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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

29
Abr12

Catalpa x cataplana

pickwick

Quando um gajo normal começa a lidar com uma área científica nova qualquer, abraça obrigatoriamente um leque de conhecimentos e de vocabulário técnico. Ora, eu nunca tive sensibilidade para a biologia, apesar de gostar de estar na natureza. Provavelmente, tal deve-se ao facto de só ter tido dois professores de Ciências da Natureza durante toda a minha vida: um oficial do exército que tinha o triplo da minha altura e uma senhora moderadamente humorada que me dava sempre 49% nos testes. Além do mais, nunca tive queda para a memorização de nomes, apesar de sempre ter cumprido os mínimos, isto é, jamais esquecer (ou trocar) o nome da namorada.

 
Obviamente, há limites. Um gajo mete-se a ler tratados científicos sobre propagação de plantas e fica logo chateado nas primeiras linhas, quando não percebe nem metade das palavras. Por exemplo, havia necessidade de usar a palavra “ritidoma”? Claro que não, bastava usar “casca” e o leitor percebia logo, mas há gente que gosta de se armar aos cágados, sempre a puxar de palavras de setecentos e cinquenta cêntimos… E amanhã de manhã já não me lembrarei do que quer dizer “ritidoma”.

 

A cena dos nomes em latim dá muito jeito, em especial para espécies que têm vários nomes na cultura portuguesa, e muiiiiito em especial para as espécies a que os portugueses trocam os nomes, baralhando tudo. Começando a falar em latim, o povo entende-se logo e deixa de haver problemas de comunicação. Depois, há as espécies não autóctones, a que a cultura portuguesa não deu nenhum nome. Aí, o mais frequente é adoptar-se o primeiro nome em latim.


Uma das árvores mais comuns nos arruamentos de cidades e vilas é a “catalpa bignonioides”, originária do sul dos Estados Unidos. É fácil pronunciar “catalpa”, mas nem completamente sóbrio consigo pronunciar “bignonioides” antes da décima tentativa.


Apesar da aparente facilidade na pronúncia, parece que um outro colaborador do viveiro tem algumas reticências misteriosas quando o assunto é esta árvore. Misteriosamente, porque se trata, de facto, de um mistério, ele insiste em tratá-la carinhosamente por “cataplana”. Já o alertei para a confusão linguística, vai para cima de vinte vezes, mas ele não desarma e insiste na “cataplana”. Começo a pensar seriamente se não quererá transmitir-me uma mensagem subliminar qualquer, relacionada com o âmbito gastronómico dos momentos de pausa nos trabalhos rurais. Eventualmente, trocar a carne grelhada por uma mariscada, a manteiga do pequeno-almoço por um paté de delícias do mar, o pudim por gambas, e o tinto por um verde gelado… pickwick

28
Abr12

Manteiga de amendoim

pickwick

Há pouco mais de dois anos que colaboro - como voluntário - num viveiro florestal, o qual está englobado num projecto de reflorestação de um terreno pouco pequeno, ali quase a chegar a Espanha, mas não tanto. É daquelas coisas em que um gajo se mete quando não consegue criar uma agência de modelos femininos ou montar um bordel de luxo ou arranjar namorada. Acontece.

 

Acontece, também, que um viveiro florestal desperta-nos para uma série de desafios inesperados. São as sementes que germinam de mais, as sementes que germinam de menos, a rega automática que entope, rega a mais, rega a menos, uma rabanada de vento mais pujante, um mangusto que assalta as instalações pela calada da noite, e… ratos!

 

Os ratos, são do catano! Começaram por venerar as centenas de bolotas de carvalho americano que foram semeadas em tabuleiros. Sobraram umas singelas covinhas vazias. Fizeram uma razia e instalaram-se de armas e bagagens algures onde lhes pareceu que tinham melhor vizinhança e não ficaria demasiado longe do supermercado para não ser preciso ir às compras de carro. Meteu-se rede metálica oito milímetros e encerrou-se o assunto (que estafadeira!). Mas, num viveiro, fechar a tasca das bolotas, é como fechar o restaurante chinês, mesmo ao lado do japonês, do mexicano, do italiano, e por aí fora. Os malandros podiam ter mudado para uma dieta sofisticada, baseada em saborosíssimos rebentos de ervas daninhas, tenrinhos e crocantes. Mas, não. Feitos brutos e de mau feitio, passaram a atacar sementes de prunus lusitanica, uma espécie autóctone que já raramente se encontra nas nossas matas. Não havendo rede para tantos tabuleiros de sementeira, inventou-se um esquema ao bom estilo Tarzan, pendurando-os com cordas que começaram a ceder após as primeiras regas.

