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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

28
Ago09

Actualização do patronato

pickwick
Embora este assunto tenha retroactivos a Junho deste ano, só agora me ocorreu registá-lo aqui.
 
Em Junho, portanto, houve uma actualização do patronato da minha instituição. As “regras do jogo” mudaram, por força de lei, e o patronato – eleito democraticamente - teve que cessar funções à força, o que, já agora, não deixa de ser um pormenor interessantíssimo neste bonito país armado aos cucos. Assim, o patrão deixou de ser o patrão, eu deixei de ser o vice-patrão, e as duas vice-patroas também foram à vida.
 
Após movimentações discretas, embora insistentes, recrutámos um conhecido para, no âmbito da nova lei, sujeitar-se a ser nomeado patrão. Este, aceitou o desafio na condição de que eu e o ainda patrão aceitássemos alinhar com ele.
 
Assim que o novo patrão tomou posse, nomeou o ex-patrão como sub-patrão e nomeou-me a mim como adjunto do patrão. Na teoria, deixou de haver patronato, de acordo com a lei. Há o patrão, há os dois cromos que o coadjuvam, mas se alguma coisa correr para o torto, só o patrão é que leva nas orelhas, enquanto que, antigamente, era o patronato – uma equipa – que apanhava. Enfim, coisas dos tempos e da imaginação do Sócrates. Na prática, continua a parecer um patronato, mas, se eu urinar fora do penico, é o patrão que leva nas orelhas, embora depois tenha de ser eu a passar a esfregona no chão.
 
Nesta nova conjuntura, posso adiantar que houve um acréscimo de qualidade de vida. O novo patrão é, de longe, muito menos stressado do que o anterior, que agora é sub-patrão. Ou melhor, tem outras formas de encarar a vida.
 
Considerando que a velocidade do caminhar natural de um ser humano é de cerca de 5 km/h, o novo patrão tem um tique que muito me diverte: várias vezes por dia, levanta-se e começa a caminhar de um lado para o outro, dentro do gabinete, a uma velocidade aproximada de 8 km/h (estimativa), enquanto pensa em voz alta. Por vezes, faz o mesmo quando está ao telefone. Isto é muito giro. Em especial porque o gabinete tem um degrau a toda a largura e ele ainda não tropeçou nele! Mas há-de chegar o dia!
 
Outro tique do novo patrão, e que muito aprecio, é o ritual da paragem. Ao meio-dia em meio, mais cinco minutos, menos cinco minutos, toca-lhe o alarme biológico e anuncia em voz alta que está na hora de irmos almoçar. Às dezassete e trinca, mais meia hora, menos meia hora, toca-lhe novamente o alarme e anuncia que está na hora de fecharmos a loja. Uma vez que não temos horário de trabalho fixo, este tique do novo patrão é uma lufada de ar fresco após dois anos num patronato em que facilmente se chegava à hora do jantar e ainda se estava no gabinete de volta dos papéis…
 
Até o nível das conversas foi actualizado para um índice diferente. O novo patrão saca palavrões com muita frequência, talvez pelo facto que ter findado a presença feminina no gabinete, e certos comentários são propositadamente tão brejeiros que um gajo fica com dores de barriga de tanto rir. Não se poupa em comentários explícitos sobre o aspecto físico desta ou daquela colega, o que é muito bom, até pelo carácter informativo, e assim fico ansioso pela apresentação ao serviço de uma nova colega que, segundo ele, é “muito boa em todos os aspectos”.
 
A ver vamos, se o ambiente divertido é sol de muita dura… pickwick
26
Jul08

O homem que não parte pratos

pickwick

Hoje, a Fafá voltou para dar mais um contributo intelectual para a causa da nossa instituição. Ao contrário do previsto, se é que a uma perversa especulação se pode chamar previsão, a senhora apareceu trajada de forma sóbria e conservadora, com saia abaixo do joelho, sem qualquer ponta de sensualidade. Não foi a única. Hoje, as mulheres aparecerem todas sem qualquer toque de sensualidade, talvez porque o dia começou com nuvens e alguma chuva. Até a loira dentuça apareceu sem decote, o que é estranhíssimo e completamente imprevisível.

