelam decadência pura. Dantes, não éramos assim! Dantes, havia para cima de uma dezena de garrafas de líquidos poderosos, como uísque, Pisang Ambon, licor disto e daquilo, mais uísque, e por aí fora. Hoje em dia, é cerveja, um tinto para disfarçar, e só não levámos sumo porque aí seríamos até enxovalhados pelas vacas que pastassem por perto! pickwick

02
Jan08

Uma barraca na neve

pickwick
Depois do repasto muito calórico do jantar do dia trinta, e da noite passada ainda na civilização, seguiu-se a viagem até à Serra da Estrela, tardiamente, como manda a tradição. Os carros ficaram à beira de uma casa de férias no Covão da Gaja (nome de código para um local algures no coração da serra). Subimos encosta acima, em direcção à Torre, pisando as primeiras placas de gelo. Um uísque viria a calhar. A malta começa a já não ter idade para estas aventuras cansativas. Esteve um sol de escaldar nesse último dia do ano. Quase que dava para as miúdas andarem de biquíni – e creio que só não andaram por uma reles questão de moda. À medida que subíamos em altitude, aumentava a quantidade de neve por todo o lado. É bonito andar na neve, com a mochila carregada com o saco-cama, o cobertor, a colchonete, os toldos, as bebidas que fazem rir, os petiscos, as meias, o rolinho de papel higiénico, as velinhas e a lanterna. É bonito enterrar a bota na neve e entrar meio litro de neve pelo cano da bota dentro. É bonito cair na neve. É bonito estar distraído e levar com uma bola de neve. É bonito saltar um ribeiro e enfiar um pé lá dentro, por engano. É tudo muito bonito e eu gosto muito e é muito giro. Quando já se avistava as “bolas da Torre” – esse mítico símbolo fálico serrano –, chegámos ao destino: um buraco plano, do tamanho de um campo de futebol, completamente coberto por um manto branco de trinta centímetros de neve, atravessado por um ribeiro, fora de vista de qualquer ponta de civilização. O local ideal para uma passagem de ano com os amigos. Longe de tudo e de todos. Com uma técnica apurada ao longo de anos de experiência, lográmos montar uma barraca à cigano, mesmo em cima da neve. Uma obra magnífica, de piso único, capaz de albergar cinco boémios e três boémias, mais os seus pertences, a mesa para o jantar, a sapateira, o salão de jogos, a iluminação, a arrecadação, a adega, a cozinha, os quartos e a despensa. Um luxo! Ainda se conseguiu erguer uma parede de protecção contra o vento, feita com enormes paralelepípedos de neve, ao bom estilo esquimó. À fogueira secou-se a roupa, aqueceram-se os corpos fustigados pelo frio da noite, e assaram-se as chouriças (aromatizadas com o fedor do vapor que se libertava das meias). Aproveitando a paisagem e o local privilegiado, tiraram-se fotos artísticas depois do sol se pôr. Umas mais artísticas que outras, claro. Tenho a reclamar a inexistência de sinalização indicando o trajecto do ribeiro que atravessa o local. Por causa desta falha, em certa ocasião vi-me inesperadamente com uma perna enterrada por completo – até aos túbaros, como se diz – na neve, e a bota (e o respectivo conteúdo) mergulhada na fresca água do ribeiro. Ui, tão bom! Por falar em “bom”, é bom relembrar a sorte que tivemos por haver aquele manto branco de pureza. É que toda aquela zona está infestada de poios e caganitas de cabra. Poios, para quem não sabe, são amontoados artísticos de bosta de vaca. Assim, ficou tudo soterrado pela neve. Sorte a nossa. Para a maioria. O mesmo não se pode dizer dos gulosos que meteram à boca duas ou três rodelas de chouriça que haviam caído ao chão naquela zona em redor da fogueira que não tinha neve… Por falar em poios, pouco antes de cair definitivamente a escuridão, fui acometido por uma vontade súbita de defecar – assim uma daquelas coisas que, ou se trata do assunto rapidamente, ou nos salta um poio por uma orelha e outro poio por uma narina. Atravessei cem metros de neve e agachei-me atrás de um penedo. Olhei melhor em redor e reparei que o penedo tinha uma saliência mesmo a jeito de eu apoiar uma das bochechas do rabo. Portanto, em jeito de resumo, defequei que nem um rei, a mil e novecentos metros de altitude (mais metro, menos metro), sentado, com as botas enterradas na neve, a apreciar uma paisagem fantástica desta nossa natureza. Este tipo de prazer, não é para todos! Ui, tão bom! Entre o jantar, que acabou cedo, e as comemorações e festejos da passagem de ano, ousámos desafiar a tradição e mantivemo-nos acordados. Valeu-nos o Trivial Pursuit, edição Genius, à luz das velas. Valeu-nos a santa ignorância generalizada, pois, ao fim de várias horas de jogo, havia apenas uma equipa com uns extraordinários dois queijos! Tínhamos ali matéria para ficar a jogar até ao fim da tarde do dia seguinte! Depois, quando se ouviram os primeiros foguetes no ar, lá ao longe, o Daniel fugiu com a garrafa de champanhe para cima de um penedo a uns cem metros da barraca e tivemos que ir todos atrás, pelo meio da neve, naquela escuridão, com o ar frio a coçar-nos a pele, porque ah e tal, é meia-noite, e não sei quê. Resultado: a garrafa voltou cheia para a barraca, que ninguém se atreveu a fazer mais do que beijar o gargalo e fingir que emborcava meio litro de penálti. Para o próximo ano, ficam, desde já, duas sugestões:
1. Nada de fogueiras, senão o pessoal fica a brincar aos ciganos e ninguém janta em condições.
2. A garrafa de champanhe fica presa ao mastro da barraca com uma corda, para ninguém fugir com ela para local ermo e frio. pickwick
23
Jul06