 

Entretanto, procedeu-se a uma aprofundada investigação sobre armadilhas para ratos.

 

Ponderou-se, também, vedar todo o viveiro com rede e promovê-lo a resort tropical para um ou dois gatos – sem whiskas, nem sardinhas. Deliciosos ratos do campo, alimentados sem qualquer hormona, apenas à base de produtos naturais.

 

Da investigação, resultou um projecto de armadilha, recorrendo a um garrafão de água, peças móveis em arame, e manteiga de amendoim como isco. Adianto já que a armadilha não resultou, provavelmente porque o rato-do-campo português desconhece por completo a manteiga de amendoim, esse bedum do imperialismo americano, ao contrário dos ratos americanos que protagonizaram os inúmeros vídeos demonstrativos de armadilhas que abundam no Youtube. Valeu-nos umas pastilhas com veneno, e as coisas acalmaram por lá…

 

Mas, há muitos anos que não comia manteiga de amendoim. Desde… 1987. Entre 1984 e 1987, comia manteiga de amendoim como quem come caldo verde com rodelas de chouriça e um naco de broa. Não estava em Portugal, obviamente, porque, por cá, nessa altura, até a Coca-cola era “artigo de meio luxo”. Admira-me como não fiquei com diabetes, à custa disso. O mais habitual, era que a camada de manteiga de amendoim fosse de espessura superior à da fatia de pão. Um abuso, portanto. Desta vez, foi tudo mais comedido. Provámos a manteiga de amendoim ao pequeno-almoço, só por causa das cócegas, e o resto que sobrou das armadilhas ainda continua no frigorífico, à espera de passar o prazo de validade.

 

Pensando bem, acho que, pior que as fatias de pão barradas com manteiga de amendoim, eram as sandes de açúcar amarelo e canela com que a minha avozinha me presenteava ao lanche, quando ia passar algumas semanas a casa dela (ai, adolescência, onde já vais…). Ah e tal, é bom, come. Pois é, avozinha, e pumba, a boca toda empapada com açúcar e canela, os dentes acastanhados, uma nojeira completa. Depois, chegava o jantar, ah e tal, hoje o jantar é diferente, dizia a minha avozinha, e pumba, uma pratada de arroz doce a fazer as vezes da entrada, da sopa, do prato e da sobremesa, e um “não digas nada à tua mãe”. Já havia diabetes nessa altura? Ou é uma doença moderna que se propagou através dos macacos?

 

Bom, mesmo em minha casa, era um abuso. Recordo-me de, um belo dia, um dos meus vizinhos ter aparecido à hora do lanche e apanhado aqui o rapaz a preparar o leitinho numa caneca, segundo a receita habitual diária: um terço da caneca para o açúcar e o cacau, e dois terços para o leite. Qualquer coisa como uns quatro centímetros de depósito. O vizinho ficou escandalizado, eu fiquei com má fama nas redondezas, mas os grossos nacos de pão barrados em Tulicreme ficavam tão divinais quando mergulhados naquele néctar lácteo… pickwick

27
Abr12

Lavagem ao cérebro

pickwick

Todos os dias, vou a caminho do trabalho a ouvir a Rádio Comercial no carro. Não é uma atitude muito inteligente, em especial quando o Ricardo ou o Palmeirim se esticam um bocado e um gajo vai por ali fora de boca escancarada, em sonoras gargalhadas, a toldar-se a vista com os litros de fluido lacrimal que nascem não sei de onde. É coisa para um acidente grave de chaparia a moldar-se a um viril eucalipto, ou, no mínimo, a ter que dar explicações pouco convincentes a algumas personalidades da população local.

