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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

21
Abr13

Deslumbramentos

pickwick

Era sábado e a Honda estava com uma campanha de coiso e tal e portas abertas, check-up à borlix. Aproveitei, marquei audiência com o mecânico, e lá fui. Seria uma ida pacífica, não fosse ser atendido pela menina do stand, uma trintona que, por ocasião da compra da mota, já me tinha deixado extraordinariamente bem impressionado, com as suas calças pretas justas e um corpo muito bem conservado para a idade, tendo em conta já ser mãe. Desta feita, mesmo conversando do outro lado do balcão, deu para perceber de relance que havia perdido uns estratégicos quilinhos deste Setembro do ano passado. Nada como umas boas calças de ganga para tirar medidas. Estava simplesmente deslumbrante! Podia ter-se ficado por ali, atrás do balcão, permitindo apenas um fugaz olhar inspectivo. Mas, não. Saiu de trás do balcão e foi buscar a minha mota. Fui atrás dela, como que robotizado. Pegou na mota e empurrou-a os metros que faltavam até à oficina, comigo atrás, muito totó, só me faltava mesmo andar como um robô a babar óleo lubrificante pelas juntas das beiças. Que figurinha triste. Depois adeus e até qualquer dia.

Isto foi de manhã.

À tarde, apanhei boleia do Carlos e fomos à Guarda, supostamente para almoçar com a Liliana, conforme combinado. Ela tratava dos sólidos e nós dos líquidos. Depois de trepar pelas escadas a um quinto andar com uma arca cheia de gelo, água, Lambrusco e cervejas, tive uma folga de minuto e meio até a Liliana abrir a porta do apartamento. Foi a porta abrir e o oxigénio a varrer-se dali para fora em tons de salmão. Aquele sorriso bem disposto, os caracóis arruivados, um vestido curtinho cor de salmão e uma meia preta fantasiada a subir por umas pernas esculpidas em pura fibra.  Mais uma cinturinha onde apetece meter as mãos e uma inflamação pulmonar na medida adequada. Acho que me descuidei e houve um lapso de tempo em que não consegui reagir como uma pessoa normal. Lá está: falta de oxigénio.

Nos minutos seguintes, enquanto a Liliana acabava de preparar o almoço, metendo no forno um petisco manhoso (mas delicioso) com pão e legumes salteados e fazendo uma saladinha, virada de costas para nós, eu debatia-me com um dilema sério: se devia, ou não, ir ao pé dela e susurrar-lhe ao ouvido “oh mulher de Deus, mas eu fiz mal a alguém para estar aqui neste sofrimento, com a vista quase inutilizada de tanto te tirar as medidas?!”

Optei pelo silêncio e por um sorriso amarelado de quem já está no limite do sofrimento mas não quer dar parte fraca da coisa. Foi assim, até depois da meia-noite, quando nos despedimos e viemos embora, finalmente. Foram demasiadas horas a ferir a vista. Se ela tivesse engordado uns 20 kg, tudo seria mais fácil. Mas não, continuava com aquele corpinho de fazer engolir em seco. Podia ter vestido umas calças largas? Podia, mas acho que não tem.

Quase no final da tarde, a Liliana achou que eu ainda não estava a sofrer o suficiente. Sei lá, ainda não tinha caído para o lado com um colapso cardíaco ou coisa que o valha. E, vai daí, do outro lado da SportZone, chama-nos para avaliarmos as calças de licra que queria comprar para usar no ginásio. Completamente coladas ao corpo, como que uma segunda pele. Deviam ter um nome técnico, mas o cérebro parou-se-me. Primeiro o modelo em roxo-choque. Depois o modelo em preto. Então, que tal? 360º para podermos tirar as medidas. Eu queria bater palmas como os leões-marinhos no zoo, mas estava com uma electrocussão sanguínea entre a unha do dedo grande do pé direito e um dos dentes caninos que teimava em abanar sozinho. Nem uivar conseguia.