Mariolas

riverfl0w
“Monte de três pedras sobrepostas que, em certas serras ínvias, indica a direcção a seguir”. É assim que diz o dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora, edição de 2003. Para quem não sabe, “ínvia” quer dizer “em que não há caminho”, ou “intransitável”. Resumidamente, as mariolas são uma espécie de marcos deixados pelos pastores nas serras, feitos com amontoados de pedras, para melhor seguirem com os seus rebanhos, especialmente quando a neve cai e não se vêem os trilhos. Essa teoria das três pedras é uma grande tanga, porque há mariolas do meu tamanho! Normalmente, levam a qualquer lado. Bom, mas eu estou aqui para revelar a verdade sobre as mariolas. Isto de serem marcos para indicar caminhos a seguir é uma cena muito abichanada, tipo escuteirinhos em calções e a cantarem e ah e tal e mais não sei o quê. Eu quero contar a verdade sobre as mariolas! Toda a verdade! Sem medo, nem receio de represálias! Vamos lá, então. As mariolas são símbolos fálicos. Fálico é relativo ao falo, que, por sua vez, em vez de ser a conjugação na primeira pessoa do singular do verbo falar, é uma “representação do pénis em erecção como símbolo de fecundidade”. As coisas bonitas que encontramos nos dicionários… Bom, continuando, as mariolas são deixadas pelos pastores, espalhadas pelas serras, precisamente para afirmarem a sua indubitável masculinidade, virilidade e fecundidade. Para quem não sabe, os pastores portugueses são o símbolo máximo do macho humano. Vou prová-lo com duas estórias. Estória um. Certa noite de Dezembro, apareceu no nosso abrigo grosseiro, em plena Serra da Estrela, o pastor João, ali da aldeia da Lapa dos Dinheiros, de cajado na mão e em mangas de camisa. Bebeu um copo de tinto e fartou-se de contar estórias bonitas sobre garrafões de tinto e ovelhas e cabras (humanas ou não). Insistiu para que a Fafá (nome de código da única mulher entre nós) lhe tocasse no braço despido, para confirmar que pastor é brasa e consegue aquecer qualquer frieza feminina. Ela tocou. Aproveitou, também, para explicar a sua teoria de que toda a mulher tem dois ou três dias por mês em que está disposta a fazer sexo desabrido com qualquer homem, por mais selvagem e grosseiro que se apresente, incluindo um pastor a cheirar às suas ovelhas. Segundo ele, é teoria comprovadíssima por anos de experiência. Na altura, lembro-me de olhar de lado para a Fafá e de ficar com a sensação que aquele era, precisamente, um dos seus dois ou três dias do mês, mas acho que a vergonha venceu-lhe o apetite. Estória dois. O Primeiro-Sargento Rebelo era, e ainda deve ser, uma das mais eficazes máquinas de guerra preparadas pelo exército português: comandos, pára-quedistas, rangers, mergulho de combate, patrulhas de longo raio de acção, 1,90 m de altura, etc., o homem tinha tudo no currículo. Numa célebre palestra às suas tropas, sobre higiene pessoal e saúde, contou como tinha tido uma namorada, sobre a qual não dissertou, cujo irmão era pastor. Este, tinha o hábito de, deambulando pelos montes com as suas ovelhas, aproveitar-se da inocência destas para satisfazer as suas necessidades primárias, apanhando-as por detrás. Dizia o Primeiro-Sargento Rebelo, que este era um caso típico de falta de higiene. Muito bem. Portanto, como se pode constatar, faz todo o sentido que a virilidade e outras coisas acabadas em “idade” dos pastores portugueses, sejam perpetuadas no tempo através de simbologia fálica, enchendo as serras de pequenos e grandes pénis de pedras amontoadas, erectos, que os ingénuos turistas teimam em seguir. pickwick
22
Jul06

