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Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

21
Out07

Fábula erótica – volume três

pickwick
Magufas, a esbelta lontra que despertou na vaca Rebomilda todo o erotismo da sexualidade lésbica, havia desaparecido sorrateiramente ribeiro acima. Subiu-o todo, até à nascente, e, depois, cortou a atalhar por montes e vales e ribeiros e rios e rias, em direcção ao pôr-do-sol, até chegar ao mar, ali para os lados da praia da Vagueira. A viagem durou vários dias, claro está, mas valeu a pena. Tanta areia, tantas dunas, tanta água salgada. Que luxo! Magufas chegou e descansou durante cinco dias, alimentando-se de caroços de azeitona e pastilhas elásticas deixados pelos porcos dos banhistas humanos. Quando se preparava para abalar, em busca de novo destino, já recuperada das forças, apareceu um caranguejo.
- Olá, meu nome é Adalberto, mas os meus amigos me chamam de Safado, e sou um caranguejo do Brasil.
- Oh, filho, safado? Ho, ho, ho…
- Oh, gata, ‘tão? ‘Tá duvidando?
- Nãoooooooo…. Claro que não!
- Você ‘tá a fim de checar?
- Checar o quê, pá?
- Se sou mesmo safado, podemos ir ali às dunas transar um pouco e eu mostro para você porque meus amigos me chamam de Safado.
(A lontra, que não tinha tido relações com nenhum animal desde a vaca Rebomilda, pensou na sua vida. Ali estava um animal asqueroso, de carapaça dura, a pavonear-se de não sabia bem o quê. Valeria a pena? Seria ele capaz de saciar a sua fome sexual depois de tantos dias de jejum? Aquelas pinças não pareciam muito simpáticas.)
- Não ‘teja olhando minhas pinças. Não vou tocar em você com elas.
- Ai não?
- Não preciso. Venha daí. Vou mostrar para você.
(Lontra e caranguejo subiram a duna mais próxima e mergulharam numa pequena depressão de areia, longe dos olhares alheios. No centro, uma toalha axadrezada acomodava três bananas e um frasco de protector solar.)
- Deita aí na toalhinha, deita!
- Então? Assim sem mais nem menos?
- Ué! ‘Tá bancando de envergonhada agora? Deixa isso p’ra lá, gata.
- Olha, não sei se já reparaste, mas não sou uma gata. Sou uma lontra de pêlo lustroso e chamo-me Magufas, está bem?
- Como você quiser, Margarida.
- Magufas!
- Isso, vá, vai deitando.
(A lontra olhou com ar reprovador para o caranguejo que lhe sorria com ar matreiro)
- Vá, se deite, gata.
(Magufas ajeitou-se na toalha, olhou em redor para ver se estava a ser observada e abriu os quartos traseiros, expondo-se completamente ao caranguejo. Este, com o sorriso aberto, pegou no frasco de protector solar e inundou as partes íntimas da lontra, provocando-lhe um inesperado arrepio de prazer.)
- Hum… - gemeu a lontra, ainda ligeiramente envergonhada.
(Com mestria, o caranguejo puxou de uma banana com as suas pinças e penetrou a lontra, com suavidade, mas firmemente. Esta, gemia, obviamente deliciada. Às tantas, as pinças do caranguejo já haviam esmagado a banana em vários sítios e o Safado viu-se obrigado a puxar de outra banana, tendo o cuidado de quase não interromper o delírio da lontra. O mesmo aconteceu com a segunda banana, findos quase seis minutos. E veio a terceira e última banana. O prazer era imenso e o caranguejo parecia divertidíssimo com aquele momento. Os gemidos, os olhos revirados, as mandíbulas a tremerem, a cauda agitada, enfim. A dado momento, já a terceira banana estava a uso há cerca de dois minutos e meio, surgiu nos céus uma sombra. Antes que se desse conta, uma gaivota mergulhou, fez um voo rasante à toalha e abocanhou o caranguejo, levando consigo restos de banana pelos ares, que acabaram por cair um pouco mais à frente, sujando a areia. A lontra ficou que nem podia. Ainda tentou mexer com as patas nos restos de banana que lhe ficaram dentro do corpo, mas já não serviu de muito, pois faltava o mestre, o encantador de bananas, o Safado. A lontra rebolou na toalha, até à areia, e por ali ficou, a olhar o céu, azul, por onde tinha desaparecido o caranguejo, agora repasto de uma estúpida gaivota. Que sensação! Que prazer! Cerca de três horas depois, Magufas meteu-se ao caminho, pelas dunas, em direcção ao Norte. Haveria mais caranguejos como aquele? Só o destino saberia dizer. pickwick
19
Out07

