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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

22
Jul13

Os pernis desequilibristas

pickwick

Era uma manhã de sol e calor, típica de Julho. O plano era dar uma voltinha de bicicleta e/ou a pé pelas matas, antes de nos atirarmos – de garfo e faca em riste – aos petiscos no restaurante do Pedro.

 

Quando cheguei com o Nestor (nome de código) ao cruzamento, já depois de 45 minutos a pedalar pelos pinhais, ficámos pasmos: quatro mulheres, cada uma em cima da sua bicicleta. O maior espanto foi para duas delas, que eu nunca imaginaria que sabiam andar de bicicleta: a Dulce e a Fabiana (nomes de código muito codificados). Cada uma numa bicicleta, emprestadas pela colega-que-me-apalpou-o-braço, cada quadro mais enferrujado que o outro.

 

O sedentarismo, em particular o sedentarismo feminino português, é muito deprimente. Tal como o desempenho da Dulce e da Fabiana. Qualquer inclinação superior a 0,5% era suficiente para as bicicletas começarem a ziguezaguear perigosamente. Qualquer troço de terra batida mais parecia uma etapa do Paris-Dakar com beduínos esfaimados atrás de cada giesta. Aderiram à actividade com a falsa promessa de terreno plano e alcatroado, mas acabaram em trilhos irregulares e corta-matos inesperados. “Ai, que estou tão cansada” foi o queixume mais popular. A Fabiana caiu três vezes, em terreno plano e alcatroado. Safou-se na terra batida e escapou à fúria dos beduínos, graças àquela sábia estratégia militar de se apear e andar a pé.

 

Faziam-me lembrar a Cláudia, há uns anos atrás, quando a levei a fazer uma modesta caminhada pela Serra da Estrela, com passagem pela mítica Nave da Mestra. Os últimos quilómetros foram feitos em marcha extraordinariamente lenta, com intervalos intermináveis entre cada passada. Só lhe faltou cair para o chão e ficar a gemer.

 

Durante os momentos em que assumi o comando do carro-vassoura, deu para compreender as dificuldades. Rabos grandes e pesados, ausência de fibra, pernas em sintonia com os rabos e muito sofá. Tudo do melhor para causar sistemáticos desequilíbrios em cima de duas rodas. Ao que acresce a soberba dificuldade em vencer a roda pedaleira e fazer avançar o barco.


Mas, as moças podiam ser pouco ágeis em cima de duas rodas, mas mais destras quanto ao manejo de faca e garfo. Nem por isso. No final das “entradas” do almoço, já havia queixumes. Ah e tal, já não consigo comer mais nada. Eu, o Nestor e o Gaspar (nome de código), olhámos uns para os outros, com aqueles sorrisos alarves de quem se vê a passar o resto da tarde a esvaziar jarros de vinho verde gelado e a devorar a chicha que as mulheres – que dobravam o número de homens - não conseguiriam ingerir. Mesmo depois daquela manhã de rabos agitados em cima dos selins.

 

Depois de uma voltinha de bicicleta pelas redondezas, para fomentar a digestão, num trajecto muito mais sereno do que o matinal, atracámos junto à piscina da colega-que-me-apalpou-o-braço. Pela enésima vez, a Dulce e a Fabiana ficaram sentadinhas nas cadeirinhas, vestidas de todo, enquanto o resto do povo se banhava numa água pouco abaixo dos 30ºC. Eu compreendo que, nem uma nem outra, têm perfil fisionómico para fazer arreganhar as beiças a um homem, mas, também não havia necessidade de ficarem ali assim, tal e qual como quando estavam a almoçar. Até porque, convenhamos, os dois únicos homens presentes não estavam em condições intelectuais para conseguir notar a diferença entre um saco de batatas e um malmequer. Podiam ter aproveitado. pickwick

25
Jul12

O dia do Lambrusco

pickwick

Num saltinho, fui ao Pingo Doce comprar cinco garrafinhas de Lambrusco, essa pomada refrescante para aqueles momentos de maior necessidade. De regresso a casa, foi trocar as calças de ganga pelos calções de banho, atascar a mochila com a toalha de praia e as garrafas e a lanterna e os chinelos e mais meia dúzia de tarecos insignificantes. Passar pela garagem, pegar na bicicleta e atravessar a vila com o ar mais descontraído possível, passando despercebido graças ao chapéu-à-malandro e aos óculos-à-mete-nojo.

