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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

27
Jan09

O meu amigo Printed Papers

pickwick
Já ando para escrever este post há mais de um ano, mas varre-se-me da memória com demasiada frequência. Hoje, apanhei-o a tempo.
 
Para os leitores que desconhecem esta minha faceta, cumpre-me informar, a título de contextualização, que faço de conta que sou coleccionador. Especializei-me em livros pouco novos, a que pomposamente poderia chamar de “antigos”.
 
Os livros versam sobre um tema muito específico, que agora não vem ao caso, sendo que o mais antigo data de 1900. Ainda me faltam uns quantos das décadas de 80 e 90 do século XIX, mas isso fica para outras núpcias da carteira.
 
Acontece que, na sua esmagadora maioria, os livros são comprados na Internet e voam até minha casa por via dessa maravilha da sociedade que é o correio. Ora em alfarrabistas, ora em leilões, vou-os caçando, a pouco e pouco, e cá vão chegando, lentamente.
 
Dá um certo gozo, esta caça, porque, tal como na verdadeira caça, a paciência sempre compensa. Assim, já tenho conseguido comprar obras com 70-80 anos, por cerca de 20 euros (já com portes) que se encontram facilmente à venda por mais de 100 euros! Alguns dos livros, consegui comprar após uma caça de dois anos!
 
Bom, dado o facto de me encontrar a trabalhar todas as santas manhãs, até durante as férias que deixei de ter, o senhor carteiro acaba por não me deixar o pacote na caixa do correio, quando o volume excede determinado limite. Deixa-me, então, um aviso para ir levantar o pacote à estação dos correios, o que me levanta outro problema: sair do trabalho antes de os correios fecharem.
 
Seja como for, o carteiro é obrigado a deixar, no aviso, o nome o remetente do meu pacote. Ora, sistematicamente, e segundo o carteiro, o remetente é um senhor que dá pelo nome de “Printed Papers”. Deve ser muito meu amigo, porque passa a vida a mandar-me pacotes de diferentes tamanhos, cores e pesos. Umas vezes escreve do Reino Unido, outras vezes dos Estados Unidos. Deve ser um gajo muito viajado, o meu amigo.
 
E depois ainda há quem duvide que somos um país de iletrados e de analfabrutos com canudo! Arre! pickwick
21
Jan09

The first time…

pickwick

 

A pedido especial de uma leitora, vou arranjar maneira de me enterrar, com um relato pindérico da minha primeira vez. Assim seja.
 
Se eu fosse um índio, daqueles com a pele vermelha e penas a pingar do rabo-de-cavalo, provavelmente chamar-me-ia chacal-desconfiado. A desconfiança é, e sempre foi, uma característica que me condiciona no dia-a-dia, nas decisões, nas relações com as outras pessoas, enfim, em cada passo dado. E com elas, pior ainda. Ao ponto da paranóia, confesso. Mas, antes passar fome que ser apanhado em falso – era o lema.
 
A Ondinhas (nome de código, obviamente) foi o primeiro beijo, na porta que dava para as escadas de emergência do prédio dela. Assim uma coisa tipo passeio na lua, portanto, como se um gajo estivesse a provar cogumelos chineses pela primeira vez, daqueles todos besuntados e escorregadios, que não se podem trincar com muita força senão ou saltam disparados boca fora ou deixam um gajo a largar baba de forma vergonhosa. Um beijo, um encosto, um olho nas beiças dela, um olho no decote, um olho nas escadas, outro na porta do elevador, outro na porta do apartamento dela, outro nas portas dos outros apartamentos e o radar no máximo. Nestas ocasiões, um gajo desenvolve glóbulos oculares com uma multiplicidade digna de um épico do Kung Fu. Às custas desta desconfiança de ser apanhado em flagrante a babar-me para dentro da boca de uma miúda, fui oportunamente chamado à atenção pela mesma, no sentido de, de forma clara e objectiva, fechar os olhos e saborear o momento. Não dá. Mas resulta um gajo deixar uma nesga de um dos olhos abertos, quase sem se notar atrás das pestanas, e ir mudando de posição, enquanto faz de conta que está concentrado, para através da nesga controlar as beiças, o decote, as escadas, a porta do elevador, a porta do apartamento dela e as portas dos outros apartamentos. Não há nada como ser-se artista.
 