 

Nos intervalos das cenas hilariantes, os senhores da Rádio Comercial continuam naquela incansável e pouco nobre missão de impingir uma certa e determinada música aos seus ouvintes. A primeira vez que ouvi, pensei que era mais uma cena hilariante. Um gajo a discursar por cima de uma pseudo-melodia, a mandar-me ir para a rua abraçar fulano e sicrano, com uma entoação tal que parece que engoliu um agrafador e que a pilha do pacemaker está a falhar. Pessoalmente, não estou bem a ver que venha a correr bem, caso eu saia à rua e abrace alguém. Posso dar de caras com um larilas carente, levar com uma ponteira de guarda-chuva nos testículos, ou ser preso por pedofilia.

 

Mas, vá, a letra até faz um apelo engraçado, embora venha atrasada no tempo. O povo já está num patamar evolutivo e filosófico em que o falhanço não existe, porque a culpa é dos outros, merece-se sempre muito mais e só não se tem por culpa dos outros, o sonho nunca se realiza, por culpa dos outros, e por aí fora, que a culpa é sempre dos outros e por isso somos os maiores… E, certamente, quem nunca acha que comete falhas, nunca sentirá um abanão, nem nunca imaginará cair e será sempre, sempre, sempre muito forte, o maior… O senhor que escreveu a letra, esquece-se que um dos principais cancros da nossa sociedade, é o excesso de auto-estima, e não o seu défice. Mas, isso agora não interessa.

 

O que importa, é que andam a impingir esta música à malta. À força. Como uma lavagem ao cérebro. Ah e tal, hão-de ouvir tantas vezes isto, que daqui a pouco tempo vão adorar, apesar de ser um bocado intragável. Confesso que já falta pouco para eu começar a assobiar depois de a música chegar a meio, mas, até meio, é um sofrimento daqueles, sempre agoniado com o engasgamento do cantor, que ainda pode entrar em paragem cardíaca caso a pilha passe de fraquinha a moribunda ou o agrafador largue os agrafos todos como má reacção a um galão matinal com torradinha... pickwick

26
Abr12

Abutrismo

pickwick

“Abutrismo” vem do “abutre” e já sei que esta palavra não existe, mas fica bem mais exótico do que recorrer a malabarismos com “necrófago”. Se bem que “detritívoro” e “saprófago” fazem lembrar, respectivamente, uma dançarina bolachuda de Honolulu abanando dezenas de folhas de couve agarradas à cintura, e um sapo que só come batatas fritas do McDonald’s regadas com molho de saliva de princesa. É giro, mas não é modermo. Já “abutrismo”, faz lembrar essa “nova” modalidade desportiva chamada arborismo, que mais não é do que uma imitação barata de uma prova constante do currículo de várias tropas especiais em todo o mundo. Cheira a modernidade, portanto.

 

Outro dia, dei por mim a sentir-me nitidamente como um abutre, a pairar lá no alto dos céus, vigiando as tragédias alheias e aguardando pacientemente uma pouco esforçada refeição. A que propósito?

 

Há uns três anos atrás, trabalhou na minha instituição uma mocinha chamada Caty (nome de código), aí pelos seus trinta aninhos, fofinha quanto baste, casada e mãe recentíssima. Uma joia de miúda, prestável, simpática, reservada, elegante, enfim, só com o grande “defeito” de ser casada.

 

Ora, há um par de meses, comentou-se em sussurro que a Caty se tinha divorciado, após um curto casamento. E pensei para comigo: ena pá!... tão fofinha… agora, livre que nem um passarinho… provavelmente a precisar de compreensão e carinho e atenção e miminhos e um penteado novo e coiso e tal… Assim que pude, espreitei-lhe o dedo, para confirmação, e aproveitei a onda para espreitar tudo o resto, a ver se as condições de qualidade se mantinham: o diâmetro das coxas, o volume das calças de ganga, o posicionamento do umbigo em relação à espinha, e até o sorriso, que quase não se vê. Como um abutre, a ver se o naco de carne em decomposição ainda está dentro do “prazo”. E senti-me envergonhado comigo próprio! Francamente. A desgraçada da miúda a tentar endireitar a vida, provavelmente, e eu a tirar-lhe as medidas todas e fazer contas de cabeça.