 
Bom, quando o contributo intelectual dela estava a terminar, já só faltando encerrar o computador, proporcionou-se um regresso ao passado, a propósito das ocorrências que culminaram na eleição da actual equipa do patronato. A Fafá resolveu contar daquelas estórias que ainda ninguém conhecia e rimo-nos todos muito com as situações.
 
Ora, acontece que o ex-patrão nunca conseguiu engolir a derrota que lhe abriu caminho à transferência de instituição, como consequência final. Nem na altura, nem ainda hoje. Aquilo ficou lá entranhado, a moer entre o rancor e a fúria, com aquele défice de desportivismo e democracia que caracteriza os sedentos do poder absoluto.
 
A Fafá, então, aludiu à primeira pessoa em quem o ex-patrão se vingaria, assim que pudesse, se pudesse. O actual patrão, enterrado na leitura de uns documentos mas com os ouvidos postos na conversa, riu-se com aquele ar de condenado ao fuzilamento nos segundos que antecedem a pressão nos gatilhos. Obviamente, se ele era o cabeça de lista, caber-lhe-ia a ele a honra de primeira vítima de qualquer acção de vingança.
 
Mas, parece que não. A primeira pessoa a comer pela medida grossa seria eu mesmo! Euzinho?, pensei para comigo. O patrão respirou com algum alívio, mas urgia uma explicação!
 
Ah e tal, é que o ex-patrão ficou mesmo pasmo de todo quando me soube metido na lista para o patronato. Poderia ser qualquer um, menos eu, pelos vistos. Seria a última pessoa que ele imaginaria! E porquê? Porque, segundo as próprias palavras nos momentos se seguiram à tomada de conhecimento, eu era o tipo “que não parte um prato”. E o pessoal que não parte um prato, presumia ele, era incapaz de se chegar à frente e ousar afrontá-lo em renhidas e inesperadas eleições.
 
Pela parte que me toca, tem a sua piada, embora essa de não partir um prato seja assim um bocado para o larilas e não transmita toda a masculinidade e virilidade e outras coisas acabadas em “dade” que emanam do meu corpo. Bem, dantes emanavam, mas a decadência da idade se calhar já está a fazer das suas.
 
Enfim, tenho a dizer que ainda não parti nenhum prato em minha casa, até porque prezo muito o serviço de loiça chinesa que a minha mãezinha insistiu em trazer-me da China, à força. Mas, pratos à parte, eu até era gajo para partir algumas caras e, embora a lista não fosse extensa, seria elaborada com bastante rapidez, mesmo com os contributos negativos do Alzheimer. Curiosamente, a esmagadora maioria dos eleitos para a lista seriam do sexo feminino, mas isso agora são pormenores que não interessam.
 
Fafá, obrigado pela notícia. Amanhã já levo o colete, um crucifixo ao peito e dois dentes de alho na algibeira. pickwick
02
Jul08

Formadores da treta

pickwick

Ou a formação é que é da treta, porque, lá no fundo, eu até acho que os formadores – coitados – não têm culpa nenhuma. Apenas são peças de uma engrenagem muito mal feita.

 
Hoje, terminou o segundo dia de um módulo de formação para patronatos. O dia de hoje foi igual ao de ontem, com um horário tipo 9h30-18h00, intervalo de uma hora para almoço, intervalo a meio da manhã e a meio da tarde, Powerpoint, trabalhos de grupo, muita treta, e uma reflexão final. A formação em Portugal é como uma pêra apodrecida: cheira mal, não presta e nunca mais a deitam fora.
 
Sistematicamente, os formadores não dominam os temas das formações, raramente se aprende alguma coisa de novo, o que se pretende transmitir nunca coincide com as necessidades dos formandos, e nunca se dão receitas! É crónico!
 