 

Normalmente, as pessoas andam de bicicleta com um máximo de dois litros de água num daqueles depósitos high-tech incorporados numa mochila muito larilas. Mas, eu, não!, tinha que ir carregado que nem uma mula a caminho do Huascarán...

 

Atravessada a vila, sete quilómetros pelo interior de uma imensidão de pinhais e antigos terrenos agrícolas. Dado o aproximar do meio-dia, tenho que reconhecer que foi uma boa escolha: por um lado, escapando ao trânsito das estradas alcatroadas; por outro, dos sete quilómetros, só uns quinhentos metros é que foram a levar com o sol nos costados, já que o resto foi sempre debaixo de uma muito confortável sombrinha.

 

E este filme todo para quê? Para chegar à piscina da colega que em tempos me apalpou o braço, local escolhido para um ajuntamento de tropas, numa singela aldeia perdida no meio de nenhures.

 

Ou seja, basicamente, um gajo chega, atesta a arca com cinco garrafas de Lambrusco e mais outras três que por lá apareceram, atira-se de mergulho para a piscina, troca duas ou três impressões com o Pedro sobre a dificuldade da vida que é estar ali naquelas condições desumanas, e aparece a anfitriã com umas minis e uma travessa cheia de empadas, pastéis de bacalhau e umas cenas a meio caminho entre um rissol e uma chamuça. Obviamente, um gajo não sai da água. Abeira-se da margem, apoia-se com os cotovelos, e serve-se: mini numa mão, salgadinho da outra. Pumba! E mais um mergulho. E mais uma mini. E mais uns salgadinhos.

 

Entretanto, chegam mais umas colegas, completamente desprevenidas para banhos, o que levantou um coro de protestos. Porque, não é justo ter-se uma piscina, dois gajos e cinco gajas, e três delas não têm equipamento. Não é justo!

 

Lá mais para a frente, houve que sacrificar o prazer e saltar fora, para grelhar uns enchidos e umas carnes, petiscar daqui e de dacolá, esvaziar metade dos Lambruscos, provar os ovinhos de codorniz, o queijinho, e coiso e tal. Uma vida muito difícil, diga-se.

 

Depois do repasto, meteu-se a conversa em dia na frescura da cave, enquanto se provavam uns licores e uns digestivos e ah e tal.

 

E, assim que tocou a sineta do fim da digestão, pumba! para dentro de água outra vez, que, lá para o final da tarde, estava um caldinho para cima de trinta graus. A sorte, é que a anfitriã mantém um frigorífico no recinto da piscina, estrategicamente abastecido de minis, para aquelas eventualidades que… ah e tal…

 

Isto é tudo pormenores insignificantes, eu sei, por isso é que começámos a ficar com a pele engelhada de tanto tempo de molho e tivemos que regressar à mesa para provar os dois quilos de camarão e acabar com o resto dos Lambruscos. Parecia uma tarde nos tempos gloriosos de Roma.

 

Entretanto, lá para as dez da noite, a malta começou a abandonar o barco. Eu esfreguei as mãos de contente por ter ido de bicicleta, o que me permitia beber sem medida, na certeza de que agente algum da autoridade estaria escondido atrás de um pinheiro, na escuridão da mata, à espera de passar um ciclista desprevenido com excesso de coiso no sangue.

