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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

11
Set09

Questões de chifres

pickwick
Hoje almocei com vários colegas, entre eles o João (nome de código). O João começou a trabalhar na nossa instituição este ano, pela primeira vez, mas a sua esposa já lá trabalhou durante alguns anos, inclusive durante o meu primeiro ano no patronato.
 
No decorrer da conversa à mesa, que abordou vários temas, nomeadamente o Sócrates, o primeiro-ministro Sócrates e o candidato a primeiro-ministro Sócrates, veio-me à lembrança uma estória que circulou boca-a-boca durante muito tempo.
 
Era uma vez a mulher do João, que trabalhava na nossa instituição. Corria o ano de não sei quantos, mas o então patrão é o que hoje podemos considerar o ex-ex-patrão, isto é, era o patrão antes do actual ex-patrão. Há dois patronatos atrás. Portanto. Vá, chamemos-lhe então-patrão.
 
Bom, corria o boato de que o então-patrão tratava com paninhos quentes alguns dos funcionários, nomeadamente os que o tinham visto num pinhal próximo a mandar uma pinocada na mulher do João, ao abrigo das janelas pouco fumadas de um BMW.
 
Já agora, falta acrescentar que o então-patrão era (e ainda é) casado e pai de filhos.
 
Para além do boato, o actual ex-patrão confidenciou-me que, há uns bons anos atrás, o então-patrão adormeceu ao volante e foi parar ao hospital, feito em fanicos. Numa visita de cortesia ao hospital, o ex-patrão foi apanhar o então-patrão na caminha, com a mulher do João a dar-lhe garfadas de comida à boca, muito carinhosamente. Porque é que o João deixou a mulher ir para o hospital dar comida à boca ao seu patrão, ou porque é que a mulher do então-patrão se deixava substituir por uma funcionária, não sabemos, mas esta situação foi um facto, não um boato.
 
Ora, mesmo sendo o Sócrates o tema de conversa, não pude deixar de imaginar o João com umas sugestivas saliências na testa e tive mesmo que fazer algum esforço para não me largar a rir. É que eu acho sempre muita piada a estas coisas. Mesmo quando acontecem comigo. pickwick
09
Set09

Os carros dos patrões

pickwick

Pouco tempo depois de o ex-patrão ter sido nomeado sub-patrão, ou seja, assim lá para o início deste Verão, resolveu trocar de carro. Despachou o seu Land Rover Discovery, muito prático para quem vive numa zona rural nas fraldas da Serra da Estrela, à troca por um Volkswagen Passat, último modelo, em segunda mão, todo artilhado com as mariquices possíveis e inúteis que se podem arranjar. Faz um vistaço! Pronto, foi uma oportunidade única de negócio, blá, blá, blá, trinta mil euros.

 
Há umas três semanas, o patrão achou que também estava na altura de despachar um dos seus carros, que normalmente é conduzido pela esposa. Um carro modesto, daqueles que qualquer trabalhador da classe média consegue comprar com uma perna às costas. Dada a bonita moradia que ele tinha mandado construir há cerca de um ano, e olhando para os dois carros que tinha em casa, cada um mais modesto que o outro, pensei que ele se iria ficar por algo também modesto. Mas, sabe-se lá porquê, resolveu meter-se a trocar a lata velha por um Mercedes todo xpto, ainda a cheirar a novo, embora usado. Ele ainda andou com aquela conversa que ah e tal, Mercedes é carro de empreiteiro e não sei o quê, mas, há três dias atrás, toma lá trinta mil euros e não se fala mais nisso. Que vistaço!
 
Depois do patrão e do sub-patrão, sobra o adjunto do patrão, que escreve estas palavras. Não sei onde é que aqueles dois foram desencantar tanto dinheiro, mas, pela parte que me toca, os quinze mil euros que dei pelo meu Ford Focus a gasolina vão ter que render até 2030 e a carroçaria vai ter que marchar até aos 900 000 kms, nem que tenha que lhe meter duas mulas à frente para puxar monte acima a cada vez que atravesso o Mondego. Que vistaço! pickwick
02
Set09

Respostas improváveis

pickwick

 

Coube-me a tarefa de tratar da análise curricular de uns profissionais que pretendemos recrutar na área da Restauração. Isto é, recolher os dados que os candidatos deixaram no site, através de um formulário online, filtrá-los, tratá-los, meter tudo numa tabela Excel e passar a bola ao patrão, para as decisões finais.
 
Fui apanhado de surpresa com respostas improváveis deixadas por alguns candidatos. Com o fim de preservar o meu anonimato, as perguntas que a seguir exemplifico estão disfarçadas e não correspondem à realidade, apesar de servirem na perfeição para ilustrar a realidade.
 
Item: Indique o seu tempo de serviço como empregado de mesa (em dias).
Resposta: Sim.
 
Item: Descreva a sua experiência profissional que considera relevante para efeitos deste concurso.
Resposta: Sim.
 