A revolta dos monges

pickwick
Um dos leitores e amigos deste blog, solicitou-me recentemente que abordasse o delicado tema dos monges na Birmânia. É um tema que me toca pessoalmente, pois, tal como para tantos outros problemas, tenho na algibeira a pronta solução. Não tenho acompanhado o tema, confesso, pois continuo apaixonado pelas notícias nacionais, suficientemente bombásticas e patéticas para tornar insignificantes quaisquer tragédias além fronteiras. Devo dizer que sempre gostei de monges. Deve ser daquelas centenas filmes de Kung Fu que vi na juventude, originais, sem legendas em português, que metiam obrigatoriamente monges voadores e muita pancadaria. Na altura, ia nos meus dezassete anos, ainda dei dois dedos de conversa com o avô de um amigo meu, obviamente chinês, que tinha feito escola no mítico Templo de Shao Lin. O meu interesse era ele dedicar o seu tempo livre a treinar-me na mortal arte do Kung Fu. Depois da conversinha, percebi que aquele não poderia ser o meu destino, completamente incompatível com o tempo que eu necessitava para andar a esperar as miúdas chinesas à saída dos colégios, perseguindo-as por ruelas estreitas, embora incapaz de meter conversa ou sequer piscar o olho. Enfim. Isto tudo só para explicar que gosto muito de monges. E é por gostar que tenho a solução para o problema. É uma solução rápida e musculada, porque os monges são fulanos muito ocupados e não podem andar a perder tempo com mariquices. A solução passa por uma questão de álgebra. Vejamos. Consideremos que existem X militares que vivem a junta militar que governa o país. Vivem, vestindo a camisola, entenda-se. Consideremos que Z=X+Y é o número de militares do país, sendo Y o número de militares que obedecem às ordens contrafeitos. As nações, unidas (não confundir com Nações Unidas), unem esforços para colocar no terreno uma força militar de W=5Z homens, garantindo a mesma proporção no respeitante ao poder de fogo. Numa invasão instantânea, isto é, W homens a entrarem no país no mesmo instante, os Z militares são perseguidos e capturados, sem dó nem piedade, sendo que toda e qualquer resistência é respondida com fuzilamento imediato. A operação não deverá demorar mais de cinco dias. Os monges, livres da opressão das botas militares, encarregam-se de promover e acompanhar eleições livres e justas. Quanto aos E=Z-M militares capturados, em que M representa os militares que ofereceram resistência e que, por isso, foram fuzilados, serão divididos em dois grupos. O primeiro grupo, composto por A=2*E/10 militares, é enviado para um centro de reconversão, cujos edifícios serão construídos e mantidos pelos próprios, que se destinará à produção de alimentos e bens essenciais para o povo do país. Por lá ficarão, em prisão perpétua, dedicando o resto das suas vidas a trabalhar para o país e para o povo, gratuitamente. Quanto ao outro grupo, com B=8*E/10 militares, substancialmente maior, é enviado para o coração de África, para um país fértil, como Angola, onde os militares farão o mesmo que os seus amigos que ficaram na Birmânia. Os alimentos e bens produzidos serão uma garantia para os povos africanos que vivem de migalhas sangrentas dos seus próprios senhores. Os dois centros serão autónomos e sustentados, pois tudo o que necessitam será produzido por lá. As esposas dos militares poderão optar entre partilhar a sorte dos maridos ou recomeçarem uma vida nova. Não se captura um tigre-comedor-de-homens com festinhas e broas-de-mel. Não se mata a peste negra com um golinho de água do Luso. Já agora, alguém sabe se na Birmânia há mulheres no exército? São giras? Em Israel há muitas, mas tenho ideia de que são pouco cuidadas com a alimentação e o exercício físico. Eu tenho um fetiche com mulheres fardadas. Ficam quase todas giras. Hoje estive a ler um livro em que se falava sobre as Amazonas, essas mulheres-guerreiras misteriosas, que cortavam uma das mamas para poderem disparar o arco ou lançar a zagaia com maior facilidade. Só estavam com homens para procriarem e os bebés do sexo masculino eram mortos ou dados aos pais. Ficam automaticamente arredadas do círculo das minhas preferências, pois uma mulher que corta uma das mamas por questões técnicas, não pode ser boa pessoa: não gosta que um homem lhe apalpe as duas mamas ao mesmo tempo, não gosta que uma mulher lhe apalpe as mamas ao mesmo tempo – logo nem sequer é lésbica, e também não irá gostar que um homem lhe apalpe uma mama enquanto uma mulher lhe apalpa a outra, fazendo com que também não seja bissexual. Ora, assim sendo, nem se pode chamar mulher. Será qualquer coisa como um mamífero-frígido-mamo-deficiente. Os monges, ao menos, apenas se recusam coiso e tal, não precisam de andar a cortar a pila ou trucidar os testículos. Acho eu! Alguém sabe? pickwick
17
Out07

As aventuras do paizinho - 2

pickwick
5. A Mauser já pesa
A Mauser é uma espingarda que fez história no mundo dos conflitos e das guerras em geral, servindo em muitos exércitos e durante muitos anos. Contava o meu paizinho que, com uma Mauser, se conseguia furar o carril do caminho-de-ferro só com um tiro. Aliás, um grande divertimento do meu paizinho, nas suas comissões militares em África, era caçar antílopes com a Mauser. Depois queixava-se que ah e tal, eu acertei-lhe em cheio mas fugiu e nunca mais se encontrou a carcaça. Depois de África, sobravam as carreiras de tiro para dar uso à Mauser. Lembro-me de, certa vez, ter tido o prazer de também disparar a arma, dando-me cabo do ombro e quase me estoirando os tímpanos. Ontem, fui ajudá-lo a reparar o armeiro que construiu em madeira para expor as espingardas da sua colecção. Bolas, já não posso com a Mauser, nem sei como é que dantes andava à caça com isto, queixava-se. Isto de ser septuagenário é do caraças, digo eu.
 
6. Já nem com a 9 mm
Não bastando a falta de força para pegar na Mauser, o meu paizinho também se queixou que já nem conseguia puxar a culatra da pistola de 9 mm que trouxe de África. Eu fiz logo contas. A arma em causa, não é de fiar. Uma vez, em 2000, fomos os dois para a Serra de São Mamede experimentar a pistola de 9 mm, umas carabinas e um revólver com munições Magnum. Correu tudo lindamente, até à pistola de 9 mm, que disparou acidentalmente quando o meu pai tentava puxar a culatra e me explicava que ela era manhosa e imprevisível e disparava sozinha quando lhe apetecia. Portanto, dado o mau humor da senhora, é bem melhor que o meu paizinho já não consiga puxar a culatra atrás.
 
7. Ainda as brasileiras
Hoje fomos comer a um restaurante chique num centro comercial chique numa zona chique da linha do Estoril, ali para os lados da Parede, assim quase em Carcavelos. O meu paizinho quis levar-me lá porque ah e tal outro dia tinha lá comido um bife enorme e lembrou-se de mim e queria que eu lá fosse provar o bife. Pois sim. O que ele queria, era ir lá dar dois dedos de conversa com uma das jovens brasileira que lá trabalham, à qual já chamava amiga. Eu comi picanha, por causa das cócegas. A “amiga”, afinal, já não trabalhava lá. Mesmo assim, o meu paizinho, que ouve muito mal, aproveitou para discutir o campeonato de Fórmula Um com um dos empregados, também brasileiro, e também apaixonado por esse “desporto” idiota. Minutos antes o meu paizinho tinha-me perguntado se eu entendia os brasileiros a falar, porque ele tinha muita dificuldade. Portanto, como se depreende, a discussão sobre F1 de um brasileiro com um português que ouve mal e que tem dificuldades em entender brasileiro, foi do melhor. Como? Hem? Hã? No fim do almoço, entrou ao serviço uma brasileira toda jeitosa (vá, pronto, não era gorda), também conhecida do meu paizinho. Em poucos minutos, já lhe estava a pedir o telefone da outra “amiga”, aproveitando para dizer que a outra era muito simpática mas “você também é muito simpática”. Tudo isto, enquanto eu fugia sorrateiramente para fora do restaurante, tentando escapar ao embaraço que me assaltava.
 
