Todos os anos, desde há mais de uma década, que o início do mês de Setembro marca um ritual insubstituível da minha vida: a observação atenta das novidades carnais no mercado de trabalho. Não que faça anualmente uma visita àquela ruazinha de Amesterdão que mais parece um paraíso para benfiquistas com o coiso aos coices. Nada disso. É que acaba por haver sempre alguma colega nova no trabalho. Uns anos, a sorte é mais generosa, outros, nem por isso. A coisa tem vindo a degradar-se de ano para ano, essa é que é a verdade. Por um lado, há menos novidades, e, por outro, as novidades têm mais idade. Ora, a idade é um condicionante, por faixas: há uma faixa das solteiras, a seguir a faixa das solteiras ah e tal casam-se e andam por ali e têm filhos e ou não e ah e tal, e depois segue-se a faixa das casadas ou divorciadas. A faixa seguinte não interessa. Portanto, 20-30, 30-40 e 40-50. Teorias, portanto.
Este ano, desespera-se. Quase não há novidades. Quando eu já começava a perder a esperança, chegou a Cris (nome de código, como convém). Moça nos trintas, incrivelmente elegante – umas calças de ganga justas são ideais para tirar medidas a olho nu - e cabelo já grisalho. Não fosse a rapariga esconder firmemente qualquer esboço do mais leve sorriso, e eu ter-me-ia lançado aos pés dela, babando-lhe as meias todas e arranhando-lhe a biqueira dos sapatos com a minha barba de três dias.
Mas, lá está: uma mulher sem um sorriso, é como arroz doce com lentilhas em vez de arroz. No segundo dia, deve-lhe ter passado a neura e a moça já arreganhou para o lado meio centímetro da beiça. Hoje, já ia em nove milímetros, uma evolução estonteante!
Às tantas, porque trabalhamos no mesmo departamento, vi-me empurrado para mais uma daquelas repetitivas situações em que ah e tal o computador não funciona ou a net não dá ou tem bicho, então fala ali com ele (mim, ugh!). Sentei-me ao lado dela, peguei-lhe no portátil como quem pega num leitão para o desmanche, e comecei a bater nas teclas e a ziguezaguear com o ponteiro do rato qual relâmpago por entre ícon’s e menus. Ela deve ter pensado “ai, credo!, ainda me pega fogo ao Windows!”.
Bom, aquela do relâmpago não foi bem assim, antes pelo contrário. Ah e tal, é preciso calma porque ele está muito lento, sussurrou-me com voz doce e sensual (já estou a inventar, mas agora não interessa). Ah, está lento?, repeti eu. E pumba, msconfig, regedit, ctrl+alt+del, etc. Pelo canto do olho, com aquele meu jeito inconfundível de caçador experiente das florestas do Alasca, ia controlando as medidas das coxas, o último botão da camisa com flores, e outras coisas que tais. Se há coisa que aprecio, é mexer no computador ao lado de uma mulher muito bem apresentada, elegante e deliciosa. Também gosto de camarões com vinho verde gelado.
Para disfarçar, perguntei-lhe se alguém lhe tinha mexido no computador ultimamente, alguém que percebesse de informática, porque estavam desactivados muitos programas no arranque e por causa disso o computador devia ter ficado mais célere do que efectivamente ainda estava. Ah, mexeu o meu marido, respondeu ela.
Desgraçada!!!, gritei eu cá para dentro, espumando pelas pestanas e pelos sovacos. Filha da mãe! É casada?! E não usa anilha?! Grande xxxa! Eu sou um moço calmo, bom rapaz, mas tem dias em que as surpresas desagradáveis caem mesmo muito mal. No apertado prazo de dois segundos, planeei abocanhar-lhe o crânio com o portátil, como se este fosse uma terrível mandíbula de tubarão-branco (mínimo oito metros) esfomeado e com mau feitio. Pegar-lhe pelo tornozelo e batê-la tipo saco de batatas contra a esquina da mesa, a esquina da bancada, a esquina da cadeira e a esquina do caixote do lixo. Fazê-la engolir o poster inteirinho dos procedimentos de segurança em laboratórios que estava na parede e meter-lhe metade da língua dentro da tomada de corrente. Enfim. Dava um filme, dava, eu sei… pickwick