 

Tirando este aspecto altamente positivo, sobrava a realidade do regresso, a cavalo da fiel bicicleta. A minha sorte, reconheço, foi ser um moço prevenido e ter levado a lanterna na mochila, porque, se fosse confiar no farol xpto da bicicleta, bem que se podia atravessar um elefante pintado de verde fluorescente no meio do trilho, que eu não dava por nada e espetava-me no meio daquelas pernas elegantes. Assim, foram sete quilómetros aos zigue-zagues, a piscar os olhos, lanterna na mão esquerda e um camarão a saltar até às goelas a cada solavanco naqueles trilhos acidentados. pickwick

10
Set11

Campismo – parte 2 – meloas

pickwick

Pondo de lado o saudosismo, o tradicionalismo, e outras coisas acabadas em “ismo”, convenhamos que há algumas sérias vantagens em se passar uns dias num parque de campismo com piscina incorporada. Por um lado, pode apreciar-se conveniente e detalhadamente uma longa série de biquínis e respectivos suportes. Por outro lado, também se pode apreciar esses biquínis e respectivos suportes. Basicamente, é isso.

 

Nas duas manhãs que passámos na piscina do parque, quase que deu para fazer amigas. Bom, pelo menos, a minha vista apurada fez meia dúzia de amigas.

 

Em particular, um grupinho engraçado de seis jovens adultos, assim como quem andam na universidade e tal: três rapazes e três raparigas.

 

Rapariga 1. Estilo “arrumava-te bem dentro da caixa da flauta transversal”. Quase que podia andar em topless que ninguém pensaria tratar-se de uma rapariga, tal era a planície. A leveza corporal dava-lhe margem de manobra para andar a saltitar por ali, conversando com uns e com outros, saltando para a água, apanhando sol. Mas, ainda assim, apetecível.

 

Rapariga 2. Estilo “cuidado que podes partir o biquíni de porcelana”. Imponente, boa figura, elegante,175 cm de altura, biquíni discreto embora com pouco tecido. Confesso que devo ter passado aproximadamente duas horas líquidas a consumir-lhe a pele do peito com a minha mira laser alojada debaixo da sobrancelha esquerda. Era daqueles peitos que dão gosto apreciar: majestosos, mas não tipo “bolas de Pilates”. Um peito sobre o qual eu dormiria a melhor das sestas num qualquer prado verdejante nos Alpes. Tímida, definitivamente. Molhar o corpo desde as unhas dos pés até aos joelhos, já era uma aventura com demasiada adrenalina. E pouco dada a sessões fotográficas indiscretas, não tendo apreciado a iniciativa do amigo de pele branco-farinha, quando este saltou para dentro da piscina de máquina fotográfica de rolo em punho, tentando fotografá-la sentada na escadinha metálica com água a meio das canelas.

 

Rapariga 3. Estilo “meu Deus, porque me obrigas a ver estas coisas sem poder tocar?”. Extremamente elegante, quase a cair para o magrinha (opinião do Zequinha, muito discutível). Abdominais perfeitos, notando-se à distância cada músculo. Peitos discretos, meia-laranja. Pele muito, mas muito bem bronzeada. E, o mais importante, interessante, e outras coisas acabadas em “ante”, umas nádegas deslumbrantes, duas perfeitas meloas bem tonificadas. Acresce, a favor do deslumbramento, o facto de a rapariga usar uma reduzidíssima cuequinha, quase que “apagada” do mapa de tão enfiada que estava entre as duas deliciosas meloas. Com muita frequência, esta endiabrada inclinava-se para cima dos amigos e das amigas deitados, virando as nádegas para a piscina. Não estavam reunidas condições para um gajo conseguir racionalizar o que quer que fosse. Devo ter passado umas quatro horas líquidas a degustar visualmente aquelas meloas. À custa disso, apanhei um escaldão na careca que ficou uma obra imprópria para consumo.

 

Posto isto, resta acrescentar que, em determinada altura, os rapazes e a rapariga 1, acharam que era boa ideia pegar na rapariga 3 e atirá-la para dentro da piscina. A esta empreitada, a rapariga 3 opôs-se ferozmente, debatendo-se com unhas e dentes, muito valorosamente, para gáudio dos bons apreciadores de uma cena de pancadaria amigável. Realmente, aquele corpinho elegante e musculado certamente devia muito ao desenvolvimento de uma qualquer actividade desportiva de nível competitivo. A determinada altura, no emaranhado de braços e pernas e empurrões e puxões e muita risota, a rapariga 3 começou a perder a compostura da parte de cima do biquíni, facto que se evidenciou pelo contraste de cor entre a pele bronzeada do tronco e a pele branquinha dos seios. A ondulação habitual da piscina desapareceu subitamente, tal era a atenção com que os muitos utentes masculinos observavam o desenrolar dos acontecimentos.

