Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Arautos do Estendal

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Ela, do alto das suas esbeltas e intrigantes pernas, veio caminhando quintal abaixo até ao estendal, dependurando a toalha onde, minutos antes, tinha limpo as últimas gotas de água. O Arauto viu, porque o Arauto estava lá. E tocou a trombeta.

Arautos do Estendal

11
Ago05

Mais um tique nas ondas do mar

riverfl0w
Cheguei à brilhante conclusão de que é mesmo um tique. Recente, ainda por cima. Chama-se “entendes” e usa-se no fim de meia dúzia de afirmações, fechando com um ponto de interrogação. Ao princípio, ainda pensei que fosse mania da primeira pessoa a quem ouvi usar a expressão. Mas em pouco tempo - só o tempo de falar com mais alguns seres humanos lusófonos - descobri que devia ser mais uma praga. Um daqueles tiques que estão na moda. Que vão na onda. Há uns largos meses atrás, até dei por mim a divagar sobre outro tique que andava nas bocas no povo: “ou não”. Muito eu gozei sobre o assunto. Depois, cansado de gozar, comecei a ser assaltado por aquela força do além, aquele rissol de camarão disfarçado de contra-vontade, que me compelia a terminar todas as frases com “ou não”. As primeiras duzentas vezes ainda consegui conter-me, ou, nos casos piores, escapava-se-me apenas um “ou talvez”. Travei combates ferozes contra esta força. Cá dentro, neste emaranhado de teias de aranha e neurónios defeituosos, via-me a agarrar a cabeça com as mãos, num gesto tresloucado, arremessando o crânio contra a parede, rangendo entre dentes: “não dirás, não dirás”… Enfim, perdi a batalha, como todos os que são fracos de espírito. O “ou não” passou a ser usado tão frequentemente que qualquer conversa comigo tornava-se enjoativa ao fim de dez frases. Até eu ficava enjoado! E agora, faz sombra negra a perspectiva de vir, eventualmente, futuramente, a sucumbir a essa nova força obscura, a essa tentação de passar a terminar todas as frases com “entendes?”. Sobra-me, para já, a esperança de que a falta de sal e paprika que está patente nesta expressão, me convençam de que não tem jeito nenhum. Já o “ou não” tinha muitos condimentos e adaptava-se que nem uma maravilha a qualquer frase. Eu podia, por exemplo, dizer que “ah e tal hoje está um sol de rachar e as miúdas andam todas de top e saias curtas”, e terminar com um “ou não”, que dava logo muita graça, pois toda a gente percebia que eu queria dizer que podia estar um sol de estalar e as miúdas andarem todas de saias curtas e top… Uma inundação de graça, sem dúvida. Mas, aflige-me a quantidade de gente que, à minha volta, usa e abusa da nova expressão, do novo tique. Aflige-me porque, e a história e a matemática servem para o confirmar, a probabilidade de eu vir a usá-la também, é bem maior que a de vir a atropelar uma zebra. Não consigo esconder a curiosidade reles de saber onde teve origem este tique. Deve ter começado em qualquer lado. O mais certo, se estamos em Portugal, é que tenha começado na televisão, num qualquer anúncio ou numa qualquer telenovela. Na rádio não deve ser, que o povo não ouve rádio. Nos jornais e revistas, também não, que o povo não lê -compra, mas não lê. Mas deve estar a propagar-se a uma velocidade louca, porque, até pessoas que tenho ideia que vêem pouca televisão (entenda-se como menos de 2 horas por dia), já usam e abusam do tique. E, como será no futuro? Portanto, em 2004 foi o tique do “ou não”. Em 2005 é o tique do “entendes?”. E em 2006, o que será? Era bonito relançar um tique que inventei no final da década de 80: “okay, carrega no play”. Lindo, não é? Terminava praticamente todos os parágrafos (para não abusar muito da paciência do pessoal, e também porque o tique era comprido e cansativo) com um “okay, carrega no play”. Por ainda não dominar as modernas técnicas de marketing, a expressão não teve uma carreira promissora e acabou mergulhada no caldo do esquecimento e do excesso de uso. Fosse hoje, fosse papagueada frente a uma câmara de televisão, de preferência por um troglodita sorridente de boca sempre aberta, e era um sucesso garantido. Ou não. Entendes? pickwick