8. Tal pai, nem por isso o filho
O “tal pai, tal filho” aqui não se plica. O meu paizinho era um malandro na sua juventude. Conduzia um carro desportivo descapotável, usava colete e chapéu negro à cowboy. Tocava concertina, andava pelos bailes ribatejanos a engatar raparigas solteiras e esperava-as à saída das missas. Às vezes montava a cavalo e vestia-se à cowboy, com revólver e tudo, mas isso é outra estória. Nem com a idade lhe passou a lata para disparar piropos às cachopas ou meter conversa com qualquer que lhe apareça. Já o filho mais velho não lhe seguiu as pisadas. Este, cumprimentava as cachopas com o seco “bom dia”, sem beijinhos, e fugia delas a sete pés, não fosse alguma comê-lo vivo, apesar de desejar intensamente ser comido vivo e regurgitado e engolido novamente e regurgitado mais vinte vezes por uma moçoila qualquer que nem precisaria de ser sequer bonita. Passados uns anos, acumulando cenas tristes e episódios ridículos, deu-lhe para a parvoíce e começou a escrever disparates num blog. Enfim. Desculpa lá, paizinho, mas sabes que não somos todos iguais… pickwick
15
Out07

As aventuras do paizinho - 1

pickwick
Depois de dois dias de confraternização com o meu paizinho, septuagenário de corpo, faço a viagem de regresso ao lar, doce lar. É por estas e por outras que continuo convicto de que a vida na província é que está a dar. Ou se calhar não tem nada que ver com o assunto e eu é que já não tenho mesmo paciência para a capital e os seus arredores.
 
1. Pedras Negras
Desde há muito que me lembro do particular gostinho que o meu paizinho tem por uma aguardente ao final do dia, mesmo antes de se deitar. Ainda eu ia no início da minha puberdade, quando comecei a ter sérios problemas de tosse e catarro psicológicos, curáveis apenas com uns golinhos da mítica garrafinha de aguardente caseira que repousava na banca da cozinha. Era fogo, especialmente para um puto daquela idade. Certo dia, ia a entrar sorrateiramente na cozinha e apanhei o meu paizinho de cu alçado a medir, com uma fita métrica, a altura do nível da aguardente na garrafa. Obviamente, tinha desconfiado do ritmo de abatimento do nível e suspeitava de mim. Tive que parar com o problema de tosse e catarro e esperar até obter alguma independência que me permitisse beber quantas garrafas me apetecessem. No caso presente do meu paizinho, apanhei uma garrafa de litro de aguardente “Pedras Negras” na mesa da cozinha. Nem sequer era na banca. Era ali, na mesa, mesmo à mão de semear. Na banca, contudo, repousavam duas garrafas de litro da mesma aguardente, completamente vazias! Ah, valente!
 
2. A coreana bonita…
… a mim, não me convém, eu não quero andar na rua, com uma gaja podre de boa. Esta é a minha adaptação moderna a mais uma tirada fantástica do meu paizinho, num momento de nostalgia. Contava ele, entre duas garfadas, uma peripécia passada no seu regresso a Portugal, no final da sua carreira profissional, uma viagem à volta do mundo que foi o concretizar de um sonho de infância. A viagem, sim, mas as peripécias já parecem mais sonhos de adolescentes com as hormonas aos saltos. Bom, num dos países por onde passou, a Coreia, encontrava-se a comer pacatamente na mesa de um restaurante, quando avistou, numa mesa próxima, uma mulher lindíssima, coreana, mesmo muito, muito, muito bonita. Quando acabou de comer, o meu paizinho dirigiu-se à mulher, bastante jovem, com o intuito de esclarecer se era uma mulher ou uma adolescente. Uma mera curiosidade científica, claro. Num inglês curto de vocabulário, lá se entendeu e esclareceu. Depois saiu com ela e passaram o dia juntos, mais uma amiga dela. Rapidamente veio a descobrir que se tratava de uma meretriz, linda de morrer, mas muito meretriz. Só se separou dela à entrada da rua onde iria prestar serviço. Veio esta estória a propósito do sentimento de incómodo que ele sentiu ao passear-se nas ruas naquela companhia, sendo que toda a gente parava na rua para a ver, de tal maneira era bonita. Bem, viam-na a ela, mas também à companhia, vindo daí o tal incómodo. Eu, pela parte que me toca, sei qual é o sentimento. Já o vivi na pele, embora não com uma meretriz. Foi em Portugal, onde há uma facilidade enorme em sair à rua com uma rapariga séria que se apresenta inocentemente com aspecto de meretriz.
 
3. As brasileiras e as chinesas
Última grande descoberta do meu paizinho: as brasileiras e as chinesas têm coisas em comum. Parece que tem que ver com o facto de não pronunciarem as consoantes no final das palavras. Eu acho que há mais qualquer coisa em comum, a avaliar pelo excessivo interesse que ele revela pelas moçoilas destas duas nações. As chinesas, porque sim. As brasileiras, porque são muito dadas e simpáticas por natureza, embora não se dêem mesmo, na plenitude do sentido. Enfim. E acho que também tem um fraquinho por venezuelanas, mas penso que foi uma coisa passageira.
 
