Percalço policial
Acabadinho de deixar a capital para trás das costas, já noite dentro, iniciava-se o prazer de circular fora de auto-estradas e “scuts” e coisas a pagantes. Sacudir-me das “scuts”, ultimamente, tem sido um desafio bem sucedido, apesar da paciência necessária para o uso das alternativas, mas, digamos que é uma questão de consciência.
À saída de Vila Franca de Xira, numa rotunda generosa, dei de caras com uma invasão de cerca de 850 agentes da PSP, numa “operação stop” nocturna. Ainda me passou pela cabeça fazer-me de distraído e entrar na rotunda a olhar para anteontem, mas, provavelmente, ainda levava dois tiros nas rodas, o que seria uma chatice porque os pneus são relativamente novos.
Segui as instruções de um senhor agente, com cara de menos amigos do que eu gostaria, e encostei.
Posto isto, dei conta da conjugação de vários factores:
1 – Tinha quase tudo em ordem: seguro pago, inspecção feita, documentos do carro, carta de condução e cartão de cidadão.
2 – A parte do quase, tinha que ver com os dísticos do seguro e da inspecção exibidos no vidro, que datavam do ano de nossa senhora do assobio, o qual não coincide com o actual.
3 – Estava uma ventania capaz de levantar do chão um vitelo que não tivesse comido a erva diária a que tinha direito.
4 – O motor do vidro eléctrico do meu lado estava avariado, pelo que inutilizado, pelo que tinha que abrir a porta para poder ouvir e ser ouvido.
5 – Os documentos a apresentar, estavam dispersos pelo porta-luvas, à mistura com os equivalentes de anos anteriores, numa daquelas confusões que mais parecia uma mala de senhora.
6 – Levava companhia feminina no banco do pendura, o que é excelente para quando se proporciona a oportunidade de um gajo sair envergonhado por um agente da autoridade.
Portanto, entre encontrar os documentos actualizados, juntá-los, abrir a porta, a porta quase voar com o vento, entregar os documentos, estes quase voarem com o vento, a porta quase abater o agente da PSP, o quico do agente da PSP quase voar, e eu ser intimado a sair do carro para o senhor agente poder ter uma conversinha comigo, aquilo tudo pareceu-me um filme.
O senhor agente, cheio de paciência, perguntou-me porque raio é que eu andava há tantos meses sem colocar os dísticos no vidro, ao que eu respondi com um sorriso aparvalhado e um “tenho-me esquecido”. O senhor está muito descontraído e muito esquecido… sabe quanto é a multa por não trazer o dístico do seguro? Eu continuei com o mesmo sorriso parvo e disse que não sabia, mas veio-me logo à memória um belo dia na carreira de tiro, quando o sereno tenente Oliveira descobriu que eu me tinha esquecido de dois carregadores de G-3 nos bolsos das calças, oferecendo-me, de imediato, a oportunidade única de rastejar pela imensidão daquela área coberta de calhaus e cartuchos vazios, até que ele se esquecesse que eu existia. Como quem diz: já foste com os cães, pronto. Ou seja, 125 euros de multa só por não trazer o dístico do seguro no vidro! O queixo descaiu-me e o senhor agente atalhou logo: ah, pois é!, não sabia, não é? Comecei a fazer contas de cabeça ao que se podia comprar com 125 euros, além de dar quase para dois depósitos de gasolina.
Felizmente, o senhor agente estava numa de pedagogia, o que não lhe ficou nada mal, pelo que sugeriu que eu metesse já de seguida os dísticos todos no sítio e ganhasse juízo. Assim fiz, muito obediente, e segui viagem com o rabinho entre as pernas, safo de arrotar 125 euros mais 60 por não ter o dístico da inspecção.
E safei-me de uma vistoria ao porta-bagagens, onde repousava a fiel catana de afiar estacas e desbastar mimosas, porque isso daria um outro filme, com algemas e sei lá mais o quê.
Liliana, obrigado por teres encontrado a carta verde do seguro, por teres colocado o dístico da inspecção, por teres estado sempre sorridente e bem disposta, e por não teres pedido boleia ao primeiro camionista que passou.
Entretanto, não sei se do episódio policial, se do nível da conversa, quando dei por mim estava quase em Braga, e ainda há pouco tinha saído de Lisboa, quando o destino era mesmo Santarém, para deixar a Liliana. Ora, e o que é que acontece quando se tenta ir de Braga a Santarém por atalhos? Ah, pois é! Uma noite em cheio! pickwick