Comecei a ficar chateado. Não sei explicar porquê. Qualquer coisa como estar em jejum forçado quase há três anos numa ilha deserta e aparecer um chef abrigado no interior de uma versão anfíbia do papamóvel, acenando-me com uma torrente de petiscos e sobremesas para que eu fizesse um comentário imparcial e cientificamente bem fundamentado sobre o seu repertório gastronómico.

Quem é que se lembra de fazer uma coisa destas? Só alguém com muita maldade na mente. Minutos mais tarde disse isso mesmo à Liliana, para ver se ela caía em si, mas respondeu-me com um daqueles seus sorrisos bem dispostos e indestrutíveis. Era para continuar a sofrer, sim. Até ao fim. pickwick

27
Jun12

Intimidações

pickwick

Desde há vários e longos meses que travo uma discussão filosófica muito acesa com a Liliana, a propósito do jejum a que o destino a parece ter forçado.


(contextualização: a Liliana tem 24 aninhos (já?!), a acabar a sua licenciatura, moça inteligente, sabe o que quer, muito bem apresentada, faz duas horas de ginásio dia-sim-dia-não e o resultado até faz impressão à vista desarmada)


A discussão gira, portanto, em torno do facto de a Liliana estar de jejum, apesar daquela tão boa apresentação. As amigas, pelos vistos, abarbatam-se todas com os respectivos namorados, embora fiquem a anos-luz dela no que respeita a boa apresentação. Mais, parece que, quanto pior o feitio delas, mais fácil é encontrarem um namorado.


Para contrapor as teorias delas sobre o destino e a má sorte, eu insisto em duas teorias principais que se lhe aplicam na perfeição: a teoria das probabilidades e a teoria da intimidação.


A teoria das probabilidades, é simples de perceber. Quanto maior o número de rapazes que ela conhecer, na sua vida pessoal, profissional ou lúdica, maior a probabilidade de encontrar um rapaz que lhe caia aos pés com uma rosa entalada nas beiças. E como está a haver, claramente, uma assímptota horizontal na função que descreve o número de rapazes que ela conhece, as coisas correm mal. É como ir à caça de coelhos com uma G-3, lado a lado com uma mão-cheia de caçadores com os seus coelhos à cintura, num terreno já batido e onde apenas sobram esquilos, ratos-do-campo, gafanhotos e uma menina de mini-saia de serviço ao quilómetro trinta e nove.


A teoria da intimidação já é uma coisa mais refinada. Dita esta teoria que há um certo número de pessoas, independentemente do sexo/género, que têm um perfil intimidante. Ainda que possa tresandar a simpatia, um perfil intimidante é algo natural, quase inexplicável, mas facilmente detectável, que coloca uma barreira cerrada dissuasora de qualquer niquinho de atrevimento. A um homem, nunca passará pela cabeça dar uma palmadinha nas nádegas a uma mulher com perfil intimidante, ou apalpar-lhe uma maminha a ver se faz “fon-fon”. Ora, sendo dissuasor de atrevimentos, este tipo de perfil será, também, dissuasor de desejos. Ou seja, em vez sugerir um jantar romântico, ou um passeio à beira-mar, ou um cineminha, ou uma canja com broa à luz da vela, o homem desanima e parte em busca de paisagens mais pacíficas, em que não corra o risco (ainda que infundado) de ter que engolir um sofá ou um fardo de palha a arder. E, dado o facilitismo e o imediatismo que se entranharam na cultura da nossa sociedade, para quê arriscar, quando ao lado há garantido e sem esforço? pickwick