4. Licor de amoras silvestres
Um vizinho ofereceu ao meu paizinho uma garrafinha de Compal com licor caseiro de amoras silvestres. Provei. Não é mau. Sabe a quase nada. Quase como a aguardente “Pedras Rubras”, que sabe a água mas deve continuar a ter os quarenta graus. Mais um licor para experimentar em casa. Um dia destes, meto-me à estrada em duas rodas e faço um assalto discreto a um matagal de silvas algures. A ver se, desta feita, me lembro que as amoras boas são as pretas e não as vermelhas. Não vá acontecer como um certo dia de Agosto, em 1988 ou 1989, quando, depois de atravessar a pé a Serra de Montemuro, esganado de fome e sede, afiambrei uns quilos de amoras silvestres, tão deliciosas, tão vermelhinhas, tão maduras, evitando as amoras pretas, obviamente ainda verdes e impróprias.
(continua) pickwick
13
Out07

Mimi Privavera

pickwick

Há, de facto, uma mulher com este nome. É verdade. Pensei que era uma graçola, mas é assim mesmo. Não a conheço pessoalmente, mas é por um triz que ela não trabalha na minha instituição. Por um lado, ainda bem. Se trabalhasse, era provável que eu me escangalhasse a rir à frente dela. Há nomes e há nomes, mas este não é, sequer, humano. Mimi é o nome que se dá a uma gata siamesa bisgarolha ou a uma cadela perneta. Ou a um prato de codorniz guisada. Mas, não se dá um nome destes a uma criança, que um dia será adulta, nem que seja apenas de corpo, e que terá que carregar o fardo de usar um nome infeliz. Os pais, neste caso, deviam ser espancados. Foram cruéis e egoístas. Até certo ponto, foram uns porcos! Ah pois é. Não podiam ter-lhe chamado Maria Madalena? Ou Felismina das Dores? Claro que podiam, mas não o fizeram. Não o fizeram, porque na altura do registo da criança deviam andar a tomar drogas e lá achavam que Mimi e Primavera eram as coisas mais lindas que podia haver à face da terra. Mimi dá vontade de dar beijinhos. Primavera é flores. Droga, beijinhos e flores. Depois, temos mais uma pessoa desequilibrada a partilhar o mundo connosco, que acha que o seu nome é o máximo, que é original e bonito, e que ela própria é bonita e maravilhosa, mesmo que seja uma brutamontes peluda e mal cheirosa sempre com dois macacos à porta do nariz. Se nasceu como cabelo escuro, será pintado obrigatoriamente com uma cor de laranja para cima. As calças (se tiver feito dieta e conseguir vestir umas) serão tipicamente com flores e franjas. Provavelmente, achará que a natureza deve seguir o seu curso e passará dias seguidos sem se lavar. Provavelmente, encontrará um maluco qualquer que lhe achará piada e lhe fará dois ou três filhos, que herdarão da mãe a parvoíce das flores e dos beijinhos, e do pai o dramático mau gosto. Enfim. Eu continuo a achar que as pessoas deviam ter autorização para procriarem. Sexo, tudo bem, é sempre a abrir. Mas, ter filhos, calma aí. Só com autorização. Há males que se podem evitar atempadamente, portanto, não há motivo nenhum para que aconteçam. Mimi Primavera… francamente! Se fosse um gajo, seria o quê? Pipi Morangos? Isso é que haveria de ser uma coisa linda… pickwick

11
Out07

Fábula erótica – volume dois

pickwick

(continuação)

- Olha, para te ser franca, nunca tinha pensado nisso. Já tinha passado uns meses numa vacaria, com umas dezenas de outras vacas, todas a serem apalpadas nas tetas com tubos de plástico. Nessa altura, lembro-me de me passar pela cabeça como seria meter-me com as tetas de outra vaca, mas, como imaginas, não era capaz de sequer o tentar.

- Bem, mas uma coisa é uma vacaria com dezenas de vacas, outra coisa é um local paradisíaco como este, a duas, longe dos olhares indiscretos de terceiros.

- Pois, é capaz de ser mais fácil, realmente.

- É muito íntimo e o prazer inimaginável.

- Oh, mas aqui não costuma aparecer mais nenhuma vaca.

- Mas aparecem raposas!

- Sim, pois aparecem, mas são tão pequenas…

- E então? Qual é o problema? Eu também sou pequena!

- Pois mas tu e uma raposa, são praticamente do mesmo tamanho. Agora, eu e uma raposa, é bem diferente! Já viste a diferença de tamanho?

- Ora, é como com uma lontra. O que interessa é o prazer e não o tamanho.

- Pois, dizem que sim, mas…

- Devias experimentar, um dia destes.

- Talvez. Mas também não tenho lata para falar nisso à Ana Teresa. E se ela fica zangada, me chama nomes e me manda para a outra banda?

- Não exageres…

- A sério, não sou capaz de lhe tocar no assunto.

- Se calhar, era mais fácil experimentares com alguém com quem já tenhas abordado este assunto, não achas?

- Mas eu não costumo abordar este assunto com ninguém. Só contigo.

- Pois, já reparei que sim.

(silêncio no lameiro, som da água a correr e das folhas das árvores a serem batidas pelo vento)

(Magufas pisca o olho a Rebomilda e exibe um sorriso maroto)

- Ai, oh Magufas, estás a deixar-me sem jeito…

- Anda lá! Uma vaquinha tão linda e tão sexy como tu, não pode ficar assim…

- Oh…

(Magufas aproximou-se da vaca, rebolando os quartos traseiros para um lado e para o outro, provocadora)

- Hum… olá!...

- Olá… ai… eu não tenho jeito nenhum para isto, oh Magufas…

- Não tenhas problemas. Vais ver como é bom.

- Aiii…

(Magufas colocou-se debaixo do corpo de Rebomilda, estrategicamente. Ergueu-se em cima de duas patas, apoiando-se nas pernas traseiras da vaca, e começou a lamber, de forma suave e terna, as suas tetas. Uma após outra. Devagar, sem pressas. As pernas da vaca tremiam, umas vezes com mais intensidade, outras com menos.)

- Muuuuuu… - mugiu baixinho Rebomilda, quase a perder a compostura, com os olhos a revirarem de prazer e um fio de baba a escorrer pelas mandíbulas abaixo..