Covão da Areia

riverfl0w
No Covão da Areia, local que aconselho a qualquer amante da natureza, tirámos uns minutos antes do jantar para nos banharmos numa lagoa apetitosa e explorarmos a zona. O Nan (nome de código, cujo verdadeiro nome não se escreve ao contrário, mas quase), engenheiro brilhante que tem o condão de adormecer com mais facilidade do que bebe um copo de água, conseguiu-nos surpreender com mais uma actuação. Eu já o tinha visto adormecer nos locais mais impróprios, fosse em cima de um monte de calhaus amontoados, ou com o corpo directamente na terra fria e húmida de uma serra das Astúrias, mas como desta vez, nunca. O Nan, procurando uma posição confortável para apreciar a bela paisagem à nossa volta, esticou-se na relva com os cotovelos apoiados no chão e o tronco inclinado. Eu não contei o tempo, mas quase que juro, a pés juntos, que não demorou mais de um minuto até ele começar a roncar profundamente, naquela posição. Isto, não é normal! Largos minutos mais adiante, hora de jantar, juntámo-nos para preparar o poiso para noite, assar umas chouriças e esvaziar as garrafas de tinto que pesaram na mochila durante toda a caminhada. O sonho de um céu estrelado desvaneceu-se rapidamente, com o aproximar galopante de nuvens muito escuras e o eco de trovões pouco amigáveis. Quando demos por isso, estávamos já enfiados debaixo de um toldo, que nos fez de abrigo, a olhar uns para os outros, atónitos, enquanto caía uma impressionante chuvada de berlindes de gelo. O termo não é granizo, mas berlindes de gelo! Em Julho! Mas, uma coisa impressionante! Como estávamos no sopé de um maciço granítico com dezenas de metros de altura, víamos os berlindes a caírem, saltitando de penedo em penedo, amontoando-se cá em baixo, na relva, mesmo ao nosso lado. O toldo, esse, parecia que se ia furar, tal era a intensidade com que caíam os berlindes. Quando me quis armar em engraçadinho e meter os copos fora do toldo para ver se apanhava uns quantos berlindes, fui brindado com um "tiro" no cimo da cabeça que quase me fez desmaiar. Parecia o fim do mundo em cuecas! Felizmente, após muitos minutos, a coisa abrandou e acabou por aparecer um céu estrelado, límpido, maravilhoso, debaixo do qual passámos o resto da noite. O Covão da Areia não se devia chamar assim. Tudo bem que tem muita areia e passa um ribeiro no meio e é muito giro. Mas, o que aquele covão tem mais, são caganitas. É isso mesmo! Milhões de caganitas. De cabra, de ovelha, de coelho, de raposa, de gineta, de javali, de sapo e de turista. Portanto, em vez de Covão da Areia, deveria chamar-se Covão das Caganitas. Não fica tão simpático, mas é mais realista. pickwick
21
Jul06