 

Felizmente, caí em mim. Não há nada como um défice excessivo de glúteos para um gajo cair em si. Ou, como diria um amigo: arranjas com cada desculpa mais esfarrapada…

 

Ainda assim, vou aguardar pacientemente por um clima mais propício à apreciação visual da arte anatómica. pickwick

17
Abr12

Tortura silenciosa

pickwick

No blogue de uma certa menina e moça lisboeta com escamas, que não conheço de parte alguma, encontrei uma referência a um episódio a transbordar de erotismo: uma mulher trajando um casaco comprido (o termo técnico é “trench coat” – as coisas que eu aprendo com mulheres), saia curta e oculta, provocando, assim, a imaginação de quem lhe passa a vista por cima; com uma hipotética abertura do casaco, revelar-se-ia um corpo nu e sensual, ou, para estragar tudo, um bem abonado mostruário de relógios traficados.

 

Pessoalmente, acho que, quando uma mulher usa casaco comprido e saia curta, sendo que esta é tão curta ou aquele tão comprido ao ponto de aquela ficar oculta por este, fá-lo por pura e dura sacanice para com o sexo oposto. Não é uma opção inocente. Não pode ser. É propositadíssimo, porque já é sabido que tal combinação de vestuário vai gerar uma daquelas dúvidas capaz de levar um homem ao suicídio por afogamento na própria saliva.

 

Há um niquinho de sadismo em toda a mulher minimamente apresentável… uma espécie de “querias comer-me toda mas agora não que acabaram-se-me os oregãos”. E o ego vai pela sanita abaixo quando não se vislumbra um olhar masculino carregado de dúvida. Não me importo nada com isto e até acho muito bem. Nós, homens, devemos saborear as dúvidas, ao invés das “favas contadas”, pois as coisas mais difíceis são aquelas a que daremos mais valor. Dizem.

 

Mas, muito pior que um “trench coat” por cima de uma saia curta, é uma saia-calção, ou, melhor, um calção-saia. Ou seja, um calção a imitar uma saia. Uma mini-saia! São a coisa mais irritante que existe em termos de vestuário feminino! Dá vontade de ir lá e espancar a rapariga e gritar-lhe sua estúpida era mini-saia a sério que devias usar, mas ‘tás parva ou quê?! Um gajo ali a salivar e afinal… Juro que já não me chegam os dedos dos pés para contar o número de vezes que senti um impulso animal interior para ir ao pé delas e distribuir chapadas a eito e meia dúzia de cabeçadas com a nuca.

 

Aparentemente, usar calção ou calção-saia vai dar ao mesmo, dado que mostra a mesma área desnuda de pernas, mas… que tem de tão fenomenal a mini-saia? É aquela “coisa” do casaco… o que estará por baixo? Toda a gente sabe, é o mesmo em todo o mundo, tirando o mito das orientais ou alguma inesperada redução de pano… Portanto, qual é a crise?

 

Qual é a ideia, afinal? A pornografia é uma mera exibição da nossa privacidade… é como fazer cocó e levá-lo num frasquinho para o trabalho, para mostrar aos colegas, ou para um jantar com a família. Eventualmente, selar o cocó com laca para o cabelo, para o expor inodoro numa qualquer galeria de arte. Ninguém leva o cocó para o trabalho, porque é coisa íntima, tal como o pirilau que não se exibe por aí com um pouco de Rimel nos pêlos púbicos mais compridos.

 

A mini-saia consegue fazer a ponte entre a privacidade e a pornografia. O triunfo da mini-saia, não está na nudez das pernas, mas no efeito “trench coat” que provoca. Se não fosse assim, e se não houvesse o niquinho de sadismo feminino tão generalizado, não haveria mini-saias. Era calções curtos para todas as mulheres: a mesma área de pernas a bronzear, muito mais prático para subir escadotes em bibliotecas, e a garantia de nunca arejar as cuequinhas numa qualquer escorregadela imprevista! pickwick

Toma! Toma!