 

Com grande pena minha, não tentaram a mesma sorte com a rapariga 2. O que, a bem dizer, até foi bom, porque, se calhasse a dar luta também, podia acontecer-lhe o mesmo deslize com a parte de cima do biquíni, e, aí, garanto que não conseguiria manter qualquer traço de serenidade. Provavelmente, passava-me uma coisa ruim pela mioleira e começava a bater palmas e a uivar ruidosamente, assim numa espécie de foca-lobo num qualquer show erótico de um parque aquático. pickwick

 

02
Ago10

Camarões de faca e garfo

pickwick

Assim como que em jeito de encerramento dos trabalhos antes do verão, a Marília (nome de código) convidou a malta do mesmo departamento para uma almoçarada lá em casa. Prometeram-se umas cervejas, umas carnes, camarão e piscina. Como era tudo boa companhia e não havia mete-nojos, aceitei o convite. Costumo ser muito esquisito e recusar convites destes sem pensar muito, mas, de facto, a companhia agradava-me, após um ano de trabalho.

 

Mal chegámos, fomos conduzidos para um local com uma piscina real, de fundo azul, cheia de água, com umas sombras e umas cadeiras. Obviamente, começaram a chover reclamações, porque a malta é trabalhadora e não aguenta muito bem ambientes destes que incentivam o ócio. Em resposta às reclamações, a Marília – com aquela boa disposição e descontracção que não sei onde as vai buscar – disse que já vinha e, no breve regresso, apresentou-se com uma bandeja cheia de salgadinhos que ninguém gosta. Pousou a bandeja junto à água, a malta saltou, que nem lobos esfaimados que só comem erva desde Janeiro, para cima da bandeja, abocanhando chamuças, rissóis e empadas.

 

Ainda eu estava a mordiscar o primeiro rissol de camarão, quando a Marília reaparece com umas minis muito fresquinhas, pousando-as também junto à água. Eu já estava a sentir-me mal por estar a comer um rissol dentro da piscina, com água até ao pescoço, mas as minis foram a gota de água que me fez transbordar a compostura! Ah e tal, oh Marília, a gente assim não aguenta, isto é muito difícil, e coiso e tal, queixávamo-nos nós, de boca cheia e garrafa na mão, batendo os pés como se fossem barbatanas, nadando à vez até junto da bandeja. A Marília não ficou chateada, olhou-nos com um ar condescendente e foi buscar mais umas minis…

 

Já à mesa, aquilo que se podia prever como um almoço saudável em ambiente campestre, transformou-se dramaticamente num banquete alarve. Já não havia espaço para tanto petisco! Pela parte que me tocou, fiquei imediatamente seduzido pelo balde de camarão cozido. Eu gosto de camarão cozido. No Pingo Doce vende-se já pronto a consumir, o que facilita os momentos de desejo súbito. Toda a gente atacou no camarão. Toda a gente se sentiu como em casa, entre amigos, e comeu o camarão à mão. Menos eu. Logo eu, que sou um gajo cheio de boas maneiras, não arroto à mesa, não bebo cerveja pela garrafa, etc. Camarão, foi mesmo de faca e garfo.

 

Claro, a malta é jovem a animada e começou logo a gozar com o meu desempenho, como se eu fosse de Lisboa e achasse que os ovos são feitos numa fábrica. Olhei-os de soslaio, com um profundo desprezo técnico pelos comentários, dei meio sorriso amarelo e continuei a tirar a casca com garfo e faca.

 

Para quem não é adepto de comer camarão com garfo e faca, tenho a informar que é possível fazê-lo ao mesmo ritmo que com as mãos, poupando-se o emporcalhar das manápulas. Aliás, foi mesmo por causa disto que o fiz: não gosto de estar em casa de outra pessoa e ser apanhado numa emergência com as mãos sujas de fezes de camarão. Tal como durmo sempre com umas cuecas vestidas, no mínimo, para não ser apanhado numa emergência todo nu (imagine-se que a casa pega fogo, ou o ex-namorado dela chega de repente, ou…).

