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Após o regresso ao lar doce lar, aqui na aldeia, retornei ao serviço no meu distinto posto de trabalho, atrás de uma secretária, no belo gabinete do patronato. A pasmaceira reinava no edifício. Umas senhoras dedicavam-se a lavagem e limpezas, aqui e além. Eu gosto destes ambientes, assim, de pasmaceira, sem o formigueiro de gente de um lado para o outro. É bonito! É saudável! É acolhedor! Mas dura pouco tempo! Ah, pois é! Quando dei por isso, já tinha uma colega a entrar pelo gabinete dentro. Beijinho daqui, beijinho dali, e toma lá uma prendinha para vós todos. Mais tarde abri e era uma caixa repleta de chocolates da Ferrero Rocher… horrível… Bom, eu pensava que já tinha acabado a vaga dos chocolates que atacou implacavelmente nas semanas antes do Natal, mas, afinal, ainda está para durar. Pior que mais chocolates, é ter que trocar beijinhos com colegas. Eu nunca gostei muito de beijos. Não sei se é algum trauma por a minha bisavó ter um bigode estilo D. Carlos I. Não sei se é pelo promiscuidade que se gera. Nunca gostei, pronto. E, na última semana, tem sido um exagero. As minhas colegas fizeram questão de me vir pregar dois beijinhos a desejar Bom Natal, quando durante dois anos nem um aperto de mão se atreviam. Eu não acho bem. Primeiro, porque eu não gosto dessas cenas abichanadas de trocar beijinhos com as colegas. Segundo, porque me obrigavam a levantar o traseiro da cadeira e dar a volta à secretária, o que, depois da segunda vez, começou a tornar-se muito cansativo. E hoje foi a mesma coisa. Apareceu a Fátima, chuac chuac, depois apareceu a outra Fátima, chuac chuac, depois apareceu a Maria, chuac chuac. Não há condições de trabalho, assim. Fui salvo por uma das minhas colegas do patronato, que, numa clara demonstração de sapiência superior, topou que eu não sou de beijinhos e cumprimentou-me com um sorriso e uma palmada nas costas. Obrigado, colega. Só tu me compreendes. As duas Fátimas foram-se embora e mais dois beijinhos para cada uma, depois da tradicional voltinha à secretária. Irra! Eu acho que esta cultura do cumprimento deveria mudar. Apertos de mão para toda a gente e pronto! Beijos é na namorada, na esposa ou na amante. Ou na filha. Nossa. De resto, é tudo corrido a aperto de mão. Ou à índio, braço no ar: ugh! Hoje fiquei com a sensação de que as gajas gostam de dar beijinhos nos gajos. É daquelas sensações sensoriais fantásticas, inexplicáveis pela razão. Não percebo qual é o gozo, especialmente quando o gajo – moi – vai para o trabalho todo gordo que nem um texugo e com barba de quatro dias. Enfim. Tremo só de pensar como será no primeiro dia de trabalho de dois mil e oito. Vão andar todas a beijarem-se umas às outras? Vão andar a correr atrás dos gajos para roubar duas beijocas? Depois vão tentar a terceira e quarta beijocas com a desculpa que se tinham esquecido que já haviam dado a primeira e a segunda? Ah e tal, já te tinha cumprimentado? Ah e tal, não faz mal, dá cá mais duas. Ora bolas! Vamos lá ver… E espero que não tragam mais chocolates. Eu gosto de chocolate, mas já tenho chocolate até nas veias dos olhos, debaixo das unhas e a gotejar do umbigo. A cera dos ouvidos acho que já é castanha! Até o Big Mac me soube a chocolate! pickwick
