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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

17
Mai06

Contadores de Anedotas

riverfl0w
A ouvir, na voz de João Vaz

O meu blog dava um programa de rádio - Rádio Comercial

 

A Beatriz, uma pirralha de 11-12 anos, obrigou-me a fazer uma pausa para contar uma anedota nova. Entre enormes sorrisos e uns pulos histéricos, lá foi contando a anedota, que eram mais um enigma do que uma anedota, mas ela ria-se por todos os cantos e insistia que era uma anedota. Pronto. Então, eu estava dentro de uma casa com quatro paredes e uma janela em cada parede. Do lado de fora de cada janela havia animais ferozes: numa, eram 50 leões, noutra 30 “trigues”, outra 100 crocodilos e finalmente mais 10 jibóias na última. Por qual das 4 portas eu sairia? É que não ia querer ser comido, pois não? Portas?, perguntei eu. As minhas propostas de escavar um buraco no chão ou sair ejectado pelo telhado levaram a miúda a refazer a estória toda, sendo os “trigues” sido promovidos a tigres, por via da redução do seu número para 20. As jibóias passaram a ser 100 e os crocodilos transformaram-se em 20 tubarões num rio. Bom. Por fim, pensei qual dos animais poderia ser mais lento e optei pelas jibóias. E acertei! Fantástico. A Beatriz ficou frustrada por eu ter acertado, mas, ainda assim, fez questão de explicar a anedota: é que a melhor opção eram as jibóias porque eram 100… mas não 100 de cem, mas sim 100 de sem, ou seja, sem jibóias e tal… eu fiquei a olhar para ela a pensar se havia de me rir para ela ficar contente, ou continuar com cara de quem comeu arroz de grelos. A Beatriz, caso não saibam, é fã louca dos D’Zrt, dos Morangos com Açúcar e de outro lixo cultural do mesmo calibre. E quer começar desde já uma carreira de modelo. Bom, há gente que devia ser proibida de contar anedotas. Outros, deviam ser proibidos de escutá-las. Destes, lembro-me perfeitamente do Eduardo, já lá vão quase vinte anos. O Eduardo, estudante do 1º ano do curso de professor primário, era um fulano ali da zona da Bairrada, extremamente limitado intelectualmente, mas asseadinho. Tão asseadinho, que ficou famosa a baldada que atirou pela janela do sótão onde vivia comigo e com o Jorge. Baldada de água que usou previamente para lavar os pés fungosos e fedorentos, e que aterrou tragicamente em cima de um transeunte que circulava pacificamente naquela descida que existe junto ao Fórum Aveiro. O Eduardo era um tipo muito concentrado. Em época de estudo intenso, o mínimo ruído era pior que pratos partidos. O Eduardo estudava matemática pelos livros do 9º ano e nós devorávamos manuais de análise matemática de autores russos. Quando o Jorge virava a folha de um livro, o Eduardo quase saltava da cadeira, muitíssimo incomodado. Música no ar, então, nem pensar. E logo connosco, que tanto gostávamos de ter a música ambiente para um estudo mais rentável. Certa noite, após uma intensa sessão de estudo e de umas imperiais no Inhangá (esse mítico bar), o Jorge resolveu contar umas anedotas. Aqui está um rapaz que é um exímio contador de anedotas. Ora, nessa noite, optou por contar “apenas” anedotas do elefante e da formiga. Resmas delas. Não me lembro de quase nenhuma. Só daquela da savana. Eu conto. Num belo dia, na savana, apareceu ao longe um elefante e tal, aos saltinhos ligeiros como se andasse a saltitar num lago de nenúfar em nenúfar. Pelo caminho, atropelou uma multidão de formigas, junto à entrada do formigueiro. No dia seguinte, e nos demais, o elefante repetiu o passeio, ficando-lhe novamente o formigueiro no meio do caminho, produzindo grandes matanças diárias. A tal ponto, que as formigas resolveram revoltar-se e traçaram um plano maquiavélico para eliminar o elefante. Assim, um belo dia, puseram-se todas à espera do elefante, em formação de ataque. O “tum-tum” das saltitadelas do bicho eram impressionantes, mas elas não desarmaram. Quando o elefante ficou ao alcance, uma delas gritou “Agora!” e todas as formigas saltaram para cima do elefante. Este, pressentindo qualquer coisinha em cima da espessa pele, parou e sacudiu-se, atirando para longe as formigas que tinham acabado de saltar-lhe para cima. Todas, menos uma, que resistiu e ficou em cima dele. A esta, todas as outras bradaram lá do chão, em coro: “Esmaga! Esmaga! Esmaga!”... Pronto, contado por ele era de morrer a rir. E quando ele decidiu parar, já me doía tanto a barriga que não aguentava mais nenhuma anedota do elefante e da formiga. Eu ainda não tinha reparado, mas as únicas gargalhadas que se ouviam no sótão eram as minhas e as do Jorge. Os segundos que se seguiram à acalmia, foram cortados pelo comentário do Eduardo, muito sério: “eu não sei que piada acham a essas anedotas… ainda se fossem de alentejanos…“ O próprio Eduardo passou a ser uma anedota, em si próprio, daí em diante. Mudou-se para outra casa ao fim de um ou dois meses, mas ficou-nos para sempre na memória, pelas anedotas, pelas folhas dos livros, pela água de lavar os pés, etc. Cada vez que havia ajuntamento para sessões de anedotas, a figura do Eduardo acabava sempre por aparecer pelo meio, para grande risota geral dos que nunca o conheceram. Mas há mais. A Isabel, por exemplo, não entendia as piadas acima das básicas sobre alentejanos. Qualquer coisinha mais subtil, mas negra, passava ao lado, e a mocinha acabava por se rir sozinha, minutos depois, pela piada que achava de não perceber a piada acabada de contar… E, note-se, a Isabel era uma aluna com notas de 18 valores! Enfim, é como digo: se há gajos que deviam ser proibidos de contar anedotas, outros deviam ser proibidos de as ouvir. É como dar música clássica a um carroceiro! pickwick

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