A fase seguinte, com a Ondinhas, foi a exploração anatómica do amor. Ora, dada a tenra idade de ambos, mais dela do que minha, a localização geográfica com melhor índice de segurança, para o desenvolvimento de tal actividade, era o próprio apartamento dela. Durante o dia. Com os pais fora. E as duas irmãs dentro. E às vezes a empregada também. É para estas situações que servem as fechaduras nas portas. Portanto, se da parte dela – miúda já com experiência, segundo confidência – as preocupações passavam pela panóplia de coisas que poderia fazer com a minha pila, e que a minha pila podia fazer-lhe a ela, assim como a diversidade de usos não verbais que se pode dar a uma língua e as diabruras que habitam nas pontas dos dedos, já as minhas preocupações eram mais… como direi… lá está… o índio “chacal-desconfiado”… a saber:
 
1. A irmã Cristina (nome de código) ainda era muito novinha para se poder interessar por essas coisas de gajos e ah e tal, mas nunca se sabia até onde podia esticar a sua curiosidade de saber se estávamos fechados à chave num gabinete a jogar ao Monopólio ou à Bisca. E um buraco de fechadura é sempre um buraco de fechadura.
 
2. A irmã Maria (nome de código), com quem estive no verão passado, já tinha idade para se interessar por coisas da vida, tendo uma pontaria impressionante para se passear pelo apartamento embrulhada numa modesta toalha (após um refrescante banho) no preciso momento em que eu ia a circular pela sala. O buraco da fechadura da porta é sempre aquela coisa e sabia-se lá o que lhe podia dar na telha para fazer, caso tivesse acesso visual às aventuras eróticas da irmã e do respectivo namorado.
 
3. Os pais, que trabalhavam na Câmara, tinham um horário pouco flexível, pelo que a orientação pelo relógio permitia-me entrar e sair do apartamento em segurança: de manhã, ao almoço e ao fim da tarde. No entanto, estar em segurança não quer dizer que um gajo se sinta em segurança. Assim sendo, estar trancado num gabinete do apartamento com a Ondinhas ou estar trancado no quarto dela(s), obrigava a uma reformulação permanente do plano de evacuação de emergência, dependendo das horas, das condições climatéricas, da quantidade de roupa no corpo e da mobília disponível. Um conjunto de variáveis com que é preciso jogar quando se planeia o que fazer se a mãe dela aparecesse de repente em casa fora de horas. A mãe até nutria uma simpatia engraçada por mim, mas a coisa mudaria de plataforma se desse comigo trajado em meia-cueca-molhada no apartamento do qual era proprietária.
 
4. O facto de, até aos catorze anos, ter apanhado umas valentes coças de chicote lá em casa, habituou-me a evitar situações em que possa ser apanhado em falta. Apanhado, nunca! Assim sendo, a última coisa em que me queria ver metido, era numa situação de jovem progenitor! O amigo Almeida, camarada de muitas saídas, lá me indicava os pormenores técnicos para evitar entalar-me com uma dessas, sendo que o emprego de dois preservativos em simultâneo era o expoente da técnica da prevenção. Com um, com dois, ou com vinte, um pingo em falso poderia originar o descalabro, dependendo de circunstâncias íntimas e independentes de cada um dos envolvidos. Todos os movimentos eram cuidadosamente executados, com frieza a mais, mas com muita convicção da minha parte, sendo que a Ondinhas se remetia para uma contestação completamente silenciosa – quando se é jovem, a paciência é mais abundante, portanto.
 
