(Uma leitora deste blog, nome de código Chi, caiu no ingénuo erro de me pedir para escrever uma história de príncipes e princesas com castelos de algodão doce, para o blog dela. Não fazendo um caderno de encargos, um pedido destes encerra perigo eminente. O resultado não ficou bonito, mas poderá servir de aviso à navegação alheia.)
Era uma vez um Príncipe chamado Liló, que vivia num país encantado e cheio de flores com padrões axadrezados. Liló ia a passar no prado verde, montado no seu belo cavalo lilás e zarolho, quando avistou ao longe um castelo de algodão em tons de cinza. Impressionado com as vistas, Liló apressou o corcel pela relva até estacar às portas do castelo, feitas de enormes placas de chocolate para culinária. Um véu esbranquiçado esvoaçava pela janela da torre mais alta do castelo, chamando-lhe a atenção. O relinchar do cavalo zarolho trouxe ao parapeito a dona do véu. Era, nem mais, nem menos, que a Princesa Salsinha, famosa galdéria das cortes que tinha sido atirada pelo seu pai para um quarto no cimo da torre, afastada das tentações da carne. Foi, decididamente, amor à primeira vista! Um novo relinchar do corcel inquieto com tamanha seca e farto de ouvir como música de fundo mais um tema de Emanuel, trouxe Liló à realidade. Ganhando coragem, dirigiu-se à Princesa Salsinha:
Liló Ó de cima! Ó do véu!...
Salsinha Que quereis, nobre e viril cavaleiro?
Liló Cavaleiro? Então? Brincamos? Eu sou um Príncipe!
Salsinha Ah! Ok! Desculpe lá o mau jeito. Então que me quereis?
Liló Tão sozinha aí no cimo
precisais de ajuda?
Salsinha Bem, se me resgatásseis desta maldita torre, eu poderia confortar-vos durante uma semana ali na cabana abandonada à beira do regato.
Liló E não podeis descer sozinha daí?
Salsinha Não. O meu pai trancou-me aqui dentro. Sacana
Liló Que pena
Então, que tenho de fazer?
Salsinha O castelo é feito de algodão. As portas são feitas de chocolate. Só tendes de seguir em frente, comendo tudo o que lhe apareça pela frente. E, para que ficais mais desperto para o que vos espera, anuncio-vos que toda a minha roupa é feita de algodão doce
Liló Xi
Algodão doce
O Príncipe lambeu-se avidamente, os olhos reviraram-se e um fio de baba escorreu para cima do dorso do cavalo, que, temendo algo pior, relinchou mais uma vez, acordando Liló para a realidade.
Liló Pronto! Não precisais de dizer mais nada! Vou a caminho, minha princesa!
Salsinha Vinde, vinde, que vos espera a concretização de todos os vossos mais íntimos sonhos
O Príncipe avançou e devorou as portas do castelo. Um bocado enjoativo, o chocolate para culinária, mas o amor tudo compensa. Entrando no pátio interior, aproximou-se da torre e começou a comê-la. O desespero era tanto, que Liló não se apercebeu logo que o algodão da torre não era algodão doce, mas sim algodão simples, o que, ao fim de uns 7 metros de torre, começou a tornar-se muito intragável. Ainda assim, porque o seu prémio aguardava, continuou. A torre, sendo comida a partir de baixo, metro após metro, trazia o quarto cimeiro para mais perto de Liló, que devorava os nacos de algodão com um ar já agoniado.
Salsinha Estais quase, meu príncipe gritava ela, já cheia de calores.
Por fim, o quarto ficou ao nível do chão e Liló viu-se perante uma porta de chocolate com avelãs. Pedaços de algodão pendiam-lhe das mandíbulas, presos nos dentes. Inspirou profundamente, arrotou com vigor e, suspirando, atirou-se à porta, comendo-a em cerca de 27 segundos.
Salsinha Meu príncipe! exclamou, ardente e a arfar.
Liló acabou de mastigar o último pedaço de chocolate e olhou a Princesa Salsinha, mesmo ali, à sua frente, arfando, o peito a subir e a descer por baixo de um corpete de algodão doce azul, uma cuecas e ligas de algodão doce laranja e a tatuagem de um banco de jardim do lado esquerdo do umbigo. Toda a indumentária sensual e provocante estava a derreter-se por cima daquele corpo quente de desejo. O algodão açucarado misturava-se com o suor da pele, as cores desmaiavam e Salsinha parecia coberta, afinal, por uma nhanha empastelada que, depois de largos quilos de algodão, não parecia nada apetecível ao Príncipe Liló.
Liló Errr
Oh menina, que nojo que para aí vai
Um pequeno arroto brotou-lhe por entre os dentes castanhos do último pedaço de chocolate.
Salsinha Meu príncipe, temos que ser rápidos. Quanto a minha lingerie derreter toda, o efeito do feitiço passará.
Liló Feitiço? Qual feitiço?
Liló olhou Salsinha com mais atenção, começando a aperceber-se de uma camada peluda que despertava para o ambiente pesado do quarto.
Liló Oh menina, que pêlos são esses? Que nojo!
Salsinha Na verdade, eu sou uma Knorr. Uma bruxa feiosa, que trabalha no atendimento telefónico do INEM, transformou-me numa princesa coberta de algodão doce, para se vingar dos homens esbeltos que a desdenharam durante toda a vida.
(Nota do autor: os Knorr são uma espécie rara de animais míticos, adaptados fisiologicamente de uma obra de Woody Allen; os Knorr têm cerca de 2,4 metros de altura em adultos, a cabeça é um gomo de laranja algarvia, o tronco é de um chimpanzé e os membros são de chimpanzé, mas de chimpanzés diferentes.)
Liló parou uns instantes para pensar. Aquele não era o seu ministério, definitivamente.
Salsinha Que ar desolado é esse?
Liló Olhe, menina, eu vou-me embora, está bem? Fique-se lá com a cabana e os algodões e tudo o resto, que eu vou mudar de ares e beber uma água com gás para desenjoar disto tudo. Passe bem!
Salsinha Oh
- exclamou, desfazendo-se em lágrimas citrinas que lhe pingavam para os pêlos asquerosos misturados com algodão doce derretido.
Liló montou o fiel corcel, entretanto também já enjoado com tanta nojeira, fazendo-se ao prado e aos montes que tocavam o horizonte. Desapareceu para nunca mais voltar.
Moral da história: antes de qualquer casamento, convém sempre haver dificuldades que testem a relação e mostrem aqueles pêlos todos escondidos debaixo da capa do desconhecimento mútuo. pickwick