 

16
Abr12

Os fechos das mochilas

pickwick

Foi certamente no ano de 1987. Necessitava de trocar a minha mochila de campismo, com armação exterior em tubo de alumínio, típica da época, por algo maior, com o dobro ou o triplo do tamanho. Depois de umas buscas, descobri uma loja de malas de viagem que tinha dois tipos de mochila, da marca “Jackal”. Uma delas, cativou-me logo de imediato. Enorme, bem acolchoada nas zonas estratégicas, muito bem apetrechada de alças, fitas e bolsos. Com jeitinho, metia duas namoradas lá dentro, bem encolhidinhas. Na época, não era habitual as mochilas trazerem a referência à capacidade em litros, mas aquilo dava, à vontade, para cima de 100. Na época, nem sequer era hábito ver-se mochilas daquelas.

 

Durante mais de duas décadas, esta mochila serviu-me fielmente. Nos invernos, quando ia para a Serra da Estrela fazer umas longas caminhadas, tudo cabia lá dentro: a tenda, o cobertor, o saco-cama, as mudas de roupa, as camisolas, o rolo de ph, a comida, a bebida, a máquina fotográfica, a objectiva de 300 mm para a máquina fotográfica, o flash para a máquina fotográfica, o digestivo, as velinhas para alumiar a noite, a lanterna, as pilhas de reserva para a lanterna, a faca-de-mato, os amendoins, etc. As fitas exteriores permitiam acoplar uma infinidade de objectos, com destaque para cobertores extra e toldos para a chuva. O pano de que era feita resistia heroicamente a pontapés, tojos, rochas afiadas e voos imprevistos para superfícies agrestes.

 

No entanto, ao fim de uns cinco anos de uso, o cinto acabou por rasgar-se, tal era o peso. A partir de aí, as idas para a serra implicavam suportar totalmente o peso nas costas, em vez de o distribuir também pelas ancas.

 

Há poucos anos atrás, no vale que sobe de Unhais da Serra para cima, fui atacado por dores violentas na coluna, que me obrigaram a parar quase de dez em dez metros para alivar o peso das costas. Desconfio que houve uma vértebra que… ah e tal… mas isso agora não interessa. Durante os seis meses seguintes, não aguentava caminhar mais do que uma hora seguida (sem mochila) ou correr mais que dez minutos. Depois, a coisa melhorou naturalmente (milagrosamente?), mas deixei de usar a mochila em grandes caminhadas.

 

Passei a usar uma outra mochila, recente, com capacidade para meia dúzia de tarecos (45 litros). Com o cinto bem apertado, para aliviar as costas. De inverno, aquilo pouco mais leva lá dentro do que o saco-cama e umas garrafas de litro de… ah e tal…

 

Por essa altura, já andava há alguns anos a pensar em comprar uma mochila grande para substituir a “Jackal”, dada a sua idade e desgaste. Mas, não encontrava nada no mercado que lhe chegasse aos calcanhares. Poucas fitas, poucos bolsos, material frágil e esquemas sofisticadíssimos para os costados. O que mais me afligia, é que todas tinham um ou dois fechos de correr à frente, a abrir na vertical. Este foi o motivo maior pelo qual nunca cheguei a comprar a mochila. E insultava repetidamente os fabricantes das mochilas, por meterem fechos à frente, os quais se acabariam por estragar facilmente mal se começasse a querer encher a mochila à força. Além de que facilitaria a entrada de água dentro da mochila.

 

Nas férias do Natal de 2011, levei mais a sério a necessidade de comprar uma mochila grandinha, pelo menos maior que a de 45 litros. Corri algumas lojas e descobri, vergonhosamente, que aqueles fechos na frente das mochilas, afinal, não eram fechos para o interior da mochila, mas apenas para um bolso frontal. Ou seja, bem que já podia ter comprado a mochila há uns bons anos! Tanso! Enfim… Esclarecidíssimo, comecei a escolher uma que aguentasse os ambientes hostis de tojos e giestas de dois metros. Encontrei uma muito simpática, da Monte Campo, 65 litros, com aspecto resistente.

