Desde pequeno que sempre gostei de exercitar o corpo e puxar pela máquina. Já não estou em estado de abusar muito dela, pela má utilização que lhe dei na última década, mas, ainda assim, lá vou dando umas escapadinhas.
Uma das escapadinhas a que me afeiçoei, é subir as escadarias da Nossa Senhora do Assobio (nome de código... sim, também tem direito), numa povoação a uma dezena de quilómetros de minha casa. Aquilo tem uns lanços de escadas jeitosos, com uns degraus muito medievais e toscos, e umas capelinhas espalhadas.
Já se imagina a coisa: subir, descer, subir, descer, e por aí fora.
Hoje, apanhei três mulheres de mãos dadas a fazer a escadaria. Ao longe, fui assaltado por pensamentos vários, com destaque para este, que se repetiu com maior frequência: são lésbicas e adoram ménage à trois. A uns cem metros, notava-se que a do meio trazia os ombros nus, coisa que eu aprecio muito, porque, como é do conhecimento público, logo abaixo dos ombros vêm as maminhas.
À medida que a distância se foi encurtando – elas a subir e eu a descer -, apercebi-me que a dos ombros nus era toda jeitosa, elegante e bem feita, assim na casa dos trinta, cabelo preto e comprido, enquanto que as outras já tinham passado do prazo ainda antes do final do Século XX.
Há fetiches para todos os gostos, como bem sabemos, e podia haver ali um qualquer daqueles que cruzam a homossexualidade com a paixão por gente mais nova e desta por gente mais velha. Por gente mais nova, eu até compreendo, ah e tal, maminhas firmes, pouca celulite, rabinho-de-pêra, etc. Mas, por carne flácida, celulite descaída, maminhas até aos joelhos e pele encarquilhada? Por favor.
No momento do cruzamento entre o trio e a minha pessoa, fiquei impressionado com o que se estava a passar entre as três. Iam de mãos dadas, sim, mas a rezar. Acima e abaixo da longa escadaria. Subi três vezes, elas já lá andavam quando cheguei e por lá ficaram quando abalei. Uns “Pai Nossos” e umas “Ave Marias”, tipo a reza do terço.
Numa das vezes em que nos cruzámos, percebi mais qualquer coisa para além das tradicionais orações atrás citadas. A mais nova, com mais vigor e em muito boa forma física (já disse que era toda boa?), rezava: Nossa Senhora do Assobio (nome de código), concedei-me um emprego...
Confesso que foi a primeira vez que ouvi alguém a pedir um emprego daquela forma. Impressionou-me, e pela positiva. Deu-me logo uma vontade imensa de ser um empresário extraordinariamente bem sucedido e consequentemente rico, para lhe dar um emprego logo, logo, logo. Não por ela ser toda boa e jeitosa e estar em boa forma, mas pela Fé que a levou a fazer aquele esforço físico.
Eu não sou assim um católico daqueles de tirar o chapéu, pois se vivesse na Idade Média já me teriam chegado fogo às nádegas numa fogueira qualquer, mas, tenho a dizer que, ao passar pela rapariga e ouvir-lhe aquele pedido desesperado, fiquei com a estranha sensação de lhe estar a ler a alma com uma nitidez impressionante.
Não aprecio aquela malta que anda de joelhos por Fátima, para cumprir uma qualquer promessa. Mas, já sinto bastante admiração pelo esforço colocado no pedido e pela Fé da rapariga, convicta de que, eventualmente, alguém, lá em cima, a escutaria e a atenderia.
Fiquei assim todo melancólico, sim. Também estava a suar por todos poros e a largar um fedor muito másculo mas pouco agradável. Depois, cheguei a casa, meti uns restos de queijo à boca, abati duas cervejolas ao stock do frigorífico, e vim para aqui escrever este post, antes que fosse atacado pelo incrível Alzheimer e aqueles momentos na escadaria fossem comidos pela bocarra feia do esquecimento. pickwick