Item: Escreva o nome correcto e completo do curso profissional que o habilita para o desempenho destas funções.
Resposta: Sim.
 
Item: Tem o CAP – Certificado de Aptidão Profissional? (sim/não)
Resposta: Não, mas já dei aulas de trabalhos manuais.
 
Item: Habilitações académicas.
Resposta: Sim.
 
Quando, após quase duas horas de análise curricular dos candidatos, mostrei o resultado final ao patrão, confessando a dificuldade em alcançar a profundidade de algumas respostas, a reacção foi brutal: Malta! Chega por hoje, vamos fechar a loja que amanhã é outro dia!
 
Já disse que estou muito contente com este novo patrão? pickwick
28
Ago09

Actualização do patronato

pickwick
Embora este assunto tenha retroactivos a Junho deste ano, só agora me ocorreu registá-lo aqui.
 
Em Junho, portanto, houve uma actualização do patronato da minha instituição. As “regras do jogo” mudaram, por força de lei, e o patronato – eleito democraticamente - teve que cessar funções à força, o que, já agora, não deixa de ser um pormenor interessantíssimo neste bonito país armado aos cucos. Assim, o patrão deixou de ser o patrão, eu deixei de ser o vice-patrão, e as duas vice-patroas também foram à vida.
 
Após movimentações discretas, embora insistentes, recrutámos um conhecido para, no âmbito da nova lei, sujeitar-se a ser nomeado patrão. Este, aceitou o desafio na condição de que eu e o ainda patrão aceitássemos alinhar com ele.
 
Assim que o novo patrão tomou posse, nomeou o ex-patrão como sub-patrão e nomeou-me a mim como adjunto do patrão. Na teoria, deixou de haver patronato, de acordo com a lei. Há o patrão, há os dois cromos que o coadjuvam, mas se alguma coisa correr para o torto, só o patrão é que leva nas orelhas, enquanto que, antigamente, era o patronato – uma equipa – que apanhava. Enfim, coisas dos tempos e da imaginação do Sócrates. Na prática, continua a parecer um patronato, mas, se eu urinar fora do penico, é o patrão que leva nas orelhas, embora depois tenha de ser eu a passar a esfregona no chão.
 
Nesta nova conjuntura, posso adiantar que houve um acréscimo de qualidade de vida. O novo patrão é, de longe, muito menos stressado do que o anterior, que agora é sub-patrão. Ou melhor, tem outras formas de encarar a vida.
 
Considerando que a velocidade do caminhar natural de um ser humano é de cerca de 5 km/h, o novo patrão tem um tique que muito me diverte: várias vezes por dia, levanta-se e começa a caminhar de um lado para o outro, dentro do gabinete, a uma velocidade aproximada de 8 km/h (estimativa), enquanto pensa em voz alta. Por vezes, faz o mesmo quando está ao telefone. Isto é muito giro. Em especial porque o gabinete tem um degrau a toda a largura e ele ainda não tropeçou nele! Mas há-de chegar o dia!
 
Outro tique do novo patrão, e que muito aprecio, é o ritual da paragem. Ao meio-dia em meio, mais cinco minutos, menos cinco minutos, toca-lhe o alarme biológico e anuncia em voz alta que está na hora de irmos almoçar. Às dezassete e trinca, mais meia hora, menos meia hora, toca-lhe novamente o alarme e anuncia que está na hora de fecharmos a loja. Uma vez que não temos horário de trabalho fixo, este tique do novo patrão é uma lufada de ar fresco após dois anos num patronato em que facilmente se chegava à hora do jantar e ainda se estava no gabinete de volta dos papéis…
 
Até o nível das conversas foi actualizado para um índice diferente. O novo patrão saca palavrões com muita frequência, talvez pelo facto que ter findado a presença feminina no gabinete, e certos comentários são propositadamente tão brejeiros que um gajo fica com dores de barriga de tanto rir. Não se poupa em comentários explícitos sobre o aspecto físico desta ou daquela colega, o que é muito bom, até pelo carácter informativo, e assim fico ansioso pela apresentação ao serviço de uma nova colega que, segundo ele, é “muito boa em todos os aspectos”.
 