5. Embora não fosse uma coisa de suma importância, a dispersão desgovernada de fluidos pela mobília e outros adereços dos espaços utilizados, era, de facto uma preocupação, em especial naqueles momentos de enorme entusiasmo e pressão em que um gajo parece que nasceu com uma mangueira dos bombeiros em vez de uma pila. Havia, portanto, que tentar governar, com mão-de-ferro, a saída de fluidos. Nem que fosse aquela baba inicial.
 
6. Por fim, havia todo um mundo novo para explorar. Um gajo tinha visto em revistas, um gajo tinha visto na praia, um gajo tinha batido incontáveis vezes na privacidade da solidão, mas, realmente, não sabia o que havia para lá da superfície corporal de uma mulher. Tocar sem estragar, ok? Se apertar demais, rebenta? Cheira a quê? Mijou-se toda? Tem ali um caroço! Raio dos pêlos! Que coisa tão esquisita, com tantas peles. Um dedo? Dois? Três? Ah, miúda do caraças! Ena pá, cabe tudo lá dentro! Mas ela não geme? Espera, tem ali uma coisa dentro que parece uma serrilha! Que mamilos tão giros, cor-de-rosa, que mudam de tamanho. Como é que o Almeida lhe chamava? Clítoris ou clitóris? Se isto se rasga tudo, estou bem tramado! Hum, não sabe nada mal, vá lá. Líquidos com líquidos é que não, senão, estou bem lixado! Gosta de abrir as pernas, a garota, para mostrar que consegue fazer a espargata. Quentinho! Que raio!, não consigo chegar ao fundo! Com tantos apalpões e massagens mamárias, será que a mãe vai notar-lhe o corpo mais inchado, nas zonas mais íntimas, conforme uma das brilhantes teorias do Almeida?
 
Com tantas preocupações na cabeça, é óbvio que, na altura, aqueles primeiros momentos, calmamente prolongados ao longo de vários dias de um verão escaldante, serviram para pouco mais do que uma especialização em anatomia humana, interna e feminina. O prazer, esse, ficou para anos vindouros, com menos ameaças, a cabeça mais fria, e sem tanta curiosidade.
 
Quanto à Ondinhas, depois de eu me mudar para o outro lado do planeta, correu metade dos meus amigos e mais metade dos que eu não conhecia, e, da última vez que soube dela, vivia com um gajo que lhe dava uns valentes tabefes por-dá-cá-aquela-palha. Mas a culpa não foi minha! pickwick
19
Jan09

Raio dos anticorpos

pickwick
Aproveitei ser um dia diferente e fui até à cidade, ao hospital. Há uns meses atrás, recebi uma carta do Serviço de Imunohemoterapia (o paraíso dos vampiros), solicitando a minha presença física em horário incompatível com a minha vida profissional, na sequência de uma tentativa frustrada para dar sangue. É tramado um gajo andar quase vinte anos a dar sangue e um belo dia dizem que ah e tal, hoje não vai poder dar sangue, porque esteve em África quando era criança, e vai ter que fazer um exame por causa da malária (isto há quase quarenta anos atrás). Dada a especificidade do dia de hoje, aproveitei e fui lá indagar pelo resultado do exame da malária. Atendeu-me a senhora doutora que manda no arraial, uma fulana com ar de limpa-escadas, que já conheço há quase uma década, e que está cada vez mais gorda e balofa. Em tempos idos, a senhora doutora que manda no arraial estava de férias e fui atendida por uma caloira a transpirar carne fresca que me diagnosticou graves problemas de saúde derivados de um hipotético consumo excessivo de coisas maldosas nomeadamente sal na comida o que muito me transtornou porque naquela época eu andava numa fase cómica de não usar sal e temperar/cozinhar toda a comida com ervas aromáticas mas como a doutora caloira era toda jeitosa embora ligeiramente mal encarada como quem não dá uma cambalhota há mais de dezanove semanas eu até abanei a cabeça para ela ficar satisfeita com o seu trabalho de mestra. Se continuar a escrever parágrafos destes, com pontuação tão habilmente distribuída, estarei a um passo de ganhar o Nobel da Literatura. Pronto, mas foi a senhora doutora que manda no arraial quem me atendeu, comunicando-me a extraordinária notícia: nunca mais na vida poderei dar sangue. Sorri para a senhora doutora, assim como quem sorri para o juiz que me condena a prisão perpétua por ter pisado uma folha de plátano no parque municipal. Definitivamente, escreveu ela na minha ficha informática. Motivo? Como estive em África, o meu corpo desenvolveu anticorpos contra a malária. Em termos práticos, estou mais protegido contra a malária do que o comum dos mortais, explicou a senhora doutora. Em termos europeus, estou impedido de dar sangue. A Europa é uma coisa do caraças, realmente. A legislação comunitária, quero dizer. Conversa puxa conversa, quis eu saber quantos dadores se andam a “perder” com estas novidades fantásticas. Ah e tal, vinte por cento dos nossos dadores que estiveram em África e fizeram o exame, já foram eliminados. O que vale, digo eu, é que mais de 95% da população portuguesa dá sangue regularmente, pelo que meia-dúzia de gatos pingados com anticorpos na carne não farão qualquer diferença… pickwick
18
Jan09