Divagações dos andarilhos

riverfl0w
Ainda o grupinho de cinco andarilhos que se passeou pela Serra da Estrela no passado fim-de-semana. Falta referir o percurso feito. Quem sai de Loriga e se lança serra adentro, tem um belo de um trilho que sobe, sobe, sobe, e sobe, até lá bem acima, até à Estrela, a tal da falcatrua dos dois mil metros. Pelo caminho, existem locais de se lhe tirar o chapéu, entre os quais está o Covão da Areia, nosso destino para pernoitar. O caminho, entre calhaus e mato, convida a reflexões profundas. A Ana (nome de código já referenciado, difícil de decifrar) prestou-se a relatos científicos sobre o seu estágio como enfermeira na secção de urologia de um qualquer hospital português. Urologia, como todos sabem, é aquela ciência das pilas. Portanto, fomos agraciados com descrições entusiásticas de suturações, erecções involuntárias, e outras coisas do mesmo calibre, que deram uma excelente música de fundo a parte da nossa caminhada. Os seios femininos, foram também alvo de grandes e profundas reflexões, nomeadamente a opção entre as mãos e a boca, as preferências de cada um, a consistência aos dezoito anos e a decadência posterior, e ah e tal, tudo num tom muito erudito, que nenhum de nós gosta de brejeirices, obviamente. Tivemos também uns momentos de aprofundamento de vocabulário e expressões, aquilo a que alguém poderia, sabiamente, chamar de enriquecimento cultural. Assim, ficámos a saber o que é uma “arreia na vaga” (ou qualquer coisa parecida). Trata-se de uma posição, portanto, de coiso e tal, também conhecida por “apanha o borboto”. Esta, acontece quando a mulher está em casa e se inclina para o chão para apanhar o borboto da alcatifa e o homem ah e tal por trás. Trata-se de uma inovação em relação à posição do aspirador, em que a mulher anda só ligeiramente inclinada para a frente a passar o aspirador pela casa, e vem o homem e ah e tal por trás. Portanto, anotem: “arreia na vaga”. A cultura portuguesa é demais! Mais vulgar está a expressão “suadela de quatro joelhos”, que gerou alguma discussão quanto à intervenção dos próprios joelhos, mas que, após esclarecimento dos mais cultos, também poderia ser “suadela dos quatro cotovelos” ou “suadela das quatro nádegas”, onde o “quatro” tem apenas o simplório papel de múltiplo de dois. Mais comum ainda, a “conchinha”, essa posição quase fetal, tão adorável. É bonito partilhar cultura. Entretanto, e porque estava muito calor e em redor só havia calhaus, a conversa deu para os gelados. De entre a oferta banal das arcas frigoríficas, destaca-se o “Calippo”, da “Olá”, pela forma como as jovens portuguesas lidam com ele, uma forma ostensivamente erótica e que deveria merecer uma maior atenção por parte dos pais, educadores e autoridades. Assim, decidimos que era pertinente a publicação de uma lei que restringisse a venda de gelados “Calippo” apenas a meninas maiores de dezasseis anos, num gesto claro de prevenção, para que não fosse acelerado o processo de desenvolvimento da sexualidade nas nossas adolescentes e crianças e, adicionalmente, evitando que estas jovens andassem por aí, em trajes de veraneantes e fio dental, a chuparem desenfreadamente pedaços de água gelada com limão, descontrolando potenciais pedófilos. Pelo caminho, parámos à beira da Fonte dos Carreiros, de onde jorra um fio de água incrivelmente límpido e puro, com sabor a granito. Tagarelámos com um outro grupo de andarilhos, que circulavam em sentido contrário, para trocar algumas impressões técnicas. Já de abalada, alguém do nosso grupo vislumbrou outro grupo que se aproximava da fonte e não hesitou em gritar bem alto “mija na água”! Ora bem, como já referi num post anterior, este nosso grupo era composto por licenciados, mestres e doutorados, mas, naquele preciso momento, senti-me a fazer parte de uma trupe de carregadores de baldes de massa em horário de almoço, à sombra de um andaime, a ver o gado a passar. O grupo que se aproximava, passou por nós, olhando-nos de lado, como que a tentar adivinhar quem tinha sido o porcalhão que tinha urinado para cima da fonte para que os demais dela não bebessem. Obviamente, ninguém urinou na fonte, e tudo não passou de uma brincadeirinha, mas pronto, sabem como é, o calor e ah e tal, provoca alucinações temporárias, algumas mais intensas que outras, e por aí fora. O momento alto da viagem foi quando o JN confessou a justificação que a sua mãe lhe tinha dado para que não tivesse relações com a namorada antes do casamento: assim, tendo relações antes do casamento, disse a senhora, ele não atingiria a “plenitude da espiritualidade em Deus”. É bonita, não é? Repetimos a frase vezes sem conta, até à exaustão, mas, mesmo assim, passámos a vida a engasgar-nos a cada vez que tentávamos pronunciá-la. Como se a nossa mente porca e muito pecadora tropeçasse constantemente naquela verdade divina. pickwick
20
Jul06