(Às tantas, as pernas de Rebomilda não aguentaram mais com o prazer tão intenso e deixou-se cair na erva, com as tetas excitadíssimas a mergulharem na erva molhada do lameiro. Respiração ofegante, língua de fora, a cauda sem forças para enxotar moscas. Magufas sorriu, a sabidona. Pacientemente, esperou que Rebomilda se recompusesse.)

- Agora, fofinha, é a tua vez de me dares prazer. – disse, piscando o olho, com o ar de general que comanda as operações.

(Magufas avançou para a cabeça de Rebomilda, ergueu-se e apoiou as patas dianteiras nos chifres, oferecendo as suas tetas. Rebomilda, possuidora de uma língua extraordinariamente comprida e áspera, não se fez rogada e tratou de pagar na mesma moeda. Em poucos minutos, Magufas estava estendida na erva, completamente exausta, consumida por um prazer universal e imenso.)

- Ai, oh Magufas… foi tão bom!

- A quem o dizes, sua maluca!

- Oh, eu não sou maluca!

- És, és… não viste o que me fizeste?

- Oh, então… foi só…

- Pois foi só…

(Entretanto, o sol desapareceu no cimo dos montes, dando lugar ao cair da noite. Magufas aconchegou-se numa espécie de regaço no corpo da vaca, ainda deitada na erva. Assim passaram a noite, naquela posição de intimidade. O dia seguinte trouxe felicidade, paixão e muito sexo. E o outro a seguir, também. E o outro e outros tantos mais. Até que Magufas achou que estava na hora de partir para outras paragens. Sabendo que a despedida seria um momento demasiado pesado, aproveitou um momento gastronómico da vaca, mergulhada na erva fresca, para se pisgar por onde havia chegado, desaparecendo ribeiro acima. Claro que Rebomilda sofreu como nunca, quando percebeu que a sua companheira de sexo lésbico havia desaparecido para sempre. Foi um sofrimento de pouca dura, contudo. Dois dias depois, apareceu no lameiro a Ana Teresa, com um ar acanhado. Contou como tinha visto as duas a consumirem-se em prazeres carnais, dia após dia. Contou como sempre tinha nutrido um fraquinho por Rebomilda, embora nunca tivesse coragem para o assumir. Agora, era o momento. Ana Teresa e Rebomilda meteram de lado a vergonha e a timidez e assumiram a sua relação lésbica até ao fim das suas vidas. Até Rebomilda virar Bife à Caçador e Ana Teresa ser embalsamada e exibida por cima da lareira de um malvado caçador.)

(fim) pickwick

09
Out07

Fábula erótica – volume um

pickwick

Rebomilda era uma vaca leiteira, malhada, de porte majestoso, que passava os dias a pastar num lameiro na Serra da Freita, perdido num bonito vale verdejante. O facto de apenas pastar erva saudável e natural, evitando assim uma alimentação rica em porcarias sintéticas e industriais, permitia a Rebomilda ostentar um corpo fibroso e, quiçá, elegante. O sobe e desce no lameiro, a dificuldade inerente a progredir em terreno lamacento e a água natural abundante, contribuíam para essa elegância e fibra. Era, a bem dizer, aquilo a que se podia chamar uma bela vaca. Jeitosa, portanto. Certo dia de verão, em que o calor teimava em secar tudo o que não tivesse ao fresco, chegou ao vale verdejante uma esbelta lontra, de nome Magufas, com o pêlo lustroso e olhinhos bonitos. Chegou até ali subindo o ribeiro, saltitando entre penedos, calhaus e poças. Fez uma curva à esquerda, num raquítico afluente do ribeiro, subiu um pouco, e chegou ao lameiro da Rebomilda. Que verdura! Que paz! Que beleza! Uma nascente natural lançava um fio de água pelo lameiro abaixo, até ao ribeiro. Um enorme castanheiro, de braços longos e milhares de folhas, lançava uma apetitosa sombra sobre a erva húmida. Vendo Rebomilda ao fundo do lameiro, Magufas não fez cerimónias e dirigiu-se à vaca.

- Olá! Bom dia! Eu sou a Magufas e vim pelo ribeiro acima.

- Olá! Eu sou a Rebomilda. Como é que conseguiste subir o ribeiro sozinha? És tão pequenina!

- Oh, sou pequenina, mas oriento-me bem. Enquanto houver água, eu safo-me.

Rebomilda correu o corpo humedecido da lontra, de cima a baixo. Aquele palmo e meio de bicho parecia tão confiante. E tão engraçado. Que olhos tão giros.

- Então e vives aqui? – perguntou a lontra.

- Bem, passo aqui os dias, sim. De vez em quando, o meu dono vem mexer-me nas tetas e rouba-me umas dezenas de litros de leite. Eu não gosto muito.

- É melhor eu ter cuidado com o teu dono. Não me está a apetecer muito que ele me apanhe de surpresa e me mexa nas tetas para me tirar leite.

- Quais tetas?

- As minhas!

- Também tens tetas? – Rebomilda inclinou a cabeça, tentando espreitar para a barriga da lontra.

- Claro. Sou uma gaja! Uma lontra gaja! Por isso, tenho tetas!

- Oh, mas não te preocupes, o meu dono não vai perder tempo a tentar tirar-te leite. Daria muito trabalho e renderia quase nada. Ele quando vem para tirar leite é sempre para ir carregado.

- Mas podia querer meter-se comigo, se fosse tarado ou assim. Não gosto que me apertem as tetas à bruta.

- Bem, ele é assim um bocado tarado. Às vezes, quando vem com o nariz muito vermelho, põe-se a falar comigo, a fazer-me festinhas e a chamar-me Catarina. Não é que ele seja bruto, mas eu não gosto de sentir mãos calejadas em cima do meu corpo.

- Ah, pois é, mas sabes que mãos de macho são assim mesmo. Além de grotescas, não têm sensibilidade.

- Gostava que ele fosse um pouco sensível e me apertasse as tetas com mais delicadeza.

- Claro, até porque as tuas tetas são muito bonitas e é um crime maltratá-las.