 

Não me recordo de ter comido outra coisa além de camarão. Foi uma coisa tal, que fiquei receoso de andar a defecar camarão durante dois meses! Quando é a próxima? pickwick

 

07
Ago08

Quem está, está…

pickwick

Na viagem que fiz a Trás-os-Montes, na semana passada, tomei conhecimento de uma perspectiva do mundo e da vida deveras interessante, da autoria de um daqueles “Ti” qualquer coisa que vivem numa aldeia qualquer e têm uma horta e frequentam a tasca em busca de maior sabedoria.

 
Ora, essa perspectiva consiste no seguinte:
 
O mundo está todo mal, com essas coisas de uns morrerem e outros nascerem. Nada disso! Devia ser assim: ninguém nasce, ninguém morre, quem está, está… quem não está, estivesse!
 
Pessoalmente, apenas tenho umas quantas reticências. Como é? O pessoal envelhece ou fica tal e qual para sempre? Se ficar assim para sempre, dá para recuar 15 anos e tal e apanhar o barco? Há alguma possibilidade de uma parte das adolescentes crescerem só até aos 21, para passarem a fasquia da maturidade e assim haver mais oferta? Dá para concretizar o falecimento súbito de algumas pessoas, com base numa lista criteriosa?
 
Outro dia, quando vinha de passagem por umas aldeias serranas, passei ao lado de uma daquelas piscinas fluviais muito bem cuidadas e apresentáveis, repletas de corpos bronzeados, biquínis e relva verde. Uns metros mais à frente, numa moradia com alguma dimensão, um casal descansava na varanda, ao abrigo da sombra que os protegia do sol abrasador que se fazia sentir.
 
Perguntei a mim mesmo porque raio não estavam também ali no meio da confusão, esticados na relva ou a chapinharem na água fresca da montanha. Provavelmente, porque já pertenciam ao escalão etário 70+, com todos os inconvenientes que daí resultam, nomeadamente o corpo ressequido e visualmente pouco estético que poderia não se enquadrar muito bem naquele rebanho de peles jovens e músculos elásticos.
 
A teoria do “Ti” qualquer-coisa não era mal pensado, pois poupar-me-ia a um futuro em que também eu, incansável apreciador do corpo feminino, acabaria por ficar em casa, plantado numa varanda, incapaz de me desnudar no meio daquelas fibras todas, daquele fedor a juventude.
 
Enfim. Mas, lá vai ter que ser, um dia, daqui a muitos anos. Até lá, carago!, deixem-me cá aproveitar o mundo e embebedar a vista com tanta coisa boa que por aí anda… pickwick
17
Jul08

A saga das maminhas – parte 3

pickwick

Já falei da menina de Burgães com madeixas loiras, que encontrámos na Drave? Já? Pronto! Não se fala mais nisso!

 
Bom, depois de vencermos – a muito custo – a vontade de ficarmos a dormir pela Drave, apesar de ainda nem ter chegado a hora do lanche, lá seguimos ribeira abaixo, como quem aponta em linhas curvas em direcção a Covêlo do Paivó, com passagem ao lado de Regoufe. Sempre pela ribeira.
 
É muito giro, devo confessar. O leito da ribeira é coberto por calhaus sem arestas, macios e arredondados. Aqui e além, com bastante frequência, as águas afundam-se nos calhaus do leito e desaparecem de vista, deixando o “caminho” completamente seco. De vez em quando, carvalhos e castanheiros seculares lançam sombras enormes sobre a ribeira. Ao longo dos séculos, os habitantes da região construíram bastantes represas na ribeira, espaçadas entre si de dezenas ou centenas de metros, que nos surgiram como pequenos obstáculos à saudável caminhada.
 