Elas não querem ser princesas

riverfl0w
Só a ida à Serra da Estrela, no passado fim-de-semana, dava um blog inteirinho. Em vez de apreciarem a natureza, o contacto com a beleza suprema, os passarinhos a chilrear, o vento da passar entre os arbustos serranos, e outras coisas que tais, os cinco letrados de mochila às costas que compunham o grupo de andarilhos, não se calaram o tempo todo. Ainda estão por escrever algumas divagações menores obtidas durante a caminhada, mas esta é demasiado profunda para ser deixada no meio das outras, pelo que lhe dedico um post próprio. Ora bem, então, após o confronto de uma série de experiências pessoais e alheias, chegámos à brilhante conclusão de que as mulheres não querem ser princesas. E, atenção, isto não é uma conclusão machista e desavergonhada, como algumas mentes feministas possam alvitrar. A própria Ana (nome de código do único elemento do sexo feminino do grupo, cujo nome verdadeiro se escreve ao contrário) defendeu esta ideia com unhas e dentes, ela própria partilhando factos e argumentos a favor. A ideia, que já defendo desde há duas décadas, é de que as mulheres gostam mesmo é de levar porrada. Bem, não precisa de ser à estalada. Aliás, nem precisam de levar porrada. Elas não querem mesmo é ser tratadas como princesas. O passado mostra que, em todos os casos em que os homens mimaram as respectivas mulheres, a relação acabou por se deteriorar com o passar do tempo. Numa larga percentagem destes casos, as mulheres, outrora tratadas como princesas, acabaram por se juntar a homens que as tratam como sopeiras de segunda escolha. Mesmo assim, mesmo sabendo que agora já não são bem tratadas como antigamente, resignam-se com alguma satisfação. Isto é, ou não é, de um gajo atirar com a cabeça contra uma parede? O JN (nome de código já referenciado noutro post), chegou-se à frente com uma teoria para justificar esta atitude aparentemente insana das mulheres: elas gostam de um homem que as trate à bofetada, porque esse será o homem que as defenderá mais rapidamente. Ou seja, é tudo uma questão animalesca. Ou seja, as mulheres são uns puros animais grosseiros. Aquela imagem que temos das mulheres, doces, sensíveis, belas, frágeis, queridas, e ah e tal, não passa de bluff. Elas regem-se por instintos animais básicos, onde a violência é parte integrante e omnipresente. O JN foi mais além na sua teoria: cada vez que o homem bate na mulher, esta sente que ele está a treinar para um dia a defender. É bonito, não é? O gajo que trate bem a sua mulher, é um frouxo, sabendo ela que, quando se vir num aperto, atacada por outrem, em risco, o frouxo do seu gajo não irá em sua defesa, porque... não tem treinado nela! Todas estas teorias, note-se, assentam em estudos científicos verídicos. São resmas e resmas de casos assim. E, quando estivermos perante um caso de separação ou divórcio, em que haja o argumento de violência doméstica por parte do homem, atentem: pode ser um caso de défice de violência, e não de excesso, ok? pickwick
19
Jul06

