50 anos de invulgar boa manutenção
Bodas de Ouro, ou coisa que o valha. Chama-se Ana (nome verdadeiro, medo!) e tem cerca de 50 anos. Porquê “cerca de”? Porque, apesar de já trabalhar com ela há uns 7-8 anos, e de a idade dela e o respectivo aniversário já terem tropeçado na nossa vida profissional inúmeras vezes, há aquela nefasta influência do Alzheimer, que me impede de perpetuar no tempo certas informações mais ou menos importantes.
Acontece que estes 50 anos são uns 50 anos muito especiais. Naquela quarta-feira, pareciam mais uns 20 anos do que outra coisa qualquer. Era um dia como outro qualquer, exceptuando o facto de termos uma reunião conjunta logo a seguir ao almoço, daquelas coisas a que uma pessoa se sujeita como que a meter-se a jeito para apanhar uma indigestão. A Ana apareceu no trabalho com um vestido em género de lã, sendo que a saia acabava meio palmo acima do joelho. Palmo inteiro, quando sentada. Collants pretos, para disfarçar.
E qual era o problema? O problema, é que aquele vestido parecia ter caído em cima de uma jovem de 20 anos. Seios dimensão generosidade-radiante. Barriguinha zero. Pernas de gazela. Com um vestido justo por cima, mesmo que de lã, qualquer ser humano apreciador do género entra rapidamente em delírio!
Acho que passei o dia a tirar-lhe as medidas, feito comilão. Antes do almoço, ao almoço, depois do almoço, na reunião, depois da reunião. Foi uma fartura. Sempre arriscando o pescoço, claro, pois a hipótese de ser apanhado de surpresa a devorar-lhe mentalmente o corpo esteve sempre em cima da mesa. Arriscado, ou não, nunca se sabe. Depois da reunião, ainda tive que lhe aturar uns elogios profissionais à minha pessoa, pelo que havia uma ténue possibilidade de lhe arrancar um sorriso pornográfico, caso me apanhasse em flagrante a medir-lhe o comprimento da coxa e determinar as coordenadas GPS do umbigo.
A Ana é casada, mas isso agora realmente não interessa. É uma pena. Se fosse divorciada, havia ali muita matéria de estudo. Aliás, o meu sonho secreto é ela de repente aparecer divorciada e muito carente e muito disponível. Ou talvez não. Uma mulher carente arrasta sempre consigo uma dose imprevisível de insanidade, o que pode tornar-se bastante perigoso.
No entanto, e porque há sempre um “no entanto” quando o tema é “mulheres”, a Ana tem dois defeitos, na minha pouco convencional perspectiva.
O primeiro, é ser desequilibradíssima. É um defeito um bocado recorrente, nos tempos que correm, mas, ainda assim, desagrada-me imenso. De um momento para o outro, é capaz de alternar a candura de um pote de mel de abelha com o festival de meia dúzia de foguetes de fogo de artifício dentro de uma loja da Vista Alegre. Ultimamente, ora usa da maior delicadeza verbal que é possível num ser humano – em vocabulário e em tonalidade da voz -, ora dispara uns “filho da p…” em várias direcções. Bom, é um sinal dos tempos que a nossa sociedade vive.
O segundo defeito. Tem pele do tipo “pele de porco chamuscado antes de ser esquartejado”. Como quando se faz a matança do porco e se chamusca todo o pêlo com um maçarico. Não estou a ser mauzinho. Apenas realista. Quando lhe olho para a pele, parece exactamente isso. E falo com experiência de causa, com duas matanças no meu currículo. Coisa esbranquiçada, como se lhe tivessem chamuscado a penugem e depois passado com lixívia para desinfectar. Uma espécie de borracha branca de que ficaria bem qualquer personagem de um filme de terror. Isto é um daqueles casos em que um gajo tem que contemplar a paisagem com um filtro dimensional: apreciar a harmonia das curvas, enquanto o filtro bloqueia a qualidade física do material. Como delirar perante o formato rechonchudo de um rissol de camarão, procurando não reparar que foi queimado durante a fritura e que, ainda por cima, andou aos rebolões pelo chão de uma qualquer feira, com beatas coladas, centenas de grãos de areia agarrados e uma nojenta mancha de escarreta verde-amarelo. Que exagero! Eu sei, eu sei… pickwick