Mais um sinal…

pickwick

… nítido de decadência.

Numa segunda-feira, recebi um telefonema, confirmando o início dos treinos de judo na terriola aqui ao lado. No dia seguinte, fui lá espreitar, até porque o mestre tinha sido meu colega de trabalho há alguns anos atrás. Gostei: ambiente acolhedor, tapetes verdes, paredes de granito, colunas de cimento protegidas com espuma, e nenhum matulão desejoso de conquistar um lugar nos próximos jogos olímpicos. De regresso a casa, vasculhei nos “baús” do antigamente, em busca do meu fato do antigamente, arrumado há cerca de seis anos na sequência de um singelo acidente. Na quinta-feira seguinte, lá estava eu a entrar pelas instalações do antigo colégio, de mochila ao ombro, armado em campeão. Afinal, abonava em meu favor o facto de, por agora, os únicos praticantes serem apenas inofensivos miúdos do 8º ano. Nos balneários, repeti um ritual já muito antigo: apertar as calças com uma atadura-especial-de-corrida, vestir o grosso casaco, esticar as mangas e apertar o cinto, com aquelas voltas especiais e um nó direito a rematar. E aqui é que foi o caraças! Confesso que costumo ficar sem jeito quando sou confrontado com uma surpresa inesperada – ou não seria uma surpresa, portanto – que surge como uma quebra de algo a que estive habituado durante anos. Por exemplo, se acordar de manhã e der por falta de uma perna, fico sem jeito. Ora, assim que acabei de dar o nó direito, quis repetir o procedimento de socá-lo, isto é, dar um esticão pelas pontas, em sentidos opostos, para apertar o nó. Durante muitos anos, agarrava firmemente nas pontas do cinto e dava um valente esticão. Agora, de repente, sobravam-me cerca de cinco centímetros em cada ponta, o que, como facilmente se percebe, não facilita o trabalho. Ou seja, um gajo não tem por onde agarrar e dar o esticão. Dantes, sobravam-me uns vinte centímetros... Primeiro pensamento: o cinto encolheu! Mal pensado. Segundo pensamento: o casaco engrossou! Quase. Terceiro pensamento: tás gordo que nem um texugo! Certo! Ora, este pequeno pormenor técnico tem dois inconvenientes que se complementam na perfeição. Não tendo comprimento de pontas para agarrar, nunca consigo socar o nó convenientemente, o que traz, como consequência, o desfazer frequente do nó. Não tendo comprimento de pontas suficiente, o nó é mais rápido a desfazer-se, pois a ponta chega mais rapidamente ao núcleo do nó. Resumidamente, um gajo em estado decadente, gordo que nem um texugo, numa forma física deplorável, com os bofes de fora, a arfar, a arfar, passando a vida a colocar de novo o cinto e a apertá-lo. Não é uma imagem bonita, note-se. pickwick