 

Quanto cheguei a casa, descobri, para meu espanto, que o modelo da Monte Campo que acabara de comprar, deve ser a única mochila à venda no mercado em que o fecho frontal dá, de facto, acesso ao interior da mochila, e não a um bolso… Já não sabia se havia de saltar pela janela e amenizar a frustração com uma tentativa falhada de suicídio, ou meter a mochila na assadeira das chouriças e chegar-lhe o fogo… O certo é que, ao chegar à fase de atestar a mochila com garrafas de espumante e cervejas de litro, o sacana do fecho começa a fraquejar. Quem sabe se isto não é um sinal do além, a sensibilizar-me para o consumo moderado de hidratantes… pickwick

15
Abr12

Os maridos das outras

pickwick

Há por aí um Miguel Araújo a cantar uma coisa chamada “os maridos das outras”. Da primeira vez que ouvi, na Rádio Comercial (a tal em que “este blogue deu um programa de rádio”), pensei para comigo, logo nas primeiras frases: xiii… passaram-se!

 

Depois de ouvida até ao fim, achei esta música uma delícia digna de se ouvir até fartar: tanto pela letra certeira, como pela sonoridade do conjunto. Uma série pujante de relâmpagos entrou-me pelos olhos dentro, trazendo à memória um número incómodo de mulheres que conheci ao longo da vida e que encaixo perfeitamente na letra desta música.

 

Recordo, com sabor a chocolate amargo (pfiu!...), cinco anos da minha vida atormentados por uma namorada que torrava sistematicamente o meu ego com comparativos aos namorados das outras, ou namorados de ninguém, tanto lhe fazia.

 

Felizmente, pela minha saúde mental, mas infelizmente, pela falta de substrato para a escrita, o passar dos anos apurou-me a estratégia de escapar ao convívio com este tipo de mulheres. Há que saber evitar. Há que saber escolher. Às vezes, também não, que a carne é fraca.

 

No meio disto tudo, o que interessa? A chegada desta música a um top da Rádio Comercial é uma insignificância, um pêlo púbico de formiga, quando comparada com a reacção de cerca de um terço da população portuguesa. Este terço, note-se, inclui os cidadãos que não ouviram a música, mas que fariam oficialmente parte do terço, caso a ouvissem.

 

E como reagiram estas pessoas? Ficaram escandalizadas com a música! Porquê? Porque os homens não são assim!!!

 

O direito à indignação e à expressão deram as mãos à estupidez natural, formando aqui uma onda trilateral de baixíssimo défice intelectual que muito me aflige. A incapacidade para distinguir uma ironia é, para mim, que sou barbeiro, o melhor indício de défice intelectual. O que pouca gente se apercebe, é que caminhamos a passos largos para uma população em que metade não é capaz de distinguir uma ironia, nem que esteja alapada num cocó de mostarda florescente em cima de um prato de iscas, a esbracejar e a fazer sinais de luzes. pickwick

14
Abr12

Recalibrar

pickwick

Páscoa, é época de rever a família, atulhar o organismo com calorias e gorduras, e passar uma imensidão de tempo afundado num sofá em frente a uma TV.

 

Por vezes, um gajo satura as nádegas e a espinha de tanto descanso de qualidade e aspira a uma lufada de ar fresco. Propus ao meu irmãozinho fazermos uma investigação breve sobre o “gajedo” no mega centro comercial da cidade, ao que ele contrapôs com um comentário de elevadíssimo nível intelectual: não, irmãozinho, vamos é recalibrar! Eu sei que o meu irmãozinho anda a ficar meio apanhado de tantas horas a trabalhar em investigação ao nível da fusão nuclear e outras coisas do mesmo calibre, mas, ainda assim, fiquei impressionado. Vamos ao centro comercial recalibrar. Soa bem. Parece que vamos recalibrar um osciloscópio, quando, de facto, a verdade esconde o desejo obsceno de recalibrar dezenas de elásticos de cuequinhas e sutiãs.