Esta questão das receitas parte-me todo. Mesmo! Está na moda, quando se dá formação, dizer-se que não se dão receitas. É uma moda idiota, patética e típica de um sistema podre e mal engendrado. Imagine-se, a título de exemplo, que era emanada – superiormente – uma ordem para que os edifícios das instituições do tipo X fossem todos pintados com leite condensado, usando padrões representativos de crocodilos do planeta Marte e de libotauros do deserto do Kalahari. Muito bem. Ordem dada. As instituições, ansiosas por cumprirem com as ordens superiores, vêem-se confrontadas com várias questões: como se pinta com leite condensado? como são os crocodilos do planeta Marte? o que são libotauros? e os padrões, são grandes ou pequenos? Confusos, os patronatos pedem formação. Chega o formador: ah e tal, teoria da pintura para a frente, teoria da pintura para trás, a pintura dos animais ao longo da História da Humanidade, os rituais dos povos indígenas do Kalahari, os pintores da Grécia antiga, o comércio ilegal de crocodilos africanos, blá blá blá, trabalhos de grupo, ah e tal, texto final de reflexão e vamos embora.
 
Há outro aspecto também quase crónico em sessões de formação para patronatos. Esta é a primeira sessão do género em que participo, mas sinto-me perfeitamente habilitado para dissertar – qual tese de doutoramento – sobre o assunto. É o aspecto, em si, das formandas. É deprimente, mas um gajo está numa sala, quer desanuviar um pouco, olha
em redor em busca de adoçantes para a mente, e só tropeça em mamarrachos femininos. É caso para constatar que as boas nunca chegam ao Poder. Enfim, ossos do ofício… pickwick
10
Jan08