Por vezes, a ribeira ficava tão apertada entre os penhascos nas margens, que pouco ou nenhum espaço sobrava para se caminhar, obrigando a manobras sofisticadas, usando apuradas técnicas de escalada lateral, equilibrismo sobre calhaus, proezas de salto em comprimento, e banhos ocasionais. Cansativo, digo já. Muito cansativo! Se alguns insistiam em trocar de calçado a cada cem metros, alternando entre botas de montanha para saltitar entre calhaus e sandálias de praia para entrar pela ribeira dentro, outros cedo se cansaram desses tiques pouco másculos e transformaram as suas botas de montanha em veículos anfíbios, ensopadas por fora, ensopadas por dentro. E também havia um par de sapatilhas com amortecedores de calcanhar que boiavam sobre as águas, desde que não estivessem a ser calçadas pelo dono. Alguém alvitrou que foi com estas sapatilhas que Jesus caminhou um dia sobre as águas, mas pareceu-me mais propaganda barata do que um facto histórico.
 
Algures, as tropas pararam numa irresistível piscina natural, onde as águas eram tão límpidas que se via com clareza o fundo a quatro metros de profundidade. Apesar da clareza, o tom da água era de um azul delicioso. Daquelas coisas que só quem se aventura por terras de ninguém tem a oportunidade de encontrar. Pausa para mergulhos e braçadas, ora para a frente, ora para trás. Bem, não foram assim tantas as braçadas, porque o sol decidiu dar uma curva e a água de montanha não é assim um caldo de temperatura tão agradável como numa praia conspurcada do Algarve. Mas deu para saborear.
 
Centenas de metros mais à frente, a paisagem mudou ligeiramente e encontrámos uma quinta abandonada. No meio de nenhures, portanto. Habitações de xisto, carroça de madeira, socalcos, portões toscos e gigantescos castanheiros, tudo na encosta de um monte. Depois da voltinha de reconhecimento, voltámos à margem da ribeira – por esta altura, já podemos chamar-lhe rio, não? – para escolhermos um local para passar a noite, que os estômagos já reclamavam o apetecido jantar.
 
Sorte! Um terreno cheio de erva fofa, com sobreiros, a três metros do rio, num plano perfeitamente horizontal. Com um toldo de plástico, montámos um agradável abrigo para a humidade nocturna, usando, para a estrutura e estacas, madeira seca das árvores. Ficou um mimo, com aquele ar acolhedor que tanto agrada a quem está estafadinho e desejoso de uma noite bem dormida.
 
Em três tempos, já a noite a cair, começou o banquete. Chouriça assada e queijo foram os principais conteúdos, sendo de realçar o néctar escuro e perfumado que regou o jantar, na base de uma garrafa por pessoa – ah e tal, estava calor. Para a sobremesa, um petisco de fazer estalar a língua: painho de porco preto e queijo de Nisa! Acho que houve mais qualquer coisa na mesa, mas o néctar afectou-me a capacidade de memorizar géneros alimentícios, pelo que a ementa aqui descrita pode pecar por defeito.
 
Depois ah e tal, não me lembro se alguém caiu ao rio, ou se fomos atacados por algum crocodilo, ou atropelados por um javali desesperado, ou outra coisa qualquer. É o que se chama um “lapso de memória por ingestão de néctar”. Lembro-me, muito vagamente, de acordar a meio da noite, sob um lindo manto de estrelas, e reparar que um dos membros do grupo roncava ruidosamente a dois metros do abrigo, de papo para o ar – como já é habito nestas situações. Uma noite em beleza, portanto. pickwick
18
Jun08

