Os golpistas do Pingo Doce
Parece que perdi um dia imperdível aos comandos de um carrinho de compras, atestado até aos últimos arames, nos intransitáveis corredores do Pingo Doce cá do burgo. Felizmente, as minhas colegas de trabalho fizeram o favor de me relatar as aventuras daquele mítico dia de feriado. Agradeço-lhes, do fundo do coração, especialmente porque, dos relatos todos, bem espremidinhos até ao último adjectivo, a única substância que sobra é o surpreendente facto de ter havido um surto de golpistas sem pingo de vergonha na cara.
Uma quantidade quase absurda de gente, de muito boas aparências, a injectarem-se subtilmente algures na fila para pagar as compras, nunca a mais de um quarto do seu comprimento a contar da caixa. O truque mais usado foi a aproximação estratégica a uma prateleira para consultar determinado artigo, seguida de um violento ataque de prisão de pés ao chão, como quem assobia para o ar.
O mais extraordinário, a meu ver, foi a reacção desta gentalha quando confrontados por pessoas que subitamente se viram ultrapassadas, assim, sem mais nem menos: sem qualquer pinguinho de vergonha, reagiam invariavelmente com um daqueles ares de espanto e incredulidade, como se tivessem sido apanhados pela polícia de choque a ajudarem uma velhinha a atravessar a estrada ou a salvarem uma criança de morrer afogada! Nalguns casos, quase foi preciso sacudir a escumalha à pancada, tal era a crença no direito constitucional ao golpe na fila das compras. Na maior parte dos casos, foi necessário elevar a voz, quase ao nível do regateio do preço do peixe.
Em resumo, a sociedade portuguesa está a ficar demasiado podre. Demasiado! E os canais de TV continuam a fazer passar, eficazmente, a triste mensagem de que ser-se podre de valores é perfeitamente aceitável e até pode ser louvável… pickwick