Apetece-me generalizar

pickwick
Deve ser por o meu carro andar a fazer uns barulhos suspeitos na suspensão dianteira esquerda. Fico assim, mal disposto, e apetece-me generalizar. Eu sei que generalizar é feio e não fica bem. Não se deve meter dentro do mesmo saco o trigo e o joio. Mas, hoje, esta noite, apetece-me. Pronto. Que se lixe.
Os felinos da treta
Desde que aquele artolas dos “Gato Fedorento” foi apanhado com o cérebro inundado em bebidas alcoólicas, não consigo nutrir por aquele grupo artístico qualquer simpatia. E logo eu, que sempre me ri às gargalhadas com as gracinhas e piadinhas deles. Ria, mas deixei de rir. Cada vez que oiço um anúncio na rádio feito por eles, fico com aquele ar de enjoado, como de quem está a olhar para uma mulher muito, muito feia e peluda e horrorosa. Eu sei que foi só um que foi apanhado e que os outros ficaram sossegadinhos a curtir o resto da noite, mas apetece-me metê-los a todos no mesmo saco e baixar-lhes a bitola para bem rente ao pó da calçada. Deixaram todos de ser engraçados, originais, cheios de piada, hilariantes, brilhantes, whatever. Passaram todos a ser uns bêbados, grosseiros, aspirantes a criminosos do asfalto. E não vou deixar de dizer “ah e tal”, porque ainda eles não existiam e já eu ouvia dizer “ah e tal”. Porque, ah e tal, eu até sou alérgico a gatos.
A escumalha do BCP
Tenham dó! Não pode haver gente de bem a ser accionista do BCP. Não falo do mini-accionista-de-algibeira, mas, sim, daqueles accionistas-caramelos que aparecem por aí, na comunicação social, armados aos cágados e às passarinhas, vestidos de preto, como se fossem pessoas honestas. Claro que não são honestas! E o Zé Manel? Ah pois é! O Zé Manel, o tal que se veste de preto e que esturrou milhões em obras de arte, convencido que ia ficar mais culto só por forrar as paredes com fortunas, é um dos tais. Eu não gosto do gajo, pronto. Tem aquele ar de Hydrurga leptonyx (foca-leopardo, para os mais distraídos), tão inculto como um barril de cerveja barata, incapaz de disfarçar que arranjou todo aquele dinheiro às custas de incontáveis trafulhices. E os outros vão pelo mesmo caminho. Qualquer pessoa com mais de 0,05% de acções do BCP só pode ser energúmeno-de-gravatinha-pirosa. Ou 0,01%. Sim, tudo para o mesmo saco. E escusam de dizer que ah e tal, o esforço, a dedicação, o empreendedorismo, a inovação, a cueca, e tal, porque isso são conversas de tasca. Deviam era ter vergonha na cara e… enfim!
Os patrões da treta
Os patronatos que superintendem o patronato ao qual pertenço, vivem no caos. Acima do meu patronato, e hierarquicamente, temos o BLERK1, o BLERK2, e, no topo dos topos, o BLERK3. Uma sexta-feira, ao final da tarde, ligaram do BLERK1 lá para o meu patronato a dizer: ah e tal, os gajos do BLERK2 querem saber até ao final do dia de hoje umas informações, para fazerem um estudo. Quantas salas têm?, perguntaram. Agarrei num bloco de notas, apontei, contei e informei. Na sexta-feira seguinte, à mesma hora, voltam a ligar do BLERK1, porque ah e tal os gajos do BLERK2 querem saber umas informações para um estudo. Quantas salas têm? Olhe lá, eu há uma semana atrás já vos disse quantas salas temos! Ah sim? Deve ter falado com a minha colega. E, já agora, quantos funcionários têm? Ainda estive para lhe perguntar se estava a gozar comigo ou se ainda estávamos em 1985 ou se toda a estrutura acima da nossa estava no caos, mas desisti, pensando para comigo que a pessoa do outro lado do telefone devia ter pendurado o cérebro no cabide, junto com o casaco. Há uns meses, os palermas do BLERK3 (topo da hierarquia), mandaram para toda a rede, hierarquia abaixo, um e-mail com uma novidade importante, dando conhecimento de um procedimento a tomar com brevidade por todos os patronatos como o meu. Li o procedimento e fiquei a pensar se tinha sido enviado pela senhora que lava as escadas, a avaliar pelas dúvidas que o texto suscitava. Fui ao site, procurei o contacto, encontrei o telefone do respectivo centro de atendimento telefónico, liguei, questionei, coloquei as dúvidas, e veio a resposta: não temos conhecimento de nada disso… espere lá que vou perguntar ali ao meu superior… olhe… o meu superior também não sabe de nada disso… (camelos, camelos, camelos, todos eles).
Bang Bang
Era mesmo disso que precisava toda a cidade das tripas. Os seguranças todos (sem excepção), os tais da “noite”, trespassados a tiro, enrabados por gorilas peludos, chamuscados com maçaricos, pilas electrocutadas, testículos esmagados com tijolos, enfim, coisas assim. Eles, os seguranças, mais os donos dos estabelecimentos, os barmen (homens do bar, em português), as galdérias de passarinha-de-aluguer, os presidentes dos clubes, as namoradas e ex-namoradas e concubinas e esposas dos presidentes dos clubes, os arrumadores, os peçonhentos, os vadios, os drogados, as strippers, todos eles, abatidos, aleijados, estropiados, atirados ao rio com um calhau preso ao pescoço. pickwick
12
Ago07

Que tédio – parte 1

pickwick
Isto vai de penico para sola de sapato. Este verão está a ser uma coisa para esquecer, para atirar para o fundo inundado da sanita. Aparentemente, as alterações climatéricas e profissionais só trouxeram tédio, e mais tédio. Até uma ida ao país dos bifes tresandou a tédio! Como é possível? Não sei. Uma manta de retalhos entediante.
 
1. No patronato
Já estou enjoado desta palermice de ter alinhado numa lista para o patronato. Para além de ter ficado sem os dias legais de férias, esse tempo é passado a coçar a micose no local de trabalho, atafulhado em papéis que chegam de novo todos os dias, a ler legislação feita por parolos, a ver este e aquele a chegarem só para dizer tchau e boas férias, a ler e-mails, a consultar fóruns onde ninguém responde porque ninguém sabe respostas, a fazer telefonemas, a receber telefonemas, a formatar computadores, a coçar mais um bocado a micose, a tirar macacos do nariz às escondidas, a trocar SMS’s com amigas, a agrafar papéis, a abrir e fechar dossiers, a furar folhas, a rabiscar papéis, a receber pessoas, etc. Do melhor! Quando a visita é do sexo feminino, aproveito para dedicar uns minutos à apreciação que se impõe, mas, para meu desespero, vez após vez, os exemplares que se apresentam são tão cheios de defeitos que não há jeito de um gajo se babar um bocadinho. É aquilo a que se chama trabalhar sem condições. Ou melhor, estar no local de trabalho sem condições.
 