A fraude das maminhas inflacionadas

pickwick

Bom, chegou algum calor aqui às fraldas da serra. Por causa disso, embora não tanto, mas também um pouco, fui até um daqueles parques todos amaricados, com piscina, sombras, mesas para piqueniques, actividades radicais, e por aí fora. Uma coisa toda janota! Juntei-me a cerca de quarenta pessoas conhecidas, com quem convivo diariamente na minha instituição. Só apareci já no final da hora do almoço, assim tipo canídeo esganado de fome e capaz de devorar meia vaca no espeto. Isto tudo são pormenores insignificantes. Depois da orgia gastronómica e de duas horas a fotografar gente a tremer por todos os lados, pendurados por cabos a meia dúzia de metros do chão, desandou tudo para a piscina. Daquelas com azulejos azuis. Uma coisa bonita de se ver. Parecia mesmo uma daquelas piscinas que se vêem na televisão. Adiante. Na piscina, para além da vontade infinita de me atirar para dentro de água – desejo contido pelo altíssimo valor da missão de fotógrafo de reportagem -, aproveitei para esclarecer uns quantos assuntos, nomeadamente quando ao conteúdo dos biquinis. Agora, que estou em casa, sozinho, sossegado, com uma pizza e seis minis fresquinhas no estômago, noite dentro, faço contas de cabeça. O que detectei, hoje, naquela piscina, foi uma múltipla fraude associada às maminhas das fêmeas que se sacudiam dentro de água. E uma fraude, porquê? Ora, porque, ao fim destes anos de convivência, chego agora à conclusão que os peitos generosos que exibiam quase diariamente – para gáudio de um punhado de bons apreciadores de chicha esférica – não são, afinal, tão generosos quanto faziam crer. Na maior parte dos casos, não dão para mais que uma concha de sopa! E eu que pensava que enchiam uma panela inteira! Como fui enganado… Deve ser tudo por causa daquelas modernices dos apoios para as maminhas, esses aparelhos sofisticados que transformam visualmente dois caroços de azeitona nas duas poderosas mamas da saudosa Dolly Parton (a tal que atirava as ditas para trás das costas para poder cantar). No dia-a-dia, fazem um brilharete, mas, depois, na piscina, quando os aparelhos são trocados por uns singelos pedaços de pano, a realidade vem ao de cima e verificamos que são tudo miudezas. Desgostoso? Eu? Claro que sim! Pensei que ia arregalar o olho e, afinal, quase que tive que andar com uma teleobjectiva de 500mm para poder ver algum efeito 3D. Como se isso não bastasse, assim que o povo debandou das águas azuis, tirei a camisola e saltei em mergulho de cabeça lá para dentro, com ar que quem agora é rei e senhor de quinze metros de piscina. Todo feliz, saí fora e voltei a saltar pelos ares, com a graciosidade de um cisne e o efeito contundente de um elefante. Apareceu o controlador aéreo, ah e tal, as regras da piscina não sei quê, não se pode mergulhar. Ok, pá, pronto. Sem maminhas e sem mergulhos, a piscina não é mais do que um charco azul-pantanoso, nada apetecível. Pelo que me vim embora, duplamente desolado. Este é capaz de não ser um verão fácil… pickwick