21
Out07

Fábula erótica – volume três

pickwick
Magufas, a esbelta lontra que despertou na vaca Rebomilda todo o erotismo da sexualidade lésbica, havia desaparecido sorrateiramente ribeiro acima. Subiu-o todo, até à nascente, e, depois, cortou a atalhar por montes e vales e ribeiros e rios e rias, em direcção ao pôr-do-sol, até chegar ao mar, ali para os lados da praia da Vagueira. A viagem durou vários dias, claro está, mas valeu a pena. Tanta areia, tantas dunas, tanta água salgada. Que luxo! Magufas chegou e descansou durante cinco dias, alimentando-se de caroços de azeitona e pastilhas elásticas deixados pelos porcos dos banhistas humanos. Quando se preparava para abalar, em busca de novo destino, já recuperada das forças, apareceu um caranguejo.
- Olá, meu nome é Adalberto, mas os meus amigos me chamam de Safado, e sou um caranguejo do Brasil.
- Oh, filho, safado? Ho, ho, ho…
- Oh, gata, ‘tão? ‘Tá duvidando?
- Nãoooooooo…. Claro que não!
- Você ‘tá a fim de checar?
- Checar o quê, pá?
- Se sou mesmo safado, podemos ir ali às dunas transar um pouco e eu mostro para você porque meus amigos me chamam de Safado.
(A lontra, que não tinha tido relações com nenhum animal desde a vaca Rebomilda, pensou na sua vida. Ali estava um animal asqueroso, de carapaça dura, a pavonear-se de não sabia bem o quê. Valeria a pena? Seria ele capaz de saciar a sua fome sexual depois de tantos dias de jejum? Aquelas pinças não pareciam muito simpáticas.)
- Não ‘teja olhando minhas pinças. Não vou tocar em você com elas.
- Ai não?
- Não preciso. Venha daí. Vou mostrar para você.
(Lontra e caranguejo subiram a duna mais próxima e mergulharam numa pequena depressão de areia, longe dos olhares alheios. No centro, uma toalha axadrezada acomodava três bananas e um frasco de protector solar.)
- Deita aí na toalhinha, deita!
- Então? Assim sem mais nem menos?
- Ué! ‘Tá bancando de envergonhada agora? Deixa isso p’ra lá, gata.
- Olha, não sei se já reparaste, mas não sou uma gata. Sou uma lontra de pêlo lustroso e chamo-me Magufas, está bem?
- Como você quiser, Margarida.
- Magufas!
- Isso, vá, vai deitando.
(A lontra olhou com ar reprovador para o caranguejo que lhe sorria com ar matreiro)
- Vá, se deite, gata.
(Magufas ajeitou-se na toalha, olhou em redor para ver se estava a ser observada e abriu os quartos traseiros, expondo-se completamente ao caranguejo. Este, com o sorriso aberto, pegou no frasco de protector solar e inundou as partes íntimas da lontra, provocando-lhe um inesperado arrepio de prazer.)
- Hum… - gemeu a lontra, ainda ligeiramente envergonhada.
(Com mestria, o caranguejo puxou de uma banana com as suas pinças e penetrou a lontra, com suavidade, mas firmemente. Esta, gemia, obviamente deliciada. Às tantas, as pinças do caranguejo já haviam esmagado a banana em vários sítios e o Safado viu-se obrigado a puxar de outra banana, tendo o cuidado de quase não interromper o delírio da lontra. O mesmo aconteceu com a segunda banana, findos quase seis minutos. E veio a terceira e última banana. O prazer era imenso e o caranguejo parecia divertidíssimo com aquele momento. Os gemidos, os olhos revirados, as mandíbulas a tremerem, a cauda agitada, enfim. A dado momento, já a terceira banana estava a uso há cerca de dois minutos e meio, surgiu nos céus uma sombra. Antes que se desse conta, uma gaivota mergulhou, fez um voo rasante à toalha e abocanhou o caranguejo, levando consigo restos de banana pelos ares, que acabaram por cair um pouco mais à frente, sujando a areia. A lontra ficou que nem podia. Ainda tentou mexer com as patas nos restos de banana que lhe ficaram dentro do corpo, mas já não serviu de muito, pois faltava o mestre, o encantador de bananas, o Safado. A lontra rebolou na toalha, até à areia, e por ali ficou, a olhar o céu, azul, por onde tinha desaparecido o caranguejo, agora repasto de uma estúpida gaivota. Que sensação! Que prazer! Cerca de três horas depois, Magufas meteu-se ao caminho, pelas dunas, em direcção ao Norte. Haveria mais caranguejos como aquele? Só o destino saberia dizer. pickwick