Ontem fui até ao sub-mundo de Lisboa, ali para o lado de Telheiras, a uma zona infestada por criminosos de olhos em bico – a Telheiras Chinatown! Rufias doutorados em kung fu, meretrizes de vagina atravessada (como manda a tradição), tatuagens, facadas e muitos quilates. Eu gosto de entrar em zonas assim, a brisa carregada de odores intensos a moldar-me o penteado, a sensação de termos que fazer – a qualquer momento – um rotativo para manter à distância um qualquer arrebatador de carteiras. Afinal, os anos que passei no Oriente transformaram-me numa mortífera arma de pontapear bandalhos. Entrei num antro de decadência, lanternas vermelhas à porta, aroma forte a incenso, resmas de gajas com vestidos de racha até ao umbigo (a racha vinda de baixo, atenção), dois ou três chinocas com ar de gorilas encartados, champanhe, ambiente de cortar à faca. O meu grupo, bastante temido na zona, foi encaminhado para uma mesa redonda ao fundo, num recanto discreto com vista geral para o salão. Ao centro, meia dúzia de chinesas já quase sem roupa rebolavam-se no chão ou roçavam-se com um ar endiabrado numa estatueta de silicone de um touro bravo ribatejano, simulando actos inconfessáveis, carregados de um erotismo inédito. O mestre de cerimónias bateu as palmas e rapidamente surgiram, vindas não sei de onde, meia dúzia de chinesas com o ar mais leviano que se poderia imaginar. Libertas do peso atrofiador de roupas desnecessárias, estenderam-se ao comprido na nossa mesa, suplicando para as besuntarmos com molho agridoce e as lambermos de seguida. Uma cortina cerrou-se, poupando-nos aos olhares invejosos dos demais clientes daquela espelunca degradante. Que bonitas que elas ficam, assim! Com jeitinho e arte, deitámos o molho por cima daqueles corpos sequiosos de sexo e palmadinhas nas nádegas. A cor esbranquiçada da pele deu lugar a um cor-de-rosa delicioso. Elas, visivelmente excitadas com os preparos, ajudaram a espalhar o molho pelo corpo todo, metendo avidamente os dedos à boca, num claro gesto erótico de provocação. Só lhes faltou, mesmo, exclamar: oh, si, cariño! A que me estava mais próxima, agarrou-me a farta cabeleira e esborrachou as minhas beiças babosas nos seus seios com sabor agridoce, gemendo com o primeiro impacto. Agora, sim, íamos esturricar o molho. E pronto, um ventinho mais forte fez bater os estores da janela do meu quarto e lá se foi o molho agridoce. Na verdade, na verdade, ontem fui a Telheiras a um restaurante chinês, cuja especialidade era um rodízio oriental. Isto é, as travessas estavam todas dispostas ao público, a malta ia até lá, servia-se à vontade, comia, repetia, repetia, até não caber mais no estômago. Orgia, sim, mas gastronómica. Horrível. O meu paizinho ria-se, de tanta graça que achava ao meu ar guloso no regresso à mesa com o quarto prato cheio até deitar por fora. Anos no Oriente deixaram-me assim, guloso por chinesices no prato. Mesmo assim, mesmo com aquela tentação irresistível, consegui resistir! Consegui dizer “não” antes que um naco de pato assado (cha siu) viesse espreitar ao cimo do esófago. Consegui deixar espaço para o café, para o digestivo, e para uma sobremesa à uma da madrugada. Estive bem, confesso. A isto, chama-se auto-controle, e não é para todos. Com a idade, vem a maturidade, o auto-cotrole, o domínio da mente sobre o corpo, o saber dizer “não”. Só bebi duas cervejas, recusando serenamente a terceira. Estava no caminho certo, pensei comigo próprio. Este Natal, iria ser uma vitória da mente sobre a gula, do “mais não” sobre o “é cheio, obrigado”. A resistência! A oposição! A vitória! Depois, veio a noite, e um novo dia. Às dez e tal, estava eu pacatamente a ver se caçava uma pomba no quintal (são nojentas e deixam tudo cheio de cagadelas ácidas), quando aparece a minha mãezinha com um tacho e uma colher: ah e tal, não queres rapar aqui o tacho da aletria? Carago, pensei eu. Depois fui destacado para o auxílio à elaboração de uma tarte de cenoura e uma pratada de rabanadas… Ainda agora, acabei de ser interrompido na redacção deste post, pelo meu próprio irmãozinho, para ir lá abaixo alarvar na mesa dos doces, às escondidas da minha mãezinha. Sim. Sucumbi! Lá se foi o auto-controle. Maldita gula. Acho que nem com uma banda gástrica da largura do Tejo conseguia escapar. pickwick
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