14
Set07

Vou mudar de profissão

pickwick
Notícia num jornaleco qualquer:
Romenos detidos libertados
Os quatro indivíduos romenos detidos pela Polícia Marítima (PM), na madrugada de anteontem, em flagrante, quando furtavam três motores de barcos ancorados no rio Coura, foram colocados em liberdade pelo tribunal. Os suspeitos ficaram obrigados apenas a apresentar-se depois de amanhã na delegação Serviços de Estrangeiros e Fronteiras de Viana do Castelo, fim de cumprir várias formalidades. Recorde-se que a partir do próximo dia 15, com a entrada em vigor do novo código de processo penal, apenas ficará em prisão preventiva quem cometer um crime com uma moldura penal igual ou superior a cinco anos.”
Vamos lá ver isto novamente. Então, vou ali à ourivesaria, parto os vidros, roubo o que me apetecer, regresso calmamente a casa, escondo algumas das peças e mantenho as outras no bolso. Nisto, aparece a GNR para me levar. Não há que ter medo. Amanhã estou em casa, novamente, descansado, podendo repetir o processo, sei lá, digamos que numas bombas de gasolina, ou numa velhinha coxa, ou o banco, ou um motor de um barco (que estafadeira), ou uma criancinha, ou uma loja de telemóveis, e por aí fora, sendo sempre, sempre, sempre libertado no dia seguinte, ou no próprio dia, desde que a “moldura penal” seja abaixo dos cinco anos. Roubar motores de barco, mesmo apanhado em flagrante, dá menos de cinco anos de prisão e liberdade imediata. Parece-me bem. Não sei para que raio vou todos os dias para o trabalho. Vou perder tempo, aturar peruas e desnudadas, dar ao dedo e à língua, levantar, sentar, gastar gasolina, etc. Desnecessariamente. Praticando diariamente uns roubos aqui e além, vejo-me sempre em liberdade, o tribunal enguiça porque o processo nunca mais acaba, e vou acumulando uma fortuna fantástica. Aliás, posso tentar ver isto por uma perspectiva ainda mais divertida. Os trogloditas acéfalos que inventaram este esquema todo de um gajo não ir preso e poder continuar a ganhar uns trocos à custa dos bens alheios, por certo que são endinheirados e possuidores de muitos bens. Não lhes ficaria nada mal alimentar o próprio esquema que inventaram. Isto é, serem diariamente assaltados pela minha pessoa. Um carro num dia, um computador no outro, uma televisão (para oferecer), os telemóveis, o armário dos digestivos, sei lá, coisas assim, o motor do barco, o GPS do barco, o forno micro-ondas do barco, o colchão de um dos beliches do barco, o volante do leme do barco, o armário dos digestivos do barco, e por aí fora. Mas, quem é que, não tendo motivos muito obscuros e satânicos, cria umas leis destas? Só podem ter motivos obscuros e satânicos. Só pode haver grandes jogadas por trás. Algumas, que nos transcendem, provavelmente uma jogada qualquer internacional para os autores se exibirem nas praças mundiais como pais de leis mais avançadas e não sei quê. Tem que haver aqui muita coisa obscura no meio disto tudo. No mínimo, é ridícula toda esta situação e choca com o mais elementar bom senso e sentido de liberdade de cada um. Entenda-se por liberdade a capacidade que um cidadão tem para circular livremente e viver diariamente sem que a sua vida e os seus bens estejam constantemente ameaçados. Assim, nestes moldes, acaba-se rapidamente a liberdade. Mais, com isto, posso ir a qualquer país da União Europeia divertir-me a roubar o que me apetecer, pois logo a seguir poderei continuar em liberdade e circular por onde me apetecer e roubar o que me apetecer. Isto não bate mesmo certo. Eu cresci a ler livros de cowboys, capa e espada, e muitas aventuras, sendo que, em todos eles, em rigorosamente todos eles, o crime e a maldade tinham como certa a consequência de subtrair o criminoso à sociedade, quer pendurando-o por uma corda de cânhamo, passando-lhe o pescoço a lâmina de espada, ou atirando-o para o fundo de um calabouço. Pronto, nem tudo tem que ser resolvido esticando o pernil ou laminando esófagos, mas, a bem dizer, o fundo de um calabouço não deixa de ser uma forma civilizada de privar o cidadão comum do risco de ficar sem os seus bens ou ver a sua vida por um fio. Esses valores, os tais de que o crime não compensa e não sei quê, já se foram. Agora, mais do que nunca, o crime compensa. Compensa, porque, em rigor, se eu às 8h30 assaltar o banco da minha aldeia e me deixar apanhar, às 18h00 estarei ali na tasca da esquina a molhar as goelas com uma cervejola fresquinha, gozando de uma duradoura liberdade. Compensações à parte, não me ficava nada mal um gravador de DVD’s no meu PC, umas garrafitas de digestivos envelhecidos no armário, um carro novo e pimpão, e um telecomando para o portátil para quando estiver a ver filmes. E uma casa? Também dá para roubar uma casa? Quero dizer, vou na rua, ah e tal, que casa gira, vou roubá-la e ficar com ela toda só para mim. Será que também dá? Com piscina e sauna, já agora. Tenho que ver isso. Com a celeridade dos tribunais, ainda me habilitava a desfrutá-la durante uns cinco anos, findos os quais seria eventualmente condenado a X anos de presídio, evitáveis com mais um roubo que enguiçaria as coisas todas em tribunal e que me deixaria mais uns largos anos em liberdade e não sei quê. Ainda há gente que paga para irem para um paraíso qualquer no cu de Judas. Para quê? Basta aproveitar essa coisa da “moldura penal” e o paraíso será como o Natal: a qualquer hora, em qualquer dia, em qualquer lugar. pickwick