 

Já no centro comercial, não aguentei mais e obriguei o meu irmãozinho a pronunciar-se mais profundamente sobre o conceito da recalibração aplicado ao sexo feminino. O que dali saiu, foi uma teoria lindíssima, surpreendentemente aplicável no dia-a-dia, a saber:

 

Do ponto de vista masculino, quando convivemos algum tempo com a nossa namorada, amante colada, companheira ou esposa, há um processo insuspeito do nosso subconsciente que nos convence progressivamente de que a dita cuja é realmente gira. Tal não corresponde à realidade, claro, porque a sorte não é para todos e há razões que a escassez de dinheiro desconhece. Mas, aos poucos, vamos ficando convencidos. Elas dão uma mãozinha, um perfume novo, lingerie fatal, menos saia, depilação cuidada, culinária apurada, carinho quanto baste, etc. Assim, e a bem daquele pragmatismo que nunca devemos abandonar (uma gaja boa, é uma gaja boa), é de suma importância que seja feita uma recalibração periódica dos parâmetros que assistem à definição da beleza feminina. Tal consegue-se, com alguma facilidade, lavando as vistas em qualquer centro comercial ou praia onde abundem exemplares do sexo feminino. Um gajo observa, tira as medidas, arreganha as beiças, deixa escorrer um fio de baba pelo canto da boca, sussurra umas exclamações pouco católicas, e, aos poucos e poucos, começa a recalibrar a bitola da qualidade. A fasquia sobe, evidentemente, até à medida standard, pelo que a namorada ou esposa sofre uma queda brutal na reapreciação, com uma aproximação consistente à realidade. Já não é “gira”, mas apenas “engraçada”. De “boa”, passa a “dá para umas trincas”.

 

Já agora, o que é uma amante colada? É uma namorada que não se assume como namorada, mas que vive colada como uma, embora seja apenas amante. Dá para perceber? Pois claro.

 

Este processo de recalibração deve ser usado com algum cuidado e critério. Se decorrer em ambiente adverso, apinhado de gajas feias, peludas, gordas, mal feitas e forradas com trapos, incorre-se no risco de ficarmos convencidos que a nossa namorada ou coiso e tal é uma forte candidata a Miss Universo (já ganhou) e uma excelente capa para a Playboy. pickwick

13
Abr12

A fotógrafa do presidente

pickwick

Há uma semana atrás, estava eu a degustar um Sunday de caramelo no McDonalds, de frente para uma amiga de peito excepcionalmente generoso mas sem qualquer nesga de decote, quando recebo um telefonema “urgente” do meu treinador: ah e tal, o senhor presidente da câmara quer homenagear-te por teres sido campeão nacional.

 

E assim foi. Ontem, acompanhado de uma muito extensa comitiva do meu clube desportivo (treinador, administrativo, presidente da direcção, presidente da assembleia, secretário, ajudante de secretário, vice-qualquer-coisa, etc.), fui recebido pelo senhor presidente da câmara municipal, no salão nobre da autarquia.

 

E o que é que um gajo pensa assim que é convidado para uma coisa destas? Obviamente: gambas e vinho verde! Infelizmente, os tempos são de crise e nem um quadradinho de chocolate de culinária.

 

O senhor presidente bota discurso, eu reservo-me o direito de pouco ou nada dizer para pouco ou nada errar, os membros da comitiva aproveitam para debater o movimento desportivo no concelho, o meu treinador divaga em mil e uma filosofias, recordam-se tempos idos que nada me dizem porque eu ainda por cima resido no concelho ao lado, elogia-se o pai do senhor presidente que por acaso até foi treinador (da bola) de alguns dos presentes num passado recuado vinte anos, e, voltando a mim, suspiro ininterruptamente em segredo, pois no salão só há homens. Ou não.

 

Com muita discrição, uma mocinha dos seus trinta anos entra pelos bastidores, de máquina fotográfica em punho e sorriso tímido. Como é que fazem os radares quando detectam um submarino? Ping, ping, ping? Pois é. Calças de ganga justas, camisola discreta, uma delícia de elegância feminina. Nem uma gordurinha naquelas coxas! Com a atenção toda concentrada nas costuras das calças dela, perco definitivamente o fio à conversa do senhor presidente com a comitiva desportiva. Sinto-me satisfeito, assim como que com a sensação de dever cumprido e a pátria a salvo, quando descubro uma mulher assim tão bem apresentada. Como se a descoberta contribuísse, realmente, para a salvação da pátria. Eu sei que não, mas há dias em que parece.