A ver vamos, se o ambiente divertido é sol de muita dura… pickwick
15
Jun07

Vice-patrão

pickwick

Daqui a cerca de quinze dias vou tomar posse como vice-patrão da modesta instituição para a qual trabalho. Se não morrer atropelado até lá. É bonito ser-se vice-patrão. Pelo menos, parece. Vou ter um gabinete grande, o qual partilharei alegremente com duas vice-patroas e o patrão. Já agora, algumas palavrinhas sobre o patrão: chama-se Zé, o que é muito dignificante, tem um Land Rover e uma VW Passat, um casarão, uma filha podre de boa que por acaso estuda Medicina e mesmo assim continua podre de boa, outra filha que nem por isso, e, basicamente, é um poço de honestidade e bondade. E porque fica sempre bem, deixo umas palavrinhas sobre as duas vice-patroas: a M1 tem alguns cabelos brancos, um peito muito favorecido e abastado, uma simpatia transbordante, um sorriso bonito e muita serenidade; a M2 tem… bem, não me lembro de lhe ver qualquer tipo de esboço de elevação no tórax, mas, pormenores técnicos à parte, é vegetariana, faz caminhadas pelas serras, e tem o rosto um pouco deformado por algum lamentável acidente do passado. O processo para a minha pessoa se ver envolvida nestes assados foi curto e brutal, pelo que posso facilmente descrevê-lo. Ou não. Bem, tudo começou com a convocação para eleições para o patronato, resultante do final de mandato da equipa do ainda patrão e das suas três vice-patroas. Uma destas vice-patroas, devo confessar, perfuma o ambiente quando circula, graças às suas elegantes formas, mas isso agora não interessa. Acontece que o ainda patrão perfaz mais de década e meia nessa função, de onde nunca saiu, por via da ausência de listas candidatas que se lhe opusessem. Ao que consta, e segundo as histórias que circulam desde a fronteira com Espanha até à Ria de Aveiro, o patrão é patrão há tanto tempo, porque desde sempre impôs nos seus súbditos um clima de medo, terror e opressão, usando e abusando de agressividade verbal e frequentes más disposições, perseguindo opositores e discordantes, blá blá blá. A fama não é das melhores: esquizofrénico e maluco são as qualificações que lhe são atribuídas com mais frequência. Adora fazer os funcionários tremer e chorar baba e ranho como resposta aos impiedosos berros e à pouco melodiosa sonoridade do seu vozeirão. A norte da Serra da Estrela, é conhecido como o “último dinossauro”. Enfim, coisas assim. Com o advento das eleições à porta, mais histórias surgiram, cada uma pior que a outra, incendiando os ânimos por todo o lado. Quando dei por mim, estava entalado numa lista candidata – a primeira em mais de quinze anos -, para gáudio de dezenas de pessoas que uivavam perante a possibilidade do confronto eleitoral. O Zé é que não estava pelos ajustes. Na véspera do fim do prazo para a lista ser formalmente entregue, fui a casa dele mais as candidatas a vice-patroas e a mandatária da lista (que entretanto perdeu uns quilos, provavelmente para poder ir para a praia e não ferir sensibilidades), com o intuito de preparar a papelada para formalizar o acto. O Zé, esse, coitado, ora batia com a cabeça na mesa, ora batia com a cabeça na parede, ora choramingava… “mas eu não quero…”; entretanto, vieram umas cervejolas para a mesa, tomei a palavra e discursei bem e bonito, resumindo tudo a questões racionais e claras, sem “se’s” nem fraldas por lavar. Depois de mais de uma hora a debitar argumentos imbatíveis (modéstia à parte), o Zé cedeu, foi buscar o computador, e lá se fizeram os documentos. Entretanto a filha podre de boa apareceu duas ou três vezes na sala, ah e tal, o que muito ajudou a “desanuviar o ambiente”. Enfim, mas isso já foi há umas semanas atrás. O que interessa mesmo é o futuro que aí vem. Um futuro risonho, feito de iniciativas inéditas e medidas inteligentes. Para começar, e não querendo levantar completamente o véu, hoje anunciei já a instalação de uma máquina de tirar finos no bar, a qual deverá ser ladeada por um balde de cinco litros de tremoços. Houve palmas! Agradeci, comovido. No nosso gabinete, serão colocados biombos chineses, com gravuras representando momentos de erotismo oriental, atrás dos quais haverá confortáveis sofás, destinados a receber com privacidade as colegas de trabalho menores de quarenta e cinco anos que estejam necessitadas de atenção e carinho. Com o louvável intuito de fomentar a qualidade dos serviços prestados, dirigirei um pasquim semanal cuja principal função será avaliar e promover a apresentação e imagem das colegas de trabalho: para além das crónicas e das novidades do mundo da lingerie, haverá concursos de Miss Camisola Seca, Miss Saia Travada, Miss Camisa Desabotoada, Miss Abundância, Miss Decote Discreto, Miss Massagem Erótica, e muitos outros. No âmbito da avaliação profissional das colegas de trabalho, vou sugerir a inclusão de itens originais e motivadores, como sejam a qualidade na produção de arroz doce tradicional caseiro, a disponibilidade nocturna para prolongadas reuniões de trabalho, a ousadia e a originalidade no vestuário de trabalho, a força de vontade pessoal para levar a bom porto rigorosas dietas alimentares e manter bons hábitos de actividade física, a formação em fisioterapia (especialização em massagens), e mais um rol de outras ideias brilhantes que me assaltarão a mente oportunamente. Contudo, apesar de a corrupção bater a todas as portas e o momento actual ser de crise, quero deixar já por escrito que serei inflexivelmente insubornável. A menos que o mecanismo de tentativa de corrupção apele claramente a valores mais altos… e carnais… pickwick