Reflexões sobre a homossexualidade

riverfl0w
Vínhamos nós, serra abaixo, as botas de penedo em penedo pelo carreiro que levava a Loriga, debaixo do intenso braseiro de um sol de Julho. Os temas de conversar multiplicavam-se, o que é natural quando se juntam vários licenciados, mestres e doutorados, todos a cheirarem a catinga nos sovacos muito suados. Um dos temas foi, imagine-se, a homossexualidade. O debate começou com a análise do relacionamento entre seres humanos, com base na experiência de vida de cada um. Os homens dão-se bem com os homens, as mulheres dão-se mal com os homens e as mulheres dão-se mal com as mulheres. Seja aos pares, aos trios ou em grupos maiores, como é o caso de uma cidade universitária onde abundam apartamentos partilhados por vários estudantes. Nos apartamentos só com homens, e tirando crises geradas por partilha de namoradas e fãs, o ambiente saudável perdura pelos anos fora, inabalável, aprofundando-se amizades, partilhando-se sonhos e aventuras. É bonito de se ver e viver. Em apartamentos só com mulheres, bem, há sempre desavenças, crises emocionais, crises de ciúmes, batalhas verbais, zangas de alguidar, umas que abalam e mudam de apartamento, grupos que se desfazem, amizades feitas e desfeitas, enfim, uma roda viva que faz as delícias dos homens que assistam a tudo. Em apartamentos mistos, porque também os há, o ambiente nunca é cem por cento saudável, mas, caso haja homens habituados a fazer estalar o chicote, ou habituados a deitar desprezo pelas narinas, há esperança de não haver uma degradação da qualidade de vida que comprometa a continuação. Ainda assim, é perigoso, entenda-se. Daí que, segundo a teoria do PM (nome de código de um doutorado em engenharia, como se depreende pelas letras), a relação de amor ideal é mesmo entre homens. Tipo homossexualidade. Só que, segundo o autor da teoria, há um problema grave de “hardware” neste tipo de relacionamento. O “hardware”, como todos sabem, é a parte física do ser humano. O “software” será a parte psicológica, que, no caso das relações homossexuais, desliza que nem vaselina. O problema de “hardware” resume-se, nas palavras do homem que trouxe à luz do dia esta teoria, a um problema de dar o rabinho. Compreensível, portanto. Outros membros masculinos do grupo acrescentaram mais alguns problemas de “hardware”, para dotar a teoria de bases mais sólidas, tais como a questão as pernas peludas dos homens, que não ficam bem quando há mais que duas juntas, a parte dos pêlos ao fundo das costas a fugirem para o rego das entre-nádegas, e outras coisas que tais. O único membro feminino do grupo confirmou a teoria, reconhecendo que, de facto, os relacionamentos homem-mulher e mulher-mulher estão, à partida e desde sempre, condenados ao fracasso. Nisto, o JN (nome de código para um mestre em gestão, confundindo-se com um célebre jornal) fez a revelação do ano: a teoria da “carreirinha na onda”! Eu confesso que fiquei atónito com esta teoria, dada a mestria com que foi descrita e a sua evidente aplicação prática. Ora, esta teoria é muito simples e passo a descrever. Os rapazes ou homens, quando vão à praia, gostam sempre de apanhar umas belas ondas e, mesmo sem prancha, tentarem fazer de pranchas-humanas, sendo propulsionados a uma velocidade vertiginosa pelas vagas de água salgada, até ao limite, sendo que, numa fase final do percurso, se vêem envolvidos em água turva, espuma e muita areia, raspando os peitos viris no fundo do mar cheio de conchinhas, pedrinhas e areia grossa. Depois de umas horas destas habilidades, voltam às suas casas, parques de campismo, apartamentos de férias, etc., onde vão para debaixo do chuveiro lavar o sal da água do mar. Entretanto, e por via do tal percurso final da carreirinha da onda, no qual entraram quilos e quilos de areia para dentro dos calções, são obrigados a retirar aquela areia malandreca que se infiltrou mesmo nas profundidades do rabinho, onde a água do chuveiro não chega. Inocentemente, sem saberem do perigo que correm, usam o belo do dedinho (indicador ou médio) para, num gesto harmonioso e carinhoso, retirarem aquela areia incomodativa. À primeira passagem do dedinho, e enquanto ainda soa no ar um “uiii… que é bom…” de satisfação, já é tarde para voltar atrás. Descobriram o prazer da homossexualidade! Era caso para os chuveiros serem vendidos com uma placa de aviso: “atenção, limpar a areia do rabinho usando o dedinho, pode provocar homossexualidade”. pickwick