 

Entretanto, há umas movimentações inesperadas e sou apanhado pelo senhor presidente a apertar-me a mão e a oferecer-me uma salva metálica e uma porcelana e um saquinho e uns brindes e a dizer umas palavras bonitas sobre a ocasião e o esforço desportivo. A menina saltita para a esquerda e para a direita e solta-se-lhe uns flashes. Para melhor captar a cena, refugia-se atrás do magote de gente que compõe a comitiva desportiva, privando-me sadicamente da visão das suas esbeltas coxas. Ainda estou a tentar apanhar bonés e o senhor presidente, numa iniciativa enérgica, afasta a grande mesa de madeira e chama a comitiva para uma foto de grupo, gracejando sobre o meu peso e não sei o quê de eu lhe poder dar um enxerto de porrada, que não percebo nada porque o “céu” fica limpo e a fotógrafa aparece em primeiro plano, procurando o melhor ângulo. A foto já apareceu no site da câmara e eu estou com um ar de tarado, de olhar fixo algures abaixo da linha da objectiva da máquina fotográfica. Vergonhoso, eu sei, mas ela era tão fofinha… pickwick

12
Abr12

O humor do alce

pickwick

Há dias em que uma das minhas convicções pessoais sobre a vida e as gentes toma uma solidez impressionante: há cada vez mais gente avariada da cabeça.

 

Na última oportunidade que tive para ficar boquiaberto, dialogava com uma empresária farmacêutica trintona, muito bem arranjadinha e prendada, aparentemente moça simpática. E digo aparentemente, porque, logo desde o início do diálogo, achei-a muito fofinha e comecei a debitar algumas graçolas que não tiveram o retorno habitual. A maioria das pessoas com quem convivo, tem capacidade para perceber quando estamos a atravessar umas piadinhas no meio da conversa, assim como que para descontrair.

 

Por exemplo, posso gracejar que o meu carro tem o motor quase a cair para o chão, que é como quem diz que já tem uns quilómetros jeitosos no pêlo. A moça responde a isto com um ar entrunfado, ah e tal, estás sempre a gozar. Estou nada, digo-lhe eu, estou só com uma gracinha, até parece que não estás bem humorada hoje! Eu tenho bom humor, diz ela, só que bom humor não é sinónimo de gozo! Cheio de oriental paciência, ainda lhe tentei fazer ver que uma coisa é estar com piadinhas pelo meio e que outra coisa é gozar com a cara das pessoas, mas ela sugeriu-me perguntar a opinião a qualquer pessoa, em especial alguém que fosse expert na língua portuguesa, como uma professora de português, por exemplo. Eu nem me atrevo a tal!

 

Mas, isto anda tudo a ficar maluco?

 

O gajo que faz humor, nunca goza, porque gozar é feio. Por outro lado, o gajo que goza, nunca tem humor, porque é feio e o que é feio não tem humor. Deve ser assim o pensamento elevando da moça. Cá para mim, isto não é um caso isolado.

 

Há uma quantidade absurda de gente que se acha inteligente, mas que é incapaz de perceber uma ironia, por mais óbvia e vistosa que seja. O “achar-se inteligente” já é um sintoma de uma qualquer falha, nem que seja apenas um défice daquela virtude maior que é a humildade. Mas a incapacidade para processar uma frase irónica é algo que me deixa mesmo muito pasmo. Fico logo com a comunicação toda avariada. Um gajo tem que fazer o esforço para não conversar como conversaria com qualquer pessoa normal, mesmo com um miúdo de dez anos, e procurar expressar-se para um misto entre um atrasado mental e um penedo cheio de musgo. Deve ser o tal povo bronco que abunda e domina a nossa sociedade lusa. Sinto-me desolado, quando é assim.

 

Eu gosto de sorrisos. Gosto de dizer umas piadinhas para ver se me rodeio de sorrisos. Os sorrisos femininos, em particular, são aquela coisa deliciosa tipo chocolate cor-de-rosa a derreter-se debaixo de um sol de agosto. Uma gargalhada também é bom de ouvir. A vida vive-se melhor assim, digo eu. Corre-se o risco de deixar alguém mal disposto, porque dizer uma piadinha é estar a gozar, mas, lá está, é como o alce: um bicho careta daqueles, não tem mesmo motivação alguma para arreganhar as beiças. pickwick

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