2. De casa pintada de fresco
É verdade. O meu irmãozinho já não tem motivos para se ir chibar para o pé da nossa mãezinha a dizer que eu vivo numa casa saída de um bairro degradado da 2ª Guerra Mundial. Pela módica quantia de 8000 euros, contratou-se uma pequena empresa para pintar todo o exterior do prédio, mais os muros dos jardins, mais os gradeamentos, mais as caixas do correio que deixaram de ser usadas, e mais não sei o quê. A cor é de um amarelo cor-de-peido, se me permitem a brejeirice, assim entre a baunilha e a bolacha Maria. Para o efeito, serve perfeitamente, dado que o prédio data de há três décadas atrás e nunca havia sido pintado de novo. Há dias, agora, em que fico confuso, se estarei a entrar no prédio certo. Mas, está bonito, há que concordar. Como diria uma amiga, já cá posso trazer a minha mãezinha… desde que não passe a porta para dentro do apartamento…
 
3. No jardim
A propósito da pintura do prédio, certo dia bateu à porta a D. Fernandina, administradora do condomínio, para solicitar à minha pessoa que se dignasse fazer um desbaste na vegetação do meu jardim, para que os senhores pintores pudessem dar umas pinceladas no muro. A D. Fernandina é uma querida. Veio dar-me a conhecer esta necessidade com um frasco de compota de abrunho numa mão, com uma etiqueta decorada a marcador pela sua mão, com flores e motivos muito femininos. De caminho, ofereceu-se para ajudar no desbaste, ao que eu prontamente declinei. Era só o que me faltava, ir jardinar com a minha vizinha de setenta e tal anos. Bom, a D. Fernandina não me foi ajudar, mas o marido apareceu de tesoura em punho, com os seus oitenta e três anos. Tipo filme. E logo eu, que detesto estas coisas de andar no jardim com outras pessoas, à vista de toda a gente. Sou muito ciente da minha privacidade, entenda-se. Já me estava a conformar com situação, quando surgiu o vizinho de baixo, profissional de seguros e amante da agricultura, de tesoura e enxada, para dar uma mãozinha. Ele gosta mesmo é de usar a enxada. Eu rangia os dentes, pior que estragado com a cena toda, rogando pragas a toda a gente por se virem meter na minha vida. Nisto, o casal da moradia do lado aproximou-se da vedação e ficou-se à conversa, ah e tal porque o limoeiro isto, e tal o damasqueiro aquilo, blá blá blá, os bichos não sei quê. À porta do prédio, para animar a festa, ficou a D. Fernandina, a quem se juntou a vizinha da frente que vinha a chegar a casa e que aproveitou para dar dois dedos de conversa, precisamente no dia e hora em que eu andava no jardim a amanhar a vegetação com dois ajudantes e outros dois assistentes. É por estas e por outras que há êxodos rurais na história! pickwick
30
Jun07