- Achas?

- O quê?

- Que as minhas tetas são bonitas.

- Ora, claro que sim, notei isso logo que te vi. As tetas e não só.

- Ai… estás a deixar-me envergonhada…

- Não vale a pena ficares envergonhada. É um facto que és uma vaca muito gira, tens um corpo muito sensual, não és gorducha nem mal feita.

- Achas mesmo?

- Claro que sim.

- Bem, tu também…

- Sim…?

- Tu também.

- Eu também o quê?

- Oh, também és uma lontra muito gira, muito elegante, com uns olhos muito giros.

- Obrigada!

- Então e vais ficar por aqui?

- Estava a pensar passar aqui uns dias, aproveitar a paisagem, descansar, dormir umas sonecas e aproveitar a tua companhia. Achas bem?

- Ai, acho muitíssimo bem. Era excelente! Isto aqui é uma seca muito grande, passar os dias sozinha, de um lado para o outro. De vez em quando aparece uma raposa, para dar dois dedos de conversa.

- Ui, uma raposa? Eu adoro raposas! São tão… tão…

- Tão o quê?

- Eh pá, tão sexy!

- Sexy?

- Sim. Muito! Aquele focinho, aquela cauda sensual. Há três semanas atrás passei uns dias com uma raposa chamada Mimi. Conheces?

- Não, aqui perto só vive uma chamada Ana Teresa.

- Essa não conheço. Bom, mas a Mimi é uma doida! Passámos o tempo todo ora na toca dela, ora num charco. Fazíamos amor de meia em meia hora. Que maluca!

(silêncio no lameiro)

- Fizeste amor com ela?

- Sim. Foi tão bom! Nunca tinha experimentado, nem com uma raposa, nem sequer com uma lontra fêmea. Mas, adorei!

- Então e…

- Então e o quê?

- E é assim tão bom?

- Nunca experimentaste com outra vaca?

(continua) pickwick

07
Out07

Duo fracasso

pickwick

Não sei se já disse isto, mas a minha colega grávida é podre de boa. Sorte a do namorado. Faça bom proveito, pois então. Entre os mil defeitos que já lhe arranjei, há o tal de falar e rir ao mesmo tempo. É a segunda gaja que conheço pessoalmente que tem esta paranóia. Fala e ri ao mesmo tempo, em vez de rir primeiro e contar a estória depois, ou contar a estória primeiro e rir depois, como é normal em qualquer pessoa que faz questão que os outros a compreendam. Na prática, é como estar a contar uma estória com a boca cheia de malaguetas e o polegar direito entalado numa porta. Não se percebe nada. Enquanto não passam de um brinquedo engraçado – ao nosso alcance ou nem por isso -, a coisa até escapa, sorrimos com ar condescendente, fazemos de conta que a estória é mesmo engraçada, embora não saibamos o que ela está a dizer, e fica tudo bem. Mas, quando a coisa é mais séria, como numa relação laboral em que é necessário o entendimento mútuo para que tudo corra bem, ou numa relação amorosa em que não convém dizer coisas que não se percebem e que podem ser confundidas com declarações perigosas, as gajas que sofrem deste mal podiam fazer um esforço. Sei lá, fazerem estas cenas apenas quando estão a falar com o gato persa, ou quando estão no MSN a contar às amigas aquelas coisas importantes da vida que não têm importância nenhuma. No caso de ser a namorada, é meio caminho andado para passarmos vergonhas em público. No caso de ser no trabalho, há um risco elevado de um gajo espetar-lhe dois bufardos nas bochechas assim que perder a paciência para tentar perceber os gatafunhos orais. Vale a pena repreender? Vale, sim senhor. Vale, porque já o fiz uma vez e teve resultados líquidos. No caso da minha colega podre de boa apesar de estar grávida e usar uns óculos foleiros todos os dias, vou deixar como está. Se lhe faço o reparo, ainda começa a ir para o trabalho com os botões da camisa todos abotoados, ou com umas calças largas, ou com um espalma-mamas. E não vamos querer que isso aconteça, pois não? Claro que não. É deixá-la fazer figuras tristes, que é mais feliz assim. Quanto a esta habilidade de fazer duas coisas ao mesmo tempo (rir e falar), tenho a dizer que, como já meio mundo deve ter constatado, as mulheres apregoam incessantemente essa capacidade extraordinária. Muitas delas, inclusive, fazem alarido de conseguirem fazer três coisas ao mesmo tempo. Não sei o quê do cérebro, porque são mais dotadas, blá blá blá. Sinceramente, ainda não vi tal coisa provada cientificamente. A minha ex, por exemplo, é uma das que apregoavam sistematicamente essa habilidade, ainda por cima na versão tripla. E conseguia? Claro que não. Basta atender um telefonema dela para perceber que não consegue: fala, trabalha no computador, e come. Tudo ao mesmo tempo. Ou não. Na prática, ela opera com slots temporais, dando a impressão que fala ao mesmo tempo que come e que trabalha no computador. Na prática, e embora com um desfasamento temporal pequeno, ela ora come, ora mexe no computador, ora fala. Não as faz ao mesmo tempo, portanto. Obviamente que isto torna qualquer conversa numa luta perdida contra a eternidade. Enquanto mastiga, não fala (embora tente imitar um inteligente “huummm”), nem mexe no computador. Enquanto fala, não mexe no computador nem mastiga. E, enquanto mexe no computador, não fala nem mastiga, embora faça a mesma imitação rasca de quem é inteligente e está simplesmente a meditar profundamente num assunto qualquer de suma importância. É, como diria o meu professor de Electrotecnia, o Professor Morais, uma farsa! Uma autêntica farsa! É nesta farsa que se baseia a explicação para a alegada dificuldade que assiste as mulheres na senda do orgasmo. Na prática, e baseado no mesmo princípio dos slots temporais, o que se passa é que as mulheres aproveitam o coito para fazerem mais duas ou três coisas, nomeadamente contas de cabeça e planeamento avançado. Fazendo as contas por baixo, vamos considerar que os slots são igualmente repartidos pelas actividades. Ou seja, num slot de nove segundos, três são dedicados ao prazer carnal, três são para fazer contas de cabeça e os restantes três para planear o futuro mais ou menos próximo. Considerando que o prazer carnal ocupe o primeiro slot, só passados seis segundos a mulher voltará a debruçar-se sobre esse aspecto da sua existência, provocando um compreensível retrocesso na sua evolução. Digamos que um segundo para recuperar o ponto onde ia, sobrando outros dois segundos para poder evoluir. Ou seja, em cada slot de nove segundos, a mulher só evolui no prazer carnal durante dois segundos. Se atentarmos ao facto documentado de que um homem pode atingir o orgasmo em dezoito segundos, nesse tempo a mulher apenas terá evoluído durante quatro segundos de prazer. Tomando esta perspectiva, as mulheres que mais prazer tiram na cama ou no areal ou no banco de trás de um carro são as que sabem perfeitamente que só se faz uma coisa de cada vez. pickwick