Feng Shui? Ai, ai, ai…

pickwick

Ontem foi dia de tomada de posse do novo patronato da minha instituição. Foi uma cerimónia lindíssima, realizada com muita dignidade, cujos contornos se descrevem em breves palavras: dias atrás, cada um dos membros eleitos recebeu uma convocatória para a cerimónia, por carta em mão; no dia e hora marcados, comparecemos os quatro no auditório, para, na presença da presidente da Assembleia, assinarmos uma singela acta de tomada de posse; ah e tal, havia um compromisso que se costuma ler mas não encontrei o texto e vocês também não iam querer perder tempo com isso, comunicou ela com um sorriso; assinámos e fomos embora, não sem que antes a presidente da Assembleia rematasse a sua actuação com um “pronto, agora é convosco”. Bonita, não foi? Enfim. Viva a descrição! Descemos a escada para o piso térreo, a olharmos uns para os outros, e entrámos para o gabinete do patronato. Mesas vazias, armários praticamente vazios, computadores do tempo da senhora do telefone de tambores, um silêncio misterioso no ar. Então e agora? O ex-patronato não deveria aparecer para “passar a pasta”? Devia, mas não compareceu. Ninguém sabia de nada e apenas um pequeno molho de papéis com uma etiqueta de “assuntos pendentes” parecia esperar por nós. Nunca me vi nestes assados, e os outros três comparsas parecia que também não. É bonito termos um gabinete para nós. Dá classe. A mim, ocorre-me sempre ser este o palco ideal para se cobrar em géneros um qualquer favor. Como nos filmes. Meio encavacados, começámos por tentar dispor as secretárias de forma mais airosa, até porque, de novidade, havia o facto de deixar de existir o gabinete do patrão e o gabinete das vice-patroas, passando a haver um gabinete único para os quatro, para acabar de vez com o feudalismo medieval que imperou naquela instituição durante os últimos anos. Ou seja, dois gajos e duas gajas a tentar arrumar secretárias e computadores num gabinete generoso. Normalmente, até correria bem, mas, comigo, as coisas nunca correm bem. Há sempre… qualquer coisinha… que… Bem, começámos pela secretária do patrão. Atalhou logo a Maumau (nome de código da vice-patroa que tem uma cicatriz enorme na cara e faz caminhadas pelas serras ao fim-de-semana e cujo cão fugiu de casa no dia anterior e ainda não tinha aparecido e que é vegetariana e só bebe cerveja preta sem álcool) que ah e tal, seguindo as orientações do Feng Shui, a secretária do patrão não pode ficar na entrada/saída, porque ah e tal a energia e não sei quê. Feng Shui? Outra? E eu a pensar que, há uns anos atrás, me tinha visto livre de uma companheira que alinhou com esses esquemas… afinal, agora vou passar três anos num gabinete com uma vegetariana que acha que espalhar espelhos pequeninos em recantos estratégicos de uma sala vai melhorar o ambiente. Ela ainda não falou em espelhos, mas eu já estou a prever que, mais semana, menos semana, vão começar a surgir espelhos pequeninos no gabinete, naqueles sítios que não lembrariam ao Diabo. Pessoalmente, não tenho nada contra os crentes do Feng Shui. É uma sabedoria oriental e eu, que vivi alguns anos na China e pratiquei uma arte marcial japonesa durante quase uma década, tenho grande admiração e respeito por quase tudo o que vem de gente com os olhos em bico e que não parece óbvio à primeira vista. Quase tudo. Espelhos pequeninos é que, tenham paciência, mas não! Passadas umas horas sobre este episódio inicial, as duas vice-patroas apanharam-me sozinho no gabinete e entalaram-me: ah e tal, perguntou a Mizé, tu não tens nada contra plantas no gabinete, pois não?, é que dão um ar tão (suspiro)… Claro que não, respondi, com o ar mais conciliador que consegui arranjar. Desde que não choque contra nenhuma. A meio do dia, apareceu a Nanda. A Nanda é uma loira quarentona, que costuma falar muito baixinho, não vá a polícia política apanhá-la ao virar da esquina e deportá-la para a Somália. Entrou pelo gabinete dentro, aos saltinhos, como se fosse uma macaquinha a saltitar alegremente de nenúfar em nenúfar num qualquer pântano, com um sorriso rasgado do tamanho da coisa de um elefante fêmea (perdoem a brejeirice, mas não me ocorreu nada mais decente). Abracinhos, beijinhos, miminhos, a todos. Eu não curto muito estas cenas, entenda-se. Não fica bem. Para compensar, trouxe uma garrafinha de vinho verde de qualidade (presumo), que não abrimos por não se encontrar a uma temperatura conveniente. Foi um dia memorável. Ficou-me uma séria preocupação por causa das plantinhas. Um dia destes, arrisco-me a ter de ir para o gabinete de catana em punho, para conseguir abrir caminho até à minha secretária. Um dia destes, perderei toda a pouca dignidade que me poderia restar, quando um pombo pousado num ramo de uma planta de crescimento rápido defecar aquela mistela ácida e mal cheirosa em cima do meu ombro. Um dia destes, vou ter que me chatear com as plantinhas. pickwick