05
Out07

Entre o ouro e a prata

pickwick
Entre a correria de abandonar mais cedo os meus parceiros do patronato e apanhar o comboio para a capital, dei um saltinho a uma minúscula ourivesaria da minha aldeia, mesmo em frente ao balcão da CGD. Motivo? O relógio que me desapareceu há cerca de dois anos, no meio de folhas e restos de porcarias inúteis, e que voltou a surgir há cerca de um ano, continuava sem a bracelete que motivou a paragem na sua utilização e consequente perda. Para mais, o relógio que comprei porque não encontrava o outro, tinha a respectiva bracelete em vias de me deixar embaraçado em público, uma vez que já apresentava rachadelas acentuadas. Assim, nada como trocar as duas braceletes ao mesmo tempo e, a partir daí, armar-me em novo-rico e escolher diariamente o relógio que me apetece usar: ou um Casio piroso de doze euros comprado na loja dos chineses, ou um Casio não tão piroso, nem tão rasco, com iluminação azul-vodka-com-aniz, cronómetro que conta para a frente ou para trás, e mais meia dúzia de palermices que não se usam mas que tornam os relógios mais caros e satisfazem a necessidade grotesca que as pessoas têm de possuir objectos com funcionalidades perfeitamente inúteis. No caso particular deste segundo relógio, serviu o mesmo para uma gaja satisfazer a sua necessidade de oferecer um objecto cujas funcionalidades são, na sua maioria, completamente inúteis a esta alma que escreve. Enfim. O relojoeiro, ou ourives, ou vice-versa, era um homenzinho já de certa idade, com ar de quem faz de conta que percebe do assunto. A esposa, senhora de passar o dia na loja, faz de secretária pessoal e leitora de revistas. Para mudar as duas braceletes, o senhor demorou cerca de vinte minutos. É normal? Claro que não é normal. Mas, acontece na minha aldeia, no fim do mundo. Enquanto esperava e desesperava pelo serviço pronto, andei de um lado para outro na minúscula loja, totalmente rodeado de vitrinas recheadas de relógios de gosto duvidoso, relógios de sala com dois metros de altura, relógios de parede, relógios com cuco, relógios de cozinha, enfim, centenas de coisinhas de prata e outras tantas de ouro. Coisas que, confesso, nem percebi para que servem, pois ultrapassam a simplicidade de uma pulseira ou um anel. Dei comigo a pensar que, realmente, o bicho homem, para além de ser parvo, também é estúpido. Sem querer ofender ninguém, claro. Raciocinando objectivamente, ou, pelo menos, fazendo por isso, não dá para perceber muito bem o que leva alguém a dar uma pipa de massa por um adorno qualquer, só porque é de prata ou de ouro, quando pode pagar muito menos por um adorno igual, noutro metal mais barato. Para quê? Para dizer que tem não sei o quê em ouro? Faz sentido? Claro que não faz sentido. É como ter um diamante. Ah e tal, tenho um diamante XL não sei que mais, é tão giro, tão giro, tão giro, que não sei para que serve mas até nem serve para nada mas até não faz mal porque o que interessa mesmo é ter o diamante porque ah e tal e agora não me chateies mais com essa conversa, ‘tás parvo ou quê? Ah pois é. Um anel em ouro é bonito? Claro que é bonito. E não poderia ser em alumínio? E se o alumínio fosse pintado de dourado? Não ficava igual? E se desbotasse? Não se podia pintar de novo? Claro que podia e ninguém daria por isso. Mas, não. Há que gastar dinheiro, para dizer que se tem não sei quê em ouro ou não sei que mais em prata. Um gajo, por mais rico que seja e por mais dinheiro que tenha para esbanjar, é automaticamente promovido a parvo no preciso momento em que compra uma caneta banhada a ouro ou em ouro maciço. Se aplicasse o dinheiro num valente jantar com os amigos, com muita carne e muito tinto e muitas sobremesas, ou se pagasse aos amigos uma sessão non-stop de vinte e quatro horas de strippers, isso, sim, seria um acto revelador de algum bom senso. É como os telemóveis. E os computadores. E os automóveis. E as gajas. O bicho homem tem sempre a mania de comprar coisas com montes de funcionalidades cuja utilidade é basicamente zero. É como a maior parte dos livros que tenho na minha sala, que dão um toque intelectual ao ambiente, mas que não me servem de nada porque não tenho sequer um sofá onde me sentar pacatamente a lê-los. Qualquer dia devia vendê-los na Feira da Ladra e com o dinheiro comprar centenas de frascos de Salsichas de Frankfurt para depois ter onde fazer o licor de uva. pickwick
03
Out07

Um dia de chuva

pickwick
Hoje foi, e ainda está a ser, um dia de chuva. Será que o Outono já chegou? Não interessa. Foi um dia meio foleiro, molhado, cinzento, que facilmente cairá no esquecimento. Como outro dia qualquer.
 
1. Operações básicas
Hoje foi dia de dar formação lá no local de trabalho. O tema: operações básicas no Windows. Destinatários: trabalhadores. Formandos: só gajas! Copiar, cortar, colar, mudar o nome, criar pastas, etc. Tudo muito básico. Aiiiii!, desapareceu tudo!!!! – exclamou a Fá, em pânico, quando entrou numa pasta vazia acabada de criar. O ambiente de trabalho?, que é isso? ai, é isto? – perguntavam elas. Não, Carlinha, não precisas de copiar, colar e depois apagar o original, quando pretendes mover um ficheiro, basta cortar e colar. Tenho que repensar aquela minha ideia de meter toda a gente a enviar ficheiros por e-mail, para acabar com as pen’s. Bem, já consegui acabar com as disquetes. Falta mesmo só as pen’s. Mas usarem o e-mail… bem… não sei se a paciência me acudirá…
 
2. Certificados
A Maria (nome de código), que organizou as inscrições para a formação, não quis deixar nada em mãos alheias nem o seu crédito a apanhar chuva, pelo que tratou de elaborar e imprimir uns certificados de participação todos abichanados. Ando eu para ali a pregar aos pardais, que ah e tal tem que se acabar com as impressões a cores porque não se pode andar a esbanjar rios de dinheiro em tinteiros a cores para o povo imprimir porcarias que podem muito bem ficar a preto e branco, e aquela desgraçada imprimiu-me aquilo tudo a cores! Tenho que fazer a folha a esta gaja. Ela, até as porcarias das lombadas dos dossiers quer a cores! Lá vai o tempo em que, uma patroa que tive, tinha receio de imprimir coisas a cores à minha frente, dada a descompostura que eu lhe pregaria logo a seguir, por causa do esbanjamento de dinheiro. Agora, ninguém me ouve.
 
3. Regueifa
A colega de longe, da beira-mar, que é uma querida e usa os óculos ao contrário, trouxe-me meia regueifa lá da terra dela. Meti na gaveta e petisquei às escondidas, não fosse ser apanhado e gozado. Só foi pena o chão de alcatifa ter ficado cheio de migalhas.
 
3. Parabéns a você
Uma das vice-patroas hoje fez anos. Não consigo evitar sentir náuseas quando perto de mim se comemora, de alguma forma, mais ou menos discreta, um aniversário. É um mistério, mas dá-me vontade de bater em toda a gente. Para que é que as pessoas comemoram os aniversários? Não bastava dizerem para si próprias: mais um? Claro que bastava. Mas, não. Querem beijinhos, querem que toda a gente saiba que fazem anos, depois dão os parabéns, mais beijinhos, sorrisos, ah não sabia, ah e tal, abraços, beijinhos, e blá blá blá. Esta vice-patroa, vibra claramente com isto.
 
4. Os bolinhos
Vibra de tal maneira que, logo pela manhã, chegou com um monumental bolo de chocolate e noz, para ser partilhado entre todos, na pausa matinal para o café. Eu, que detesto comer em magote, aproveitei dois dedos de conversa para não ir lá emborcar uma fatia. Mais tarde, fui lá sorrateiramente, aproveitando que não havia ninguém na sala, mas, não sei porquê, já nem o prato do bolo lá estava. Azar, pronto. Ah, bolo, e café para todos. Ou chá.
 
5. Chá das 17h20
Por falar em chá. À tarde, a formação teve que terminar abruptamente, porque a aniversariante (formanda) tinha umas colegas à espera para lancharem todas juntas e beberem um chá e comemorarem o aniversário. É a vitória da gula sobre a sapiência, uma guerra há muito perdida. Seria o resto do bolo de chocolate e noz que apareceu de manhã? Claro que não. Era outro bolo, com rodelas de ananás e mais um montão de coisas que não percebi, nem mesmo depois de enfardar duas grossas fatias. Com chá. Foi um momento bonito, as colegas cantaram os parabéns enquanto eu fazia de conta que estava a tratar de um assunto importante e por isso não podia cantar mas até podia cantar porque não estava a ocupar a voz nem o cérebro. Enfim. Não curto aniversários, pronto!
 
6. As palavras misteriosas
Vi-me a braços com o desconhecimento de uma série de passwords de contas de correio electrónico e acessos a serviços online. Era suposto haver uma lista, mas não havia, que o ex-patrão não tinha e na secretaria também não havia e ninguém sabia delas e algumas delas até ninguém imaginava que poderiam haver. O ex-patrão, era, portanto, um gajo mesmo muito organizado. Raios o partam. Felizmente, a Internet estava lá, e deu para sacar um programa grátis, à borla, que se instalava e conseguia descobrir todas as passwords alguma vez registadas no computador. Deu para safar a maior parte. Ainda faltam duas ou três, mas nada que não se resolva com um contacto formal.
 
7. Pila de gorila-manso retalhada
Estou prestes a receber um carregamento de trinta litros de aguardente. Bagaço, aliás. Objectivo: quinze litros para fazer licores (o de uva é fantástico) e outros quinze para armazenar com lascas de madeira de carvalho (para tentar envelhecer). Para os licores são necessários muitos frascos. Por isso, tive que andar a investir em alimentação que seja vendida em frascos. Feijão, por exemplo. E salsichas de Frankfurt. E polpa de tomate. Com estes ingredientes, inventei um manjar requintado e nutritivo, ao qual dei o sóbrio nome de “Pila de gorila-manso retalhada”. Modo de preparar: faz-se um refogado, deita-se o feijão branco, a polpa de tomate, umas ervilhas, e polvilha-se tudo com especiarias saudáveis, tipo pimenta e colorau e caril e o picante; retalham-se quatro salsichas de Frankfurt, que parecem pilas de gorila-manso, e deitam-se também na panela; deita-se água; e massa. E prontinho! Não querendo enjoar ninguém, devo dizer que os nacos de salsicha ensopados na polpa de tomate recriam o cenário quase real de um gorila que foi atacado com uma navalha de talhar cortiça e privado da sua virilidade. As ervilhas fazem de conta que eram os mamilos do gorila. Quanto aos feijões brancos, é como se fossem bolsas de pus resultantes de inúmeras infecções cutâneas. Bem, por falar em enjoar, isto não está a correr nada